Recebi uma sugestão de um leitor amigo. Ou seria um amigo leitor? "Que tal falar sobre os produtos descartáveis em geral? Existem embalagens engraçadas, um mundo inesgotável. Sem falar que tudo hoje parece ser fabricado para não durar muito".
É mesmo! Nos anos oitenta, quando vivi intensamente minha metrópole antes da mudança para o interior, as coisas eram bem diferentes. A embalagem não era mais importante do que o produto. Hoje é! Tem algo, em específico, que deve, obrigatoriamente, ser devidamente embalado antes de sua utilização. É fundamental.
Uma jogada de marketing esperta vende qualquer coisa.
Produtos e pessoas! Nosso carnaval, como exemplo, nada mais é do que um desfile incessante de invólucros saudáveis e belos, Ã s vezes recondicionados. A personalidade famosa de hoje é o ilustre desconhecido de amanhã. Os relacionamentos já não duram mais como antes. O mundo está ficando cada vez mais descartável. Produtos e pessoas!
A vida vem sendo banalizada. De tanto vermos o pior, nos acostumamos com ele. Em um programa de TV, um helicóptero caça vítimas de qualquer espécie de acidentes para filmar. Urubu em alerta!
No campo das coisas, a mania do momento é a garrafa PET, polietileno tereftalato. Que nome maravilhoso. Tão, tão, tão, como posso dizer?... Liricamente científico!
Tem um rio nesta cidade que é verde, tamanho o número de garrafas PET boiando. O terror dos ambientalistas.
Quando compro meu refrigerante de R$ 0,80 sabor abacaxi tropical, dois litros de pura anilina, percebo que é humanamente impossível tentar segurar esta tal PET com uma só mão, sem causar o maior estrago. Ela entorta toda e derrama o líquido. Já perceberam? Ou é falta de coordenação motora de minha parte?
A geladeira de casa, a Mafalda, não gosta muito desta tal de PET. Ela não cabe em lugar algum. Quando cabe, fica lá, toda torta. Por falar nela, preciso consertá-la. A luz está piscando, uma verdadeira boate frigorífica. Tenho de tomar coragem também e limpá-la de vez em quando. Ela é o retrato do descaso: um pote de manteiga, uma lata de azeite que não sei se era para estar lá, um pacote de salsichas, um litro de leite integral desnatado longa vida e um leite condensado também longa vida. Este troço doce longa vida está lá há tanto tempo que já deve ser a reencarnação dele.
Nada incomum para um solteiro mimado pelos pais até os trinta anos de idade. Por falar em leite, tenho uma crise existencial a cada nova compra de supermercado.
Leite de todos os gêneros: integral, desnatado, light, com ferro... Não é tudo leite de vaca? Compro o mais barato, seja o que for.
Alguém está lembrado do slogan "A primeira impressão é a que fica?" Era de um desodorante, senão me engano. A frase está atualíssima. Não vendem mais produtos, vendem aparências. E as aparências enganam, e como!
No Natal comprei um mini panetone por R$ 2,00. A embalagem era linda e enorme, nada mini. Dentro, porém, aquele pedaço de massa minguado coberto por papel laminado caríssimo, recheado com duas frutas cristalizadas uma verde e a outra, amarelo canário e uma uva passa mais passa do que nunca. Fiquei com cara de quem abre um presente esperando um relógio suiço e ganha uma meia. Furada!
Só um minuto que o Genival, meu computador, está chamando. O que foi? Estou dando muita atenção para a Mafalda? A Internet vai sair do ar? Está bem... A Mafalda é uma geladeira velha e enferrujada, modelo anos 60, não sei como durou tanto, com defeito na porta, abre e não fecha, sempre vazia e com luz estroboscópica. Ficou bom assim? Este ser virtual está, a cada dia, mais temperamental. Parece até gente!
Na Internet pessoas são coisas, meras @s. Já entraram em uma sala de bate papo? Como é que você éééééé? Sempre tenho um e noventa de altura, louro, olhos azuis, atlético, doze anos de academia. Para esclarecimