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Contos-->À Sombra do Jatobá - XVIII - O dominio de Arnaldo sobre Elvi -- 06/10/2003 - 21:13 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – XVIII - O domínio de Arnaldo sobre Elvira.

Numa noite calma, parada, como todas as noites de Ribeira, quando poucos bêbados vagueiam pela cidade e cães vadios coçam suas sarnas e desprezam os gatos que fazem reboliço nas lixeiras, Elvira acordou sobressaltada. Impressionada por um pesadelo, sacudiu o marido que ressonava ao leu lado:

- Arnaldo, Arnaldo, acorde! O nenê! O nenê! – em seguida rompeu num choro nervoso, soluçando e dizendo coisas estranhas – O vento! O vento passou... Foi matando as crianças... Arnaldo, pelo amor de Deus, acorde!

Estremunhado, o dentista abriu os olhos e, percebendo a agitação da mulher, sentou-se rapidamente; tentou acalmá-la, procurando envolvê-la com os braços, mas Elvira continuava a se debater:

- O vento, Arnaldo, foi entrando pelas venezianas... Por baixo das portas, e foi matando os meninos! O nosso nenê, Arnaldo, estava no berço e o vento veio vindo... Eu vi quando balançou o cortinado. Eu gritei, eu gritei, mas ele, não sei... Parece que o vento tinha corpo... É sim, tinha rosto e soprava, soprava nas crianças! Eu vi quando ele encheu as bochechas e começou a soprar no nenê, Arnaldo. No nosso nenê!

- Elvira, calma, não fique assim nervosa! Foi um pesadelo! – Arnaldo conseguiu abraçar a mulher e, carinhosamente lhe dizia – você se impressionou com a passagem da Bíblia da Morte dos Primogênitos. Lembra-se? Padre Jesuíno falou na missa, no domingo. Mas, olha – e pousou a mão no ventre da esposa – o nosso nenê está aqui, bem guardadinho!

Elvira, ainda chorando, juntou-se mais ao marido:

- Eu não quero perder mais esse nenê! Eu não posso perder mais esse nenê...

- Você não vai perder o nenê, Elvira. Trate de se controlar, eu estou aqui, foi só um sonho feio!

Depois, com muita cautela, foi deitando a mulher sobre o travesseiro, enquanto lhe dizia:

- Vamos, deite-se novamente; eu vou lhe buscar um pouco de leite morno com açúcar. Você vai ver como isso vai passar.

- Eu tenho medo de dormir...

- Não, você vai se acalmar e não terá mais sustos. Olha, daqui a pouco o sol vai aparecer. Se você não quiser tornar a dormir, nós vamos ficar conversando. Mas, vamos, fique deitada para relaxar o corpo.

- Eu detesto essa passagem da Bíblia. Eu acho crueldade de mais matar tantas crianças! Sabe o que mais? – com os olhos contraídos de horror, ela considerou – eu não acredito nisso. Eu, que sou apenas uma mulher, não poderia matar nada! Nem um rato! Quanto mais...

Sentado na cama e inclinado sobre a mulher, Arnaldo passava a mão nos seus cabelos crespos, desordenados. Ele via a curva bonita de sua testa, onde gotas de suor se espalharam; enxugou-as com a palma da mão e, sorrindo com carinho, lhe murmurou:

- Não diga bobagens, não pense em bobagens. A Bíblia é cheia de mistérios, cheia de crueldades que a gente não pode mesmo aceitar. Mas deixa isto pra lá – sorria como se falasse com uma criança – nós não precisamos mais ter medo do chicote de Deus! Lembra do que o Padre Jesuíno disse? Nós devemos apenas obedecer a Deus por amor e não por medo.

- Mas por que ele vive procurando essas passagens horríveis, então?

Arnaldo ajeitou-se melhor e, por instantes, procurou encontrar uma resposta que a consolasse, enquanto suas mãos continuavam a acariciar os seus cabelos. Ele também não podia aceitar as barbaridades, aquelas discriminações absurdas, como se toda a humanidade não fosse obra Sua.

O dentista não era filósofo, e usava a religião mais para angariar simpatias e amizades, do que as boas Graças dos Céus. No entanto, compreendia que, para a sua mulher, tão temerosa de perder novamente um filho, como tantos que já havia perdido, o fenômeno, o mal desconhecido que a assaltava e que expulsava do seu corpo os tão sonhados rebentos, era uma verdadeira flagelação, um castigo que ela recebia sem saber porquê, sem encontrar em si, ou nas suas vidas, um pecado que merecesse tamanha punição. Era difícil encontrar uma resposta e, Arnaldo tentou evadir-se:

- Eu acho que Padre Jesuíno encontra-se perdido no meio das aflições e das violências e trata de usar o freio e a recompensa que pode. Ele já viu que do Céu não cai nem chuva, nem maná... O jeito é temer, para não roubar e ser grato por não ser atingido, como tantos!

- Como eu! – e Elvira voltou a se descontrolar. Se eu perder mais esse bichinho, nunca mais vou à igreja, nunca mais quero ver Padre Jesuíno, nem ler a Bíblia...

Assustado com o desabafo da mulher, que ele sabia submissa ao extremo, Arnaldo levantou um pouco a voz, num tom de repreensão:

- Agora você está se excedendo! O Padre, a Igreja, os nossos amigos, não tem nada a haver com os seus insucessos! Eu acho até que se você não tivesse tanto medo de perder os nenês, seria mais fácil conservá-los ai, dentro de você, até o fim da gravidez.

Elvira voltou para ele os olhos avermelhados e chorosos:

- Então a culpa é minha? Só me faltava essa! Só me faltava você me acusar de por fora os seus filhos! – deixando-se dominar pela revolta, virou-se na cama para encarar o marido – eu acho... Eu acho que você está decepcionado, não é? Esta máquina não está funcionando bem, não é? Emperrou! Pronto, emperrou!

O dentista ficou assustado com a explosão, que julgava despropositada.

- Que máquina, Elvira, que é isso?

Sentando-se de ímpeto na cama, ela o atingiu mais ainda:

- É sim, máquina de esposa! Elvira faça isto, faça aquilo, vista-se assim. Olha esse cabelo! Não fale desse jeito! E agora: mantenha o meu filho dentro de você! É isto? É isto?

Os olhos verdes de Arnaldo se arregalaram diante da violência jamais esperada, diante daquele desabafo, naquelas palavras recalcadas. Controlando a ânsia de desabafar também os seus desencantos, com medo de excitar ainda mais os humores da esposa, segurou-a pelos ombros e, fechando os próprios olhos, tentando se apaziguar empurrou-a docemente até deitá-la novamente, enquanto dava à sua bela voz de sino um tom de sussurro:

- Vamos, vamos, Elvira; não fique assim! Não se exalte. Será que um sonho mau vai fazer você brigar com o seu maridinho? Hein? – notando que suas palavra proferidas com dengo, surtiam efeito, ele continuou - nós nunca brigamos, estamos casados há quinze anos, e nunca brigamos. Eu sempre digo isto, lá na igreja, para os meus amigos: minha mulher é perfeita! Nunca me contraria! Nunca!

Olhando bem de perto, dentro dos olhos da já dominada esposa, ele perguntou:

- Quem é o seu marido querido? – sentiu que o corpo tenso de Elvira se relaxava e se afundava no leito, como se repentinamente perdesse as forças, o ânimo, enquanto seus lábios, num muxoxo infantil, repetiam:

- É você, Arnaldo! É você... Estou tão cansada, com tanto sono... Desculpe se eu o acordei assim. Desculpe o que falei. eu sei o que o nenê representa para você!

Beijando a face ainda úmida de lágrimas, ele respondeu:

- Não foi nada. Trate de dormir agora. Ao amanhecer estará bem, você vai ver – tornou a beijá-la e se acomodou em seu canto, como sempre afastado dela, com medo de atingi-la, num movimento brusco, durante o sono.

Lá fora, as casas continuavam a dormir, com as janelas e portas fechadas, como faces sem corpo, coladas umas nas outras e debruçadas nas calçadas. Nem uma aragem nas folhas miúdas das algarobas, dos tamarindeiros frondosos da Ribeira



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