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Poesias-->CINCO DEDOS NA POLPA DA TERRA -- 18/06/2004 - 08:37 (joão manuel vilela rasteiro) |
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1º Prémio do Concurso de Poesia e Conto,
"CINCO POVOS CINCO NAÇÕES", Organizado pelo
Congresso Internacional de Literaturas Africanas:
I
Há quem procure na respiração da terra
o movimento inteiro do corpo inicial
o mundo completo sob uma nyeleti
onde o murmúrio que transborda
se estende nas águas com cinco dedos
apontados à seiva que semeia o espanto
apenas algumas palavras como fábulas
porque xicuembo amadurece no fogo preto
em busca da sua própria boca de korbu
do real do corpo à melancolia da terra.
II
Não é possível arrumar os mortos
no espaço do eterno tremor da água
onde a língua em que me mastigo
pronuncia um corpo único imaginário
tentando lamber as feridas do madala
uma golfada epifânica na garganta
porque a terra nos suga violentamente
numa cartografia limária de sonhos
a ferida reflectida nos olhos da árvore
porque as dores leves falam e as fortes calam-se.
III
O rosto reinscrevendo o corpo sob o sol
onde a pele se alimenta e dilata xonguile
bebendo no reflexo aquecido do real maduro
o passo lento e extasiado como os frutos
que a candengue planta no ventre do tempo
a oração frágil do poeta sempre efémero
como o fogo que o eco bebe no muxima
ou o véu que destapa o rosto de mil imagens
o fluxo que se desenreda na paixão
e a flutch púrpura tecida à medida do homem.
IV
Nos tendões da fêmea de um hálito multicor
o ngoma no tecido da luz abrindo a névoa densa
a dança dos dedos na polpa secreta da terra
enquanto uma única constelação tece a voz e alfabeto
o mesmo suspiro nas mãos entrelaçadas
porque o desejo é sublimado no acto de sonhar
e na breve distância sobre as águas o quimbanda
comunicando o cio no epicentro dos frutos cegos
águas antigas vagas sem princípio sem fim
a primavera tocando no mais fundo da loucura.
V
Entre os aromas do êxtase as palavras possíveis
cobrindo a terra mãe cinco vezes de dedus numeros
todos os pecados hoje plantados no sopro das maré
numa boca aberta em gargantas lascadas
o despojo da carne na rouquidão de vozes universais
as pegadas do cântico que o ritual celebra
ao morder a raiva da polpa das palavras
porque o sangue é sempre a diferença nascente
os gomos da manga na invenção do outro codê
juntos precipitando o voo do pássaro incendiado.
VI
Debaixo das línguas a benignidade do mar
que se alimenta na calema das vozes entrecortadas
com um fugor de orvalhos negros sob gárgulas
clamando em sua carne o dizeju do ventre
que ganha a leveza das sílabas num só corpo
silêncios na distância já não perturbadoras de sol
um olhar inteiramente aberto à lasca do fogo
e nas pálpebras surgem caudalosos rios de sementes
rumo a um leito sulcado de muzumbus amaciados
deixando a agonia do tempo na luz dos velhos recantos.
VII
Em cada corpo há uma identidade de insuspeita frescura
margem do Kamba no movimento novo da respiração
que nuvens levam o incenso e os salmos do templo
o n`bô da ave doirada embriagada em seu louco voo
e uma só voz lembra o estrondo de muitas águas
como animais delicados estendendo suas raízes
no espaço liberto por um arco de bronze flexível
espalhando as suas teias de cinco conchas
sobre o seco e tchonzo abismo no dorso do chipala
uma ilha aberta à língua contida em sua forma.
Há um corpo que invade outro corpo precário
e este corpo estará noutro no seu próprio tempo
cinco dedos de oiro na saliva etérea dos sonhos
terra e água branca preto caos o universo.
2004
GLOSSÁRIO:
-CALEMA: tempestade.; S.Tomé e Príncipe,Angola.
-CANDENGUE: criança.; Angola.
-CHIPALA: rosto.; Angola
-codê: filho mais novo.; Guiné,Cabo Verde,S.Tomé e Príncipe,Angola
-DEDU: dedos.; Cabo Verde
-DIZEJU: desejo.; Cabo Verde
-FLUTCH: mortalha.; Cabo Verde
-LIMÁRIA: animal.; Guiné-Bissau
-KAMBA: amigo.; Angola
-KORBU: corvo.; Cabo Verde
-MADALA: velho.; Moçambique
-MUZUMBUS: lábios.; Angola
-MUXIMA: coração.; Angola
-N`BÔ: adeus.; Guiné-Bissau
-NGOMA: tambor.; Angola
-NYELETI: estrela.; Moçambique
-QUIMBANDA: adivinho.; Angola
-TCHONZO: magro,raquítico.; Moçambique
-XICUEMBO: Deus.; Moçambique
-XONGUILE: bonita.; Angola
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