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Contos-->À Sombra do Jatobá - XX - A carta de Ana -- 09/10/2003 - 00:30 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – XX – A carta de Ana

Odete entrou espavorida no consultório do patrão. Ana havia mandado chamá-lo, porque Da. Elvira está passando mal.

Arnaldo ouviu assustado a má notícia. Ajudado pela empregada, fechou o consultório e saíram os dois, quase correndo pela calçada . Odete, gorducha, de pernas curtas e cheias de varizes, mal acompanhava os passos rápidos do dentista.

- Já chamaram o Dr Januário? – perguntou esbaforido.

- Sim, ele já está lá, mas parece que não tem jeito, não! Ela está que é só sangue – foi a resposta crua.

Arnaldo sentiu um estremecimento. O Destino iria, novamente, arrancar-lhe mais um filho, destroçar novamente seus sonhos, suas esperanças. Quantas vezes Elvira passara por este horror? Já havia perdido as contas. Na maioria das vezes, ela os perdia logo no início da gravidez, no segundo ou terceiro mês e o aborto fazia-se naturalmente, sem grandes sustos, mas, este, no fim do quinto mês? Arnaldo apressou o passo, deixando Odete para trás. Precisava falar dom Dr. Januário; quem sabe se... “Meu Deus! Que ela não perca mais este! Por piedade! Que ela não perca mais este!”.

O seu coração batia como um doido, martelava em suas têmporas. Não via o chão, não via o caminho, atravessou as ruas, percorreu os quarteirões, sem sentir. Pensava em Elvira a se retorcer em dores e a esperar, ansiosamente, por ele. Nestes momentos de tantas angústias, percebia o quanto amava a esposa. Queria filhos, sim, mas temia, mesmo, era perder Elvira. Se Dr. Januário não conseguisse estancar a hemorragia? Se o coração de Elvira, cansado de tantos insucessos, não agüentasse mais esse? O médico os havia avisado que tantas gestações interrompidas desgastavam o corpo e os nervos da mulher. Mas, desesperados para completar a família, eles haviam tentado tantas e tantas vezes. “Esta será a última, Elvira, eu lhe prometo... Não me deixe! Pelo amor de Deus, não me deixe!”. Implorava mentalmente.

Ao chegar em casa, ficou horrorizado com a balburdia. Da. Rosa, a visinha, corria de um lado para outro, atendendo as ordens do Dr Januário. Até Matilde, a empregada do médico, estava lá e saia do quarto, carregando toalhas embebidas de sangue.

- Não entre agora, Dr Arnaldo! – ela gritou.- Dr Januário está tirando a criança! Não entre agora!

Arnaldo sentiu o sangue fugir-lhe, as pernas ficarem bambas, a vista escurecer. Deixou-se cair numa poltrona e ficou, em suspense, ouvindo os ruídos do quarto. Depois de um tempo, que lhe pareceu interminável, Dr. Januário surgiu na sala. Trazia o avental rubro como de um açougueiro. Ao dar com Arnaldo, foi tirando aquela peça de roupa imunda e, enquanto a entregava para Matilde, foi dizendo:

- Sinto muito, Arnaldo... Era um menino...

- E... Elvira? – gaguejou ansioso o marido.

- Agüentou firme. Está passando bem, mas vai precisar de muito repouso. Ela ficará boa; fique sossegado. Dei-lhe uma injeção para que durma. Pode ir vê-la, mas procure não comovê-la mais ainda.

Arnaldo se encaminhou para a porta, mas uma onda de soluços veio a assaltá-lo e sacudir-lhe o corpo. Entrou para o banheiro, e deixou que o choro desesperado o aliviasse. Lavou o rosto e foi ao encontro da mulher que, muito pálida, estava adormecida.

Ana, assustada com a cena violenta que presenciara, e com os gritos lancinantes da tia, havia se trancado no quarto. No seu esconderijo ela se mantinha descontrolada, junto à porta, tampando os ouvidos para não escutar os movimentos da casa, imaginava cenas dantescas e ansiava por estar junto de sua mãe.

À tardinha, acompanhado por Delfina e Padre Jesuíno, Arnaldo foi enterrar seu filho. Num diminuto caixão azul, que ele levara nos braços. Enterrou, entre lágrimas, a sua última esperança de ser pai. Padre Jesuíno, em sentida prece, devolveu ao Senhor, um de seus anjos.

