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Contos-->O matador de dragões -- 08/10/2000 - 13:34 (Bia Zolnier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O viajante solitário, cavalga livre pelas planícies recobertas de pedra e vegetação rasteira. Olha meio desolado para aquela vastidão imensa, sem avistar uma árvore sequer. Nem sombra, nem água, nem vida. Foi tudo o que restou do palco de batalhas sangrentas travadas entre povos pelos mais variados e torpes motivos, não importando muito quem venceu ou foi vencido. De certa forma, todos perderam. O universo cobra o preço, a seu tempo.
Os cascos do cavalo batem contra a terra seca e dura das escarpas. O cavaleiro continua seu caminho errante, torcendo para que haja ao menos uma mina d’água depois do próximo morro íngreme.
Já não cavalga tão ligeiro, para poupar o animal cansado.
Mal alcança o topo do morro mais alto, e seus olhos se deleitam com a exuberante visão de um bosque. Quase não crê em seus olhos. Árvores, pássaros, vegetação vasta e generosa, rios, fontes, vento... Juraria que pode sentir o cheiro do verde, da terra úmida, da vida.
Mas ainda está longe, muito longe de ser alcançado. Talvez um ou dois dias de viagem... Desce do cavalo, sem conseguir desviar os olhos daquele horizonte cativante e promissor.
- Então, afinal, a terra não foi toda devastada!
Naquela noite, dormindo ao relento, tem um sonho estranho onde lutava com uma serpente alada de fogo...ou seria uma visão? Não importa, já que pela manhã, não lembrava de mais nada.

O viajante solitário, cavaleiro destemido, herói de muitas batalhas, cheio de imponência e coragem, chegou com os primeiros raios de sol no pequeno povoado, nos arredores do magnífico bosque de árvores frondosas.
Sua armadura reluz ao sol, como se o metal fosse incandescente.
O povo simples, diante de tal aparição, vai se aglomerando, se acotovelando e empurrando, só para ver mais de perto aquele personagem ilustre, tão brilhante quanto o próprio deus-Sol.
O estranho olha para todos com indisfarçável soberba, como se buscasse entre eles o chefe, ou líder. Não disse nada. Nada perguntou. Era arrogante demais para fazê-lo. Seu olhar foi atraído para uma pequena elevação mais afastada das casas, onde um ancião o observa sem muito interesse.
O cavaleiro impaciente desvencilha-se da pequena multidão, dirigindo-se para o lugar onde é aguardado.
- Você não parece curioso a meu respeito.
- A curiosidade morre quando a velhice chega.
- É o líder?
- Apenas tento guiá-los na elevação do espírito.
O cavaleiro sorri cinicamente.
- Um condutor de almas?
- Apenas de corpos e cabeças... As almas perdidas são muitas, e se espalham por todos os tempos. Não tenho a iluminação para arrebanhá-las.
- Falo com um sacerdote ou um devoto?
O ancião sorri candidamente, sem alterar sua postura de simplicidade.
- Sou um humilde devoto do espírito. Um aprendiz da vida ... e da morte.
- Venho de muito longe. Estou cavalgando há tanto tempo e por tantos lugares, que já não pertenço a lugar algum. Posso descansar aqui?
- Seja nosso hóspede, pelo tempo que necessitar.
O ancião faz um pequena mesura, no mesmo instante dois jovens se aproximam, ajudando o forasteiro com seu cavalo e a armadura.
Depois de se lavar e se acomodar numa mesa tosca, diante de um fumegante prato de comida, o cavaleiro se enche de ânimo.
- Como se chama, jovem?
- Ednarg Oculam. Cavaleiro imperial da ordem grená, combatendo os inimigos da Coroa.
- Aqui não há inimigos da Coroa. Você está muito longe das linhas de combate.
- Me perdi nas planícies, com a última tempestade de areia, e não encontrei mais nada a não ser pó e deserto. Nem mesmo os abutres, que me faziam companhia, consegui avistar.
- Quando foi isso?
- Há muitas luas...
O ancião olha compadecido para o jovem, tentando entender qual o desígnio para aquela alma orgulhosa e altiva. Fica em silêncio, e só então nota o murmurinho das pessoas amontoadas pelas aberturas, vãos e frestas da casa, que tentam ver o estranho.
Levanta-se bruscamente e dirige-se a eles sem conseguir disfarçar sua indignação.
- O que estão esperando? Que o vento colha os frutos, ordenhe suas vacas e cabras, que traga água fresca para dentro de suas casas? Que a luz do sol faça sua comida, seu pão? O que querem aqui?
