Deitada em sua cama a olhar pela janela, e entre tantas coisas que podia ver o que mais lhe chamou a atenção foi uma folha entre milhares de outras que balançava ao vento, em movimentos ora suaves, ora agitados. Num instante mágico, talvez numa projeção de si mesma, deu vida à folha e ao vento, como se eles saltassem de uma fábula ou de um conto de fadas.
O vento chegou sem avisar. A folha, pega de surpresa, sucumbia sem questionar. Parecia uma dança na qual ela foi levada por um dançarino que todo seguro de si. Sim, ela foi pega de surpresa, mas aceitou, porque na verdade ela queria mesmo dançar. Ele, o vento, a conduzia se deliciando com a sua reação. Ora carinhoso e suave, ora a fazia rodopiar deixando-a tontinha, tontinha.
Enquanto isso a observadora parecia estar em transe com essa dança. Percebeu uma ressonância, dançava por dentro. Viajou no tempo e recordou-se de momentos em que também, assim como a folha, se deixou conduzir numa dança. Lembrou-se dos ventos que surgiram em sua vida. Lembrou-se das músicas que embalaram essas danças, o que a fez levantar-se e ir até o armário onde sabia iria encontrar uma caixa antiga com fitas cassetes que há muito tempo não ouvia. Colocou algumas músicas para tocar: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Joe Cocker, João Bosco e tantos outros, e uma avalanche de lembranças começou a despencar, uma após a outra. É como se passasse na sua frente um filme, em flashes rápidos dos amores em sua vida.
Lembrou-se do vento que chegou de mansinho numa certa noite fria de inverno, com um olhar amoroso e as mãos quentes a segurarem na sua. Ela bem que tentou evitar, afinal eram amigos e parceiros, mas por fim, o beijo selou de vez aquele momento. Numa outra noite ele tocando violão e cantando para ela, meio desafinado, mas lindo de morrer. Ela não resistiu.
Lembrou-se de outro vento que quieto, tímido e gentil foi chegando, chegando numa noite de verão. Antes, só haviam trocado olhares. Naquela noite, trocaram muito mais, trocaram beijos, trocaram silêncio. A chuva forte na janela embalou aquela dança. Ela se apaixonou.
Lembrou-se da noite em que um outro vento chegou fulminante. Bastou uma troca de olhares e pronto, ela dançava por dentro como nunca antes. Eles dançaram muito, mas naquela noite não houve beijo, embora ela sentisse como se já tivesse sido por ele beijada antes. No dia em que de fato aconteceu percebeu nitidamente que já conhecia aquele caminho. Ele sabia como ninguém o que dizer para agrada-la. Que papo bom e que grande sedutor ele era.
Numa certa noite, num baile, um outro vento, meio homem, meio moleque a conduziu literalmente pelo salão. Que delícia! Dançaram de tudo sem se preocuparem se estavam ou não dançando conforme os protocolos, mas estavam no ritmo, no ritmo deles. Ele tinha um sorriso encantador, um papo muito agradável, inteligente. O beijo? Veio dias depois. Ela se encantou.
Lembrou-se dos amores platônicos da infância, da adolescência e até da vida adulta. Não, ela não teve muitos amores, nunca se preocupou com isso, afinal, quantidade nunca foi importante, mesmo porque em seus sonhos sempre buscou o verdadeiro amor, e foi verdadeira. Acreditou em alguns momentos ter encontrado, mas a vida se encarregou de mostrar-lhe que não.
Naquele momento, ouvindo aquelas velhas fitas cassetes, sentiu saudade, carinho e gratidão por todos eles, por todos os ventos que passaram em sua vida. Ela nem pensou nos momentos ruins, porque cada um a fez dançar de um jeito diferente, a fez crescer, a fez buscar o amor, a fez despertar. Aqueles que a magoaram, ela já havia perdoado há muito tempo.
Chorou muito, como se estivesse limpando de vez o coração, mas não era um choro de tristeza e sim de gratidão pela vida que generosa sempre lhe mostrara o caminho que deveria trilhar.
Hoje, no seu coração, um espaço enorme, limpo, à espera do próximo vento, que quem sabe a faça dançar definitivamente, porque tem certeza que sabe amar.