Os olhos tristes de Delfina juntaram a lembrança de Elvira à figura arrasada de Arnaldo. Acostumada a lutar contra forças vivas, sentia-se impotente, incapaz de um gesto de carinho, uma palavra de consolo; apenas sua presença, calada e sofrida, dava conta do seu empenho em participar de um momento tão trágico.

Os três vultos, escuros e contritos, destacavam-se do fundo violeta do céu. Entre as campas e cruzes do cemitério, eram a imagem do sofrimento e da solidão.

Elvira e Arnaldo choraram muito e Ana vagava entre os dois, procurando consolá-los. Uma recuperação lenta da tia prendeu-a ao seu lado. Elvira se apegava mais e mais à sua companhia.

Filó desejava ter a filha de volta, mas não encontrava o momento adequado para falar à sua irmã. Sempre lamurienta e infeliz, Elvira envolvia a sobrinha em seus problemas.

Numa conversa com Teobaldo, Arnaldo disse-lhe da sua vontade de levar Elvira e Ana a Recife. O final do ano estava aí. Seria uma oportunidade, de desde já, ir distraindo a mulher com os preparativos para a viagem. Ana exultou! Viajar! Ir até Recife! Fazer compras numa capital! Tomar banhos de mar!

Teobaldo não teve coragem de discordar, mas autorizou a viagem da filha com enorme preocupação.

A sua alegria e entusiasmo contagiaram Elvira. Passaram as duas a tecer planos, a percorrer as lojas da cidade, e a encomendar de Nagibe as fazendas, sapatos e bolsas que iriam usar na viagem. Os restos comprariam na Capital Pernambucana.

Os lindos olhos de Elvira tornaram a sorrir, a vasculhar revistas e escolher modelos para ela e para a sobrinha, Nestes preparativos o tempo passou rápido e, no dia marcado, lá seguiram os três para Recife.

Os passeios, as andanças pela cidade, e os banhos de mar na praia de Boa Viagem devolveram as cores à Elvira. Agora havia mais intimidade entre Ana e os tios. Arnaldo orgulhava-se de sua companhia e, freqüentemente, punha o braço em seu ombro, enquanto, de braço dado à Elvira, ajudava-as a atravessar ruas ou a caminhar nos passeios da movimentada cidade. Subiram e desceram as ladeiras de Olinda. Visitaram lugares pitorescos, admiraram a infinidade de coqueiros que tanto enfeitam as praias e os recantos pernambucanos. Estavam sempre dispostos a provar novos pratos, a conhecer bons restaurantes.

Ao voltar para Ribeira do Curú, traçaram novos planos, nos quais Ana se envolvia. Com mil pretextos, já que Elvira estava bem, conseguia permissão para ficar mais uns tempos na cidade. Iria terminar os estudos e, enquanto isso, trabalharia à tarde no consultório do tio.

Elvira prometia dar mais atenção à vida paroquial e até se propunha a dar aulas de órgão para algumas moças da igreja.

Ela e Arnaldo não pensariam mais em filhos, não se exporiam mais a decepções, sustos e tristezas. Eles se bastariam.

Mas não se bastaram. O medo de engravidar tornou Elvira arredia. Fugia das carícias do marido, e arranjava pretextos, como pequenos males, para mantê-lo à distância.

Depois do almoço, Ana seguia com Arnaldo para o gabinete dentário. Aprendeu a atender os clientes, a ajudar o tio em seu trabalho e tornou-se meticulosa ao lavar e esterilizar os pequenos instrumentos.

Das idas e vindas do consultório, na intimidade do gabinete, no roçar das mãos, da aproximação dos corpos sobre o cliente, do cruzamento dos olhares, surgiu o esperado: assédios, negaças, carícias, fugas, atrasos propositados em fechar o consultório. E numa tarde, lá na fazenda Esperança, Delfina recebeu, levada por Donato, o próprio da farmácia, a seguinte carta:

”Tia Delfina.

Estou lhe escrevendo desesperada. Acho que escrever é mais fácil do que lhe contar pessoalmente a minha situação. Não tenho coragem de falar com mais ninguém, porque tenho vergonha. Eu gostaria de me meter no mato e sumir, mas tenho medo. Tenho medo de tudo, até de tirar a criança, como tio Arnaldo quer. Ele me levou a uma parteira, mas eu fugi e fiquei andando pela cidade. Disse para ele que tinha tirado. Agora não sei o que fazer da vida.

Estou trabalhando, ainda, no consultório, para tia Elvira não desconfiar, mas não agüento mais ver a cara dele.

Acho que estou doente, porque tenho muito enjôo e tontura.

Só a senhora pode dar um jeito na minha vida.

Sua sobrinha afeiçoada,

Ana.”

Foi aí, neste momento de desespero e vergonha de Ana, que Delfina tornou a agir a seu modo. Ciente da sujeira do cunhado, partiu como uma fera para a cidade e foi buscar a sobrinha no consultório.

Encontrou-a abatida, sentada junto à pequena mesa da sala de espera. Com a entrada da tia, seus olhos esbugalharam e, de imediato, inclinou a cabeça entre os braços e começou a chorar. Delfina disse-lhe, apenas:

- Entre no carro e espere por mim.

Ficou vendo a sobrinha sair da sala e, então, invadiu o gabinete e enfrentou o dentista que, por sorte, encontrava-se sozinho.

Um tapa explodiu na face de Arnaldo. Seus olhos se estatelaram no rosto convulso de Delfina. Novo tapa atingiu-o na outra face, fazendo-o perder o equilíbrio e cair sobre a cadeira, enquanto escutava a voz seca, cheia de ira, a ameaçá-lo:

- Por mim, por minhas irmãs, por Ana, cão sujo! Fuja de se encontrar comigo e, se você magoar mais, de leve, a Elvira, eu o mato! Não tenha dúvida, Arnaldo, eu o mato! – e tornou a esbofeteá-lo.

Esfregando o rosto com as mãos trêmulas, ele a viu retirar-se e bater a porta. Suas pernas não conseguiram erguê-lo, seu ventre tremia como geléia. Passou a língua nos lábios frouxos, enquanto endireitava os cabelos.

- Desgraçada! – murmurou – desgraçada!

Levantou-se com dificuldade e, tirando o guarda-pó branco, vestiu o paletó e ajeito a gravata. Ao passar pela sala de espera, respirou aliviado, por vê-la vazia. Ainda meio zonzo, dirigiu-se para a saída. Elvira! Precisava ver Elvira! Os tapas ainda ardiam na face lisa. Trancou a porta da casa que lhe servia de consultório, e caminhou apressado pela estreita calçada. Atravessou a praça respirando fundo, procurando se recompor. Ouviu o sino da igreja badalar seis horas e consultou o seu relógio. Tinha tempo de um bom banho, antes do jantar e, assim, readquirir a calma.

Mais dois quarteirões e chegou ao portão de sua residência. Elvira tocava piano. A paz o invadiu e concluiu que Delfina e Ana haviam voltado para a fazenda, sem falar com ela. Aparentando calma, empurrou o portão e entrou.

Ao tomar conhecimento da presença do marido na saleta de entrada, Elvira interrompeu o estudo e veio recebê-lo.

- Ana não veio com você? – perguntou.

- Não, Delfina foi buscá-la. Parece que há alguma coisa com Filó... – arriscou ele.

- Mas não avisaram! – replicou, apreensiva.

- Com certeza não quiseram preocupar você... Não deve ser nada de sério, se não elas teriam dito. Logo saberemos o que houve. Eu quero tomar o meu banho; teremos reunião hoje e você irá comigo. Todas as senhoras irão também.

Juntos caminharam para o quarto e Arnaldo começou se preparar para o banho, enquanto Elvira abria o guarda-roupa e escolhia um terno para ele e o vestido que usaria.

Depois do jantar, e já prontos para sair, a campainha do portão tocou. Com medo de se defrontar novamente com Delfina, Arnaldo voltou para o quarto, dizendo:

- Atenda você. Vou buscar minha carteira – dobrando o corredor, parou e ficou à escuta. Dai ha pouco ouviu Elvira dizer;

- Era o Joaquim. Filó teve um problema de pressão alta, mas já está passando bem. Ana vai ficar lá por uns tempos, cuidando da mãe – depois, quando os dois já saiam da casa, ela lhe perguntou:

- Você poderá me levar lá, amanhã cedinho? Estou tão preocupada...

- Sim, Elvira, sim... – respondeu com impaciência e, logo para mudar o assunto, passou a recriminá-la:

- Você não devia ter posto este vestido de mangas curtas!

- Ora, Arnaldo, as outras senhoras também vão assim. E eu sinto tanto calor...

- Eu ponho camisa, paletó e gravata e não morro por isso! Além do mais, eu não gosto do seu cabelo solto, eu já lhe disse!

- Você quer que eu volte? – foi a pergunta temerosa.

- Não, não; já estamos atrasados, mas lembre-se da próxima vez



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