Talvez os que não o conhecem digam que "é apenas mais um maluco descontente". Destes que, na falta de coragem, abandonam a vida de forma suicida. Colégios de nome, amigos na agenda, boa merenda e televisão no quarto. Como quase todos nós, é um sonhador que caminha pelo mundo. Têm a condição financeira de poucos bípedes - que somados dão muitos quadrúpedes de pés e mãos-de-obra baratas. Assim ordena a ciranda, ritmando a miséria entre nós homens. Porém ele não quer dançar.
Pela TV do quarto vê os grilhões nos seres humanos e a fedentina do seu jornalismo. Procura espaço no mundo que lhe bate as portas. Pregam-lhe o fim das utopias sem a dele ter acabado. Olha-se no espelho e não admite prostituir-se à ordem. Seus cabelos brancos escondem a juventude de vontade, enquanto o olhar cansado mostra a idade de sua luta. Mas embora sem tesão, mantêm-se ereto. Bate os pés: não quer virar quadrúpede.
Os comentários são variantes, que deslizam entre o "é a única forma de sobreviver" e o "preciso alimentar meus filhos". Ele já não suporta mais ouvir estes discos. Quer o fim e vê na morte o ingresso. Cara-a-cara com as trevas sente a luz aproximar-se. Antes de mergulhar no mar gelado do infinito resolve recuar. Brinca com a vida que lhe debocha. Dá mais uma chance ao mundo provar a si que gira fora de órbita.
Quer uma ciranda de crianças e idosos sorrindo, com todos os dentes. Abraços nas ruas ao invés do medo e das grades. Uma escola que liberte ao invés de aprisionar o conhecimento. A ciência para todos e não todos como experiência. Observa algumas árvores dentre os prédios e a fumaça, a lua, o sol e a gaivota rasante à ponte, lhe fazendo sorrir e acreditar que as utopias não acabaram - basta voar em bando.