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Contos-->À Sombra do Jatobá - XIX - A vaidade de Ana -- 08/10/2003 - 00:31 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá –XIX – A vaidade de Ana.

No quarto reservado para ela, no fundo do corredor, Ana ressonava tranqüila. Estava há dois meses em casa dos tios e se ambientara; cuidava da casa, atendia a Elvira, fazia as compras e lidava com as empregadas, Odete a cozinheira e Lazinha a arrumadeira. Não perdera o prazer de ouvir “causos” de amor e tragédias e vivia puxando o assunto com as duas caboclas, saboreando o linguajar engraçado e os enredos cheios de mistérios e crendices, sempre aumentados pelas duas.

Tinha saudade do convívio com Miloca, que alem de prima era a sua melhor amiga e, ao mesmo tempo, vontade de lhe exibir os vestidos novos e outros presentes dos tios. Ana dava vazão à sua vaidade, às suas ambições de mocinha. Olhava-se no espelho, modificava os penteados e perdia muito tempo, arrumando sobre a penteadeira os pequenos bibelôs e caixinhas de louça que ia herdando de Elvira. Disfarçadamente, passava rouge nas faces, comprado às escondidas na loja do seu Nagibe, e tinha, agora, um ar sadio, muito “corada”, e por isso elogiada por todos. Possuía uma variedade de fitas coloridas para trançar nos cabelos e as usava de acordo com os vestidos. Mantinha as saias engomadas, os babados das blusas armados, em volta do decote. Acochava a cintura, tornando-a mais fina, a custa de faixas largas e belos laços. O seu mundo particular se embelezara, se enfeitara e ela se alegrava em exibir aos seus a moça bonita e faceira que, em apenas dois meses, se tornara.

Filó encantava-se com a filha; Teobaldo franzia, mais ainda, o cenho; Chico reprovava a sua vaidade – não olhava com bons olhos aquele exagerado interesse da moça em estar sempre embonecada, sempre preocupada em tirar elogios sobre sua pessoa, mas não deixava de reconhecer que ela estava, dia a dia, mais bonita. Aquela espontaneidade, de quase irmãos que os ligava, tinha se transformado em contrariedade e ciúmes por parte dele e menosprezo e picuinha, por parte dela.

- Pra que tanta fita, tanto laço? – ele perguntava exasperado – você parece uma boneca, cheia de babados por fora e estopa por dentro! Toma jeito, Ana! Se oriente!

A criticada, com ares de pouco caso, sacudia os ombros, e respondia:

- Por você e papai eu me acabava aqui na roça, mas consegui sair e não pense que eu volto, Chico. Não pense, mesmo!

- Você leu os meus pensamentos. Tinha certeza que estas besteiras da cidade iam virar a sua cabeça. Mas se cuide, Ana. Se cuide, porque se continuar assim abestada, vai se dar mal comigo.

Chico aproximou-se e a segurou pelo pulso:

- Não pense que sou igual à sua mãe e ao seu pai, que não vêm maldade nos seus jeitos, nestas suas mudanças...

Ana puxou o braço com força:

- Ai, Chico! Está me machucando! E você quer saber? Eu não me importo se você gosta ou não das minhas roupas, do meu jeito – batendo no peito ela afirmou – eu gosto, ouviu, Chico? Eu gosto e pronto!

Levantou o queixo e saiu, petulante, de perto dele.

O rapaz ficou de fato aborrecido e passou a se esquivar de sua presença. Enquanto Ana estivesse visitando os pais, ele mal a cumprimentava e se entregava a um trabalho qualquer da fazenda, longe de casa. Passou a ter raiva de Teobaldo, que recebia a filha com carinho e, pouco a pouco, foi deixando de se importar com suas mudanças, com suas vaidades. Chico se remoia e havia uma preocupação que não lhe saia da mente: se Ana voltaria ou não, depois que Elvira descansasse.

Para ser franco, parecia-lhe que Teobaldo, por ver a alegria da filha e, encantado com o seu desabrochar, conformava-se com a sua ausência e já não discutia o assunto com Filó.

Chico andava pensativo; imaginava a Ana sozinha, rodeada pelos rapazes da cidade, atraindo a todos com a sua beleza, despertando paixões e também se apaixonando por um droga bonitinho qualquer e se casando! O rapaz, dia a dia, se tornava mais enfarruscado, mais arredio.

Ana, em seu quarto de dormir, ressonava tranqüila, sem saber que, na fazenda, Chico não conciliava o sono e limitava-se a pensar nela, temer por ela e curtir saudades. Chico vinha sonhando com ela, e no sonho ela lhe aparecia linda, toda enfeitada como andava ultimamente, mas o seu sorriso já não era mais o sorriso fácil de criança. Ana sorria para ele e ficava a fixá-lo com os olhos zombeteiros, e seu rosto ia adquirindo uma expressão má; a boca bonita exibia os dentes brilhantes, mas, de repente, retorcia um pouco os cantos dos lábios para baixo e o sorriso se transformava num esgar frio. Os olhos continuavam a brilhar, como dois pontos de luz que não piscavam; não se desviavam dos seus. Esta máscara de maldade e escárnio tomava conta do seu sonho e o sufocava. Chico se debatia, se revolvia no leito e acordava angustiado, com uma impressão ruim, como se Ana estivesse perdida para sempre.

