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Artigos-->Amor Cão -- 26/06/2002 - 15:04 (Nathália Kneipp Sena) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Amor cão



Por Nathália Kneipp Sena

weaving66@hotmail.com



Um dogue alemão partido na estrada. Vísceras expostas, no acostamento. Como cena isolada talvez não trouxesse tanta inquietação. Em intervalos curtos, de dias e semanas, repete-se, ao longo do caminho, essa mesma visão: um cocker spaniel, com sua corrente prateada, um rottweiler, um poodle e toda sua fragilidade e tantos vira-latas. Novamente, um dog alemão!



Em geral, atropelamento de animal doméstico não é notícia. Vê-se, contudo, que com o passar dos anos, cada uma dessas criaturas - anônimas ou conhecidas de alguma família ou até mesmo de uma comunidade inteira na qual estão inseridas &
61485; enquanto espécie, rende em ibope, criando cifras astronômicas que abrangem desde os preços dos pedigrees, ao império das produtoras de ração e de produtos e serviços de medicina veterinária. Vê-las terminar seus dias estraçalhadas no asfalto não corrobora esse “valor de mercado”, o que dizer, então, dos nossos valores?



Passar por esse fato do cotidiano com indiferença? Ver tantas faixas oferecendo recompensas por cães supostamente perdidos - o que no Lago Sul, em Brasília, está virando prática diária &
61485; lado a lado dos cães atropelados, merece, ao menos, uma crônica comportamental, já que a forma de apresentação dos cães na mídia ainda beira um ideário fantasioso, comparável ao dos anúncios dos cigarros Hollywood. A valer a série de propagandas atuais de advertência do risco do tabaco, poderíamos supor que no futuro, caso a publicidade cinófila evoluísse ideologicamente como a dos cigarros conseguiu evoluir, assistiríamos anúncios sobre o comércio de animais domésticos que evidenciariam o triste fim que muitas criaturas enfrentam devido às atitudes dos seus proprietários. A imprensa poderia ajudar, mediante campanhas educativas, mas será que ela ainda teme o Rock da Cachorra, hino anticinófilo e de julgamento moral, na interpretação irreverente de Duardo Dusek, e toda a sua carga ideológica que sentencia que: com todas as nossas mazelas, nem como último item da pauta deve constar um chamado às responsabilidades humanas frente ao cão nosso de cada dia.



O Correio Braziliense esboçou uma exceção, no dia 9 de abril, na editoria de Cidades, que tradicionalmente acolhe textos de maior leveza, revelando os repórteres mais vocacionados a trazer a crônica para a linguagem jornalística. Com o título “Dana escapa da morte e faz sucesso sob rodas”, envereda por uma abordagem alegrada diante do inusitado, revelando a cultura local, ao fazer alusão ao infortúnio de uma pinscher que, após ter sido prensada no portão eletrônico de sua casa, teve fratura de medula e perdeu o movimento dos membros anteriores, o que fazia com que o animal tivesse que se arrastar, problema remediado com um carro ortopédico veterinário de R$ 500. “Tem razão a vizinhança que acha graça e se encanta com Dana. A cadeirinha que ela usa é novidade em Brasília”, comenta a repórter.





Não é que os cães não estejam na mídia, muito pelo contrário. Existem publicações, sites e programas que só abordam assuntos de cinofilia. Já foram capa da revista “Galileu”, com a manchete “Clone de cachorro” e o questionamento: “você gostaria de ter uma cópia do seu animal de estimação?” O que efetivamente já está a caminho, como narra Martha San Juan na edição de fevereiro dessa publicação, anunciando a chegada da gatinha Cc (abreviatura de copy cat), cópia fiel de Rainbow, gata doadora da célula que originou esse felino de 3,5 milhões de dólares. O sonho da reprodução ad infinitum do genótipo do ser/objeto de amor concretiza-se em meio à turbulência dos costumes da sociedade dos descartáveis, the throw away society, como descrita por Alvin Toffler. Muitos desses cães atropelados são animais descartados, deliberadamente soltos na beira das estradas e ruas da cidade.



A esses anônimos associam-se nossas memórias que incluem Scooby-Doo, Lassie, Pluto, Snoopy, Rin Tin Tin, Bandit, Bengi e tantos outros. Essas recordações compõem um ideário que começa na infância, individualmente, e paira sobre o coletivo que abrange os célebres personagens de histórias em quadrinhos, desenhos animados, filmes, músicas e todo o tipo de ficção/aventura, deliciosamente coroadas por “Como cães e gatos” de Lawrence Guterman. Na literatura recente, segundo Haroldo Ceravolo Sereza, em resenha publicada no Caderno Dois de O Estado de S. Paulo, de 6 de abril, coube ao francês Roger Grenier esmiuçar as “afinidades intelectuais entre homens, cães e gatos” em seu livro “Da dificuldade de ser cão”, lançado recentemente pela Companhia das Letras.