Mansamente, todos vão saindo, com alguns resmungos indecifráveis, e a vida comum na aldeia continua. Apesar da presença do estranho.
O jovem sorri alegremente para o ancião enfunado que senta à sua frente.
- Por que negou ser o líder deles, quando perguntei?
- Não neguei. Admiti ser seu guia.
- Não sei o seu nome...
- Oibas, o velho. Cada vez mais velho.
- E impaciente com seu rebanho curioso!
- Meu tempo está acabando, e já não tenho mais tanta paciência para guiá-los...
- O que disse?
- Nada. Apenas resmungos de velho.
- Que lugar é este? Como vocês conseguiram preservá-lo da devastação das guerras?
Oibas começa a andar pelo aposento, como se quisesse ganhar tempo para explicar o inexplicável.
- Tentamos conviver em paz com todas as criaturas sobre a face da terra.
- Sem armas? E os inimigos?
- Somos pacíficos. Não temos inimigos.
- E se a guerra alcançá-los? Como se defenderão?
- Deixamos o lugar e partimos.
- Não posso acreditar nisso!
Ednarg impacienta-se, sentindo que aquela calma aparente não pode ser verdadeira.
- A espada não é a Lei, mas é ela que tem decidido sobre a vida e a morte. Não aceitamos esta determinação, por isso, nos retiramos pacificamente.
- Vocês são loucos!
- E os que não são, devastam a terra, e devoram as próprias entranhas quando não há mais nada em lugar algum...
Ednarg quase engasgou diante do sorriso aberto, antes de prosseguir imperioso com seus argumentos inválidos.
- Mesmo assim, não me envergonho de ser um guerreiro!
- Não me envergonho de não sê-lo!
- Duvido que alguém não saiba empunhar dignamente uma espada, se tiver a chance de tê-la nas mãos. Já nascemos guerreiros! A paz é um estado letárgico da vida. Não é vida!
- E a guerra produz uma falsa euforia que acaba em destruição e aniquilamento.
Ednarg desembainha sua espada e caminha com passos apressados para fora do casebre.
Oibas só conseguiu alcançá-lo no meio da vila, quando a pequena multidão começava a se aglomerar em torno dele, admirando o brilho intenso da lâmina muito afiada.
Os olhos de Ednarg brilham maravilhados, como se estivesse em transe.
Oibas precisa detê-lo. Pede que o povo se acalme e se afaste. Tudo inútil. Estão fascinados demais pelo metal resplandecente. O guerreiro parece mais poderoso ainda.
Mas a admiração cede lugar ao medo, rapidamente, quando o murmurinho é entrecortado por um grande rugido despertando do bosque ao longe.
Oibas pede calma, e acaba sendo salvo por Ednarg, do tropéu de gente correndo para todos os lados, numa confusão enlouquecida.
- O que é isso? Que rugido é esse? De quê fogem?
Oibas aponta para o bosque e sua voz parece querer sumir.
- Vem de lá... Todos temem que ultrapasse o bosque e venha atrás de nós.
- Temem o quê?
- Um dragão, que devora os frutos, os brotos das árvores e animais.
- Mas isso ele tem de sobra. Por quê viria até aqui?
- Por que colhemos os frutos do seu bosque.
- É só um animal. Não é dono de nada!
- E nós somos? Ele já estava lá, quando viemos. Apenas essas rochas nos protegem de sua fúria.
- Por que não o enfrentam? Se o matarem, todo o vale pertencerá a vocês!
- Estamos falando de um dragão. Não somos um povo caçador ou guerreiro.
Ednarg sorri com escárnio.
- É claro. Um povo pacífico só produz sábios, profetas... e uma legião de covardes!
Oibas tenta ignorar a provocação.
- Um povo pacífico dedicado à agricultura.
- Bah! Covardes, covardes e mais covardes!
Ednarg dá um pontapé no chão, fazendo levantar uma pequena nuvem de poeira vermelha e se afasta. Com passadas largas vai até a casa de Oibas, onde está sua armadura.
Está terminando de afivelar a última parte metálica da armadura, quando Oibas entra e o olha em silêncio.
- Quero ir até lá!
Oibas suspira profundamente. Não fala nada, pois sabe que nada o demoveria da idéia.
- Vou mostrar para o seu povo que é melhor enfrentá-lo do que fugir a vida toda!
- A destruição traz destruição.
Ednarg ri com desprezo e encara com deslavada ironia o ancião que horas antes o acolhera de boa vontade.
- Ah é? Então vá até o vale com um prato de comida nas mãos e discuta sobre isso com o nosso bom amigo dragão! E torça para que ele aprecie a sua filosofia!
Oibas olhou demoradamente para os próprios pés. Se sentia muito velho, muito cansado nesse instante, e sem nenhum argumento convincente. Os ouvidos estão surdos à verdade.
Nessa altura, o povo foi se acalmando, e alguns até arriscaram a vir para perto da casa de Oibas, quando perceberam a agitação que ocorre lá dentro, com a disposição do estrangeiro em ir atrás da besta-fera.
- Deixe-o ir, Oibas!
- Sim. Se ele pode matar o dragão, que mate!
Oibas não conseguiu reconhecer naquelas vozes incitadoras os inofensivos agricultores. Seu olhar desolado parou nos olhos brilhantes do guerreiro. Enfrentou seu sorriso com toda a dignidade que lhe era possível ter.
Naqueles olhos profundos, viu a destruição, mas calou-se.
E em silêncio, de cabeça baixa, retirou-se para as montanhas.
- Para onde ele vai?
- Oibas é assim, mesmo.
- Ele nos deixa por muitas luas, e depois volta.
- Velho esquisito...

Aclamado por todos, Ednarg Oculam parte com seu cavalo, entranhando-se no bosque, à caça do dragão.
Cavalgou o dia todo, até que encontrou pegadas recentes. O bicho é bem grande. Vasculhou toda a área em volta, inutilmente. O dragão parece ter se evaporado.
Cansado, acampou junto de um córrego. Quando foi tirar a sela do cavalo, notou uma caverna quase oculta pela folhagem exuberante.
Destemido, jogou pedras contra a parede do rochedo e gritou alguns impropérios, desafiando o dragão a sair para a luz do dia, ou o que resta dela, pois já é tarde, e o sol está se pondo no horizonte. Queria enfrentá-lo antes do anoitecer, mas só conseguiu arrancar da caverna alguns grunhidos e rosnados aborrecidos. Mas de dragão, nada.
Terá mesmo que esperar. Acendeu o fogo para assar o pedaço de carne que trouxe, talvez com o cheiro da comida, o bicho resolva sair.
Mas nem o assado foi capaz de fazer o dragão se manifestar, deixando Ednarg mais aborrecido ainda.
Olhando distraído para o fogo, tem a terrível idéia.
Sentindo o cheiro de fumaça, o dragão terá que sair de seu esconderijo, encontrando-o pronto para a luta.
Com seu desenfreado ímpeto sanguinário, desvairadamente, vai ateando fogo a tudo em volta da caverna e nas proximidades, sem perceber que o vento rasteiro espalha as chamas com a rapidez do imprevisível.
De fato, não tardou muito e o dragão, assustado, surge na entrada da caverna.
Colericamente, de espada em punho, Ednarg o enfrenta.
O animal luta com fúria, investindo seu corpo pesado e visgoso contra aquela criatura que veio perturbá-lo. Luta para se defender, pois, mais que enfurecido, está assustado com o fogo ameaçador que vai acabando com tudo.
Não demora muito para o dragão tombar ao chão enegrecido e ainda quente, ferido mortalmente pela lâmina afiada e cruel da espada guerreira.
Cansado, mas feliz, Ednarg embainha a espada suja de sangue, e olha orgulhoso para a presa morta a seus pés.
Distraído, ouve o tropéu das pessoas vindo em sua direção. Volta o rosto para receber a aclamação de herói, mas seu sorriso de triunfo desaparece tão logo se dá conta da realidade.
Seus olhos estarrecidos parecem querer pregar uma peça. Toda a planície está fumegante e enegrecida. Tudo consumido em horas pelo fogo inconseqüente. Um fogo ignorado, no calor da luta.
Não há mais dragão, nem bosque, nem árvores, nem pássaros, nem brotos, nem frutos. Apenas cinzas... E uma multidão enfurecida que avança tal qual um exército de revoltados.
Ednarg corre para alcançar o cavalo e parte em disparada, sendo atingido por alguns paus e pedras - armas de agricultor.
Ferido, mas a salvo, grita para o povo , fazendo eco no vale devastado:
- Eu matei o dragão! Matei o dragão!
E desapareceu para sempre no mundo, com a armadura resplandecente, dourada como o sol, procurando sua guerra, carregando a destruição oculta na sombra.
O povo teve que mudar-se para outro lugar e aprender a conviver pacificamente com seu dragão.
Oibas jamais retornou das montanhas. Algumas pessoas foram procurá-lo, mas não encontrando nada, nem sequer um vestígio, finalmente o deram como morto.
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