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Contos-->O homem do lago -- 08/10/2000 - 13:41 (Bia Zolnier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O pequeno grupo de pessoas se aglomera na margem escura do lago. Seus olhos são de temor, curiosidade, até de esperança, mas nenhum olhar é de indiferença.
São pessoas, que de uma maneira ou outra, conseguiram furar o bloqueio da polícia, e chegam silenciosos, mas não se aproximam muito.
Na beira do lago, um sujeito estranhamente quieto, ajoelhado, está quase terminando de acender algumas velas e colocar num anteparo improvisado contra o vento que teima em apagá-las.
Com paciência e em movimentos pausados, ele vai colocando seu brinquedo esquisito na água calma do lago.
São sete pequenos pratos plásticos com uma vela acesa sobre cada um, protegida por pedaços cortados de garrafas recicláveis de refrigerantes.
São sete barquinhos frágeis, lançados a intervalos regulares, que navegam desajeitadamente em direções diversas. Nada faz muito sentido para essa gente que segue as pequenas chamas com olhar de expectativa, com a respiração presa, como se um simples suspiro pudesse interferir nessa mórbida brincadeira.
O homem na margem do lago mantém os olhos fechados. Agora está de pé. Seu corpo parece um tronco reto de árvore plantada na beira da água lodosa. Tão assustador quanto a noite escura sem vento que ocorre hoje.
Por quanto tempo mais aqueles pratos fracamente iluminados continuariam a flutuar sem rumo certo?
E se o corpo não for localizado nem assim?
Afinal, de quem foi a triste idéia de pensar que esse homem estranho (vindo sabe-se lá de onde ), com suas esquisitices, pudesse ajudar a encontrar uma criança desaparecida?

Por um breve instante, o olhar vazio do homem pousa diretamente no olhar de dúvida e apreensão do comandante dos bombeiros que, subitamente, sente-se incomodado. Não. O sujeito não pode ter lido seus pensamentos... Ou pode? Isso tudo é muito doido para ser sério... Inexplicavelmente, teve a compulsão de vestir uma das roupas de mergulho. A idéia não dá espaço para qualquer outro pensamento, em sua cabeça.
O grupo de expectadores não percebe o comandante se afastar em direção a uma das viaturas. Ninguém desvia os olhos fascinados daquelas pequenas luzinhas oscilantes, que dançam sinistramente sobre as águas quase paradas do lago.
Até mesmo os experientes mergulhadores do corpo de bombeiros, instalados há dois dias nesta margem do lago, se deixam fascinar pelo encanto lúgubre das velas acesas. Um balé de pequenas almas bruxuleantes que se movem na sinfonia silenciosa do outro mundo. Um mundo que não cremos. Um mundo que não percebemos, mas que está lá...
O temor de que tudo seria em vão começou a tomar forma quando, sem ter soprado nenhuma brisa mais forte, uma das velas se apagou e soçobrou rapidamente, como se alguma coisa a tivesse puxado para baixo d’água.
Daria para contar nos dedos de uma só mão as pessoas que não se sentiram subitamente perturbadas e com a respiração suspensa, quando o fenômeno se repetiu com mais três velas em espaços de tempo regulares.
Até que restaram três velas girando alucinadas com seus pratos em pontos muito distantes um do outro.
O silêncio e a expectativa se transformaram num monstro gigantesco e pesado, arfando no ar frio da noite mais longa da cidade.
O capitão voltou logo, já vestido com a roupa de mergulho. Aproximou-se devagar. O homem taciturno na margem do lago lhe dá arrepios, mas precisa ir até ele. Alguma coisa o compelia a simplesmente ir até lá e confiar.
_ Entre no barco e vá buscar o corpo.
_ Mas... Onde?
_ Lá!
Homem de convicções fortes e idéias bem definidas, o capitão quase engasgou quando olhou na direção apontada pelo braço esquálido, no exato momento que os três pratos iluminados se juntam, marcando o lugar no meio da escuridão do lago. O frio na espinha deu lugar ao censo do dever. A morte venceu a esperança.

O resto da operação não levou muito tempo. Os holofotes dos barcos iluminaram boa parte da superfície para que a equipe de resgate e mergulhadores pudesse trabalhar rápido. Agora, os curiosos parecem multiplicados vertiginosamente, e a polícia quase não consegue mantê-los afastados da margem, ou pelo menos a uma distância que permita aos bombeiros trabalharem em liberdade.
No meio de toda a confusão, ninguém viu para onde foi o homem que realizou aquele estranho ritual de velas em pratos flutuantes. Seu trabalho ali, fora concluído. Precisava partir. Estava visivelmente esgotado. Parece ter envelhecido cem anos.
Por volta de meia-noite, o barco dos bombeiros retorna à margem do lago, trazendo o corpo do menino de quatro anos. O afogamento acontecera quatro dias antes. Quatro velas desapareceram... O capitão enxuga os olhos cansados, quando pisa na margem lodosa. Em vão, procura alguém no meio de toda aquela gente.
Enfim, vai embora triste, calado, e com o espírito em transformação. Ninguém sabe nem ao menos o nome do homem que lhe mostrou o lugar para mergulhar. Contam que o sujeito apareceu assim, sabe-se-lá-vindo-de-onde, dizendo conhecer um antigo ritual da sabedoria antiga para achar gente afogada. Como as buscas eram infrutíferas, algum parente da criança morta autorizou o homem a fazer o que quisesse.
Dizem que o tal homem olhou fixamente para um retrato, orando em silêncio enquanto acendia a vela que depositou sobre a fotografia do menino, precisamente no meio da testa, pouco acima dos olhos. Dizem, ainda, que o menino foi brincar na beira do lago e ouviu alguém chamá-lo para a água... Falam muitas bobagens... Falam muitas bobagens!

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