Brigas



As querelas, por sua vez, costumam ser as mais noticiadas, tanto que no Jornal do Brasil de 30 de abril veio a notícia de uma briga de cachorro que foi parar no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), matéria assinada por Luiz Orlando Carneiro, cujo relato descreve que uma senhora, proprietária de um poodle, foi mordida na coxa direita por “Xuxa”, pastor alemão, e após todas as nuanças da queixa e dos trâmites legais acabou ganhando uma indenização de 25 salários mínimos.



Entre os casos de notoriedade internacional, houve o do akita condenado à morte no Estado de Nova Jersey. Em 1990, Taro mordeu ou arranhou o lábio de Brie Halfond, 10, sobrinha dos donos do cachorro, o casal Lehrer. Pela legislação desse Estado americano, o cachorro deveria ser sacrificado. A cidade de Haworth gastou 60 mil dólares em despesas com o processo para condená-lo. O casal Lehrer pagou 30 mil dólares para defendê-lo, alegando, inclusive que a sobrinha o provocou e o animal não merecia ser sacrificado. Foram quatro anos de luta na justiça, contando com o apelo de Brigitte Bardot e do governo japonês. Em 1994, o caso chegou à governadora do Estado, Christine Todd Whitman que concedeu-lhe o perdão (http://www.nylana.org/RRACI/taro.htm), contanto que o cão deixasse para sempre o Estado de Nova Jersey.



Direito



O Direito é um âmbito de registro de toda essa revolução ideológica nas relações entre animais e animais não-humanos, para empregar o jargão dos que militam pelos direitos dos animais. Michel Pepin, veterinário e articulista quebequense, escreveu um artigo para a revista “Poils et Plumes”, em abril de 1994, intitulado “La justice humaine”. Pepin rememora os julgamentos de animais na Idade Média, quando o Direito não colocava em questão a responsabilidade mas sim o fato e sua conseqüência. “O animal não era considerado como uma pessoa de direito, mas uma criatura de Deus, por intermédio do qual se exprimiam as forças do bem e do mal”, esclarece Pepin. No século XI, até São Bernardo, em meio a um sermão, excomungou um mosquito que o atrapalhava. Outro exemplo, citado pelo veterinário, é o do célebre advogado que em 1490 defendeu um urso que havia devastado várias cidades alemãs. Em sua defesa, e com ganho de causa, alegou que o urso tinha o direito de comparecer diante de um juri composto por seus pares.



Acidente



As brigas e os recursos à justiça dos homens sucedem-se aos acidentes e encontros do acaso. Se a imprensa distancia-se das nuanças do tema, a arte as acolhe de forma esplendorosa e quem abre gigante “latitude semântica” ao termo “amor cão”, “amor cachorro”, é o roteirista Guillermo Arrianga no excelente filme mexicano “Amores Perros”, traduzido para o português como “Amores Brutos” - Love´s a Bitch, no inglês &
61485;, dirigido por Alejandro Gonzalez Inarritu. Octavio (Gael Garcia Bernal) acidenta-se ao levar seu cão ferido ao veterinário, em meio a uma perseguição que sofre por parte dos seus inimigos. Desenvolve-se, a partir desse conflito, uma narrativa com vasta inclusão de cães em intrincada interação emocional com os seres humanos. Amor, perda, vingança, redenção, traição, ansiedade, dor, pecado, contrição, egoísmo, esperança e morte são os elementos que compõem de forma impecável a trama que relaciona todos os personagens.



Está presente em Grande Sertão Veredas - “abracei Diadorim, como as asas de todos os pássaros”; no galo de Bâle, condenado à morte por ter posto um ovo nos idos 1474; nos cães que dividem o palco com o Pink Floyd; na criação de Iawo Takamoto - Scooby Doo; em Argos, o cão de Ulysses, único a imediatamente reconhecê-lo passados os 20 anos de odisséia; no encontro fatal entre aquele que atropela e o cão que encontra o seu fim; nos amores perros de Arranga e Inarritu; no perdão a Taro, no convívio com esses seres que nos humanizam, em especial com os cães, a eloqüência máxima que poderia ser bem expressa pela musicalidade e verso de Pete Townshend &
61485; can you see the real me, can you, can you? &
61485;, com os significados que podem lhe atribuir a ciência e a arte, que devem sempre encontrar ressonância no Jornalismo.

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