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Contos-->Por entre o cheiro das flores -- 03/10/2003 - 11:01 (Paulo Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Reconheci o prato de alumínio embaixo do caixão, onde repousava uma laranja cortada em quatro gomos. Ele tinha um elefante desenhado em relevo, desses de circo, com uma pata em cima de um banco e uma bola no fim da tromba. Lembro que, quando criança, minha avó colocava para mim naquele prato miolo de pão com manteiga. Um mimo para o neto mais velho. Perdia-se quase todo o pão.
No caixão.... meu avô.
Acho que era meio dia e o cortejo fúnebre só sairia as quatro da tarde. Ao lado do caixão, sentados, eu e minha avó. O velório ocorria em casa, como reza o costume do interior. Na pequena sala o caixão espremia as passagens. O terraço que dava pra rua ficava próximo. As pessoas que passavam na calçada diminuíam o passo e miravam o morto. Apenas as coroas de flores ainda sorriam.
Da rua entrou uma velha. Estranha a todos. Vira o morto e aquilo aguçou-lhe no intimo o prazer mórbido de ser solidária na dor. Com olhar de pesar ficou parada em pe, do lado oposto onde estávamos sentados. Ali permaneceu alguns minutos. Velando o defunto alheio. Perguntou:
-- tava de cama ?
-- há dois meses. Disse minha avó secando as lagrimas.
A velha balançou a cabeça como se aceitasse a morte do desconhecido. Resignada. Parecia conhecer aquele tipo de dor.
-- Parou de falar faz quinze dias. Continuou minha avó, confessando-se a estranha.
-- chamei por ele. Dei um papel pra ele escrever alguma coisa. Nada. Soluçava.
A velha desconhecida retirou-se sóbria, como tinha entrado. Aceitava a morte, tinha no rosto cicatrizes da vida, pesadas e profundas, as quais eu nunca tinha visto.
Olhei minha avó velando o companheiro da vida toda, vi uma dor maior do que ela podia carregar. Também me doía a perda mas nada comparável aquele choro.
Ela apertou-me a mão. Olhou-me, com os olhos cansados, e nada disse. Eu sabia do fim do meu prato, sabia do fim daqueles miolos de pão com manteiga. Sabia do fim da minha avó.
Perdia-se quase todo o pão.


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