Pulava da cama, ia lavar o rosto, caminhava sem fazer ruído até a cozinha, tomava um copo de leite ou fazia um café que sorvia aos poucos, tentando afastar aquela agonia que o martirizava.

Num dia em que ia fazer compras, a caminho da cidade, ia remoendo pensamentos, imaginando violências e até raptos. Depois sorria das suas próprias criancices e sentia-se profundamente infeliz, sem forças nem razões para agir, para conseguir levar Ana de volta.

Terminadas as andanças pelas casas comerciais, resolveu dar um pulo até a igreja e procurar o Padre Jesuíno. Conversaria com ele, sondaria o comportamento de Ana na igreja, nas reuniões que freqüentava com os tios.

Padre Jesuíno o recebeu efusivamente, mas, notando que o rapaz se mantinha sério, meio inibido, convidou-o para caminhar um pouco. Queria tirá-lo do ambiente constrangedor da igreja, onde ele, Jesuíno, se destacava como padre e não simplesmente como um amigo. Os dois desceram os degraus do fundo do prédio, passaram pela gruta de Nossa Senhora, onde umas dezenas de velas ardiam e recendiam; chegaram à rua.

Com o cair da tarde, a cidade estava em paz. Algumas poucas nuvens se acumulavam, num colorido meio tristonho, sobre a serra azulada. Uma brisa suave balançava as folhas das árvores e refrescava os afogueados moradores da Ribeira do Curú.

Os dois amigos se puseram a caminhar, lado a lado, lentamente. Chico, sem encontrar palavras para iniciar o seu desabafo, arrependia-se por ter tomado a iniciativa de buscar conselhos do padre.

Jesuíno procurou ajudá-lo e, com a franqueza que o caracterizava, o enfrentou:

- Chico, eu sei porque você veio me ver.

O rapaz olhou-o admirado e, notando certa malícia no olhar do padre, sorriu envergonhado:

- É, deve saber mesmo... Está na cara, não é, padre? Só ela não vê... E se vê, pior ainda, porque se faz de desentendida: e judia de mim – tornou a procurar os olhos de Jesuíno e não encontrou mais a malícia neles e sim compaixão – olha, padre, eu não queria que Ana viesse para a cidade e, pensando bem, eu nem sabia por quê. Agora eu sei e não posso fazer nada para ela voltar.

O amigo padre procurou não interromper o seu desabafo, mas apenas aliviar a sua tensão:

- Ela está sendo útil aos tios, Chico. Está se sentindo responsável, e isto me parece muito bom!

- É, mas está descobrindo outras coisas, também. Descobriu que se enfeitando toda pode ficar mais bonita, que os homens gostam de vê-la e, o pior de tudo, é que gosta de ser admirada – olhou firme para o padre e prestando atenção nas suas reações, perguntou: O senhor já reparou nisto?

Padre Jesuíno procurou disfarçar o impacto que sentiu com a pergunta. Baixou um pouco a cabeça, como se estivesse observando a calçada, mas, com naturalidade, respondeu:

- De fato, Ana está na idade de se encontrar com as próprias modificações; ela se torna moça e sabe que se torna mais bonita. Não há maldade nisso! E mesmo essa vaidade, como você fala, faz parte da adolescência. As adolescentes acham que ser bonita é o que mais importa! Quanto a casamentos e paixões – o padre sorriu – a preocupação está em você, Chico, que a vê com os olhos do coração.

O rapaz tornou-se rubro, mas conseguiu retrucar, apesar da ansiedade:

- Então o senhor acha que estou exagerando? Que é bobagem minha pensar que ela pode se apaixonar e...

- E esquecer você? – padre Jesuíno parou de caminhar e, virando-se para o moço, afirmou: Somente você, que convive com ela, notou as transformações e se encantou. Para os outros rapazes ela é mais uma jovem bonita, no meio de tantas a serem escolhidas.

Voltando a caminhar, o padre bateu nas costas do rapaz que o superava muito em tamanho:

- Todas passam por essa idade, por esta onda de vaidades e exibições. Não se preocupe, logo ela vai se cansar, vai se saturar com a trabalheira que deve dar para manter-se sempre enfeitada e vai voltar.

Chegou a vez de Chico sorrir, meio aliviado:

- É mesmo, padre. Engomar aqueles babados todos, não deve ser brincadeira, não! Que bobagem, hein?

- Não, bobagem, não! – replicou Jesuíno com convicção – é uma questão natural da idade: os rapazes exibem os músculos; as mocinhas os encantos.

Ainda trocaram outros comentários, até terminarem a volta do quarteirão, atrás da igreja. Jesuíno se despediu do amigo, enviando abraços à Filó e Teobaldo.

Chico voltou para casa com o coração mais calmo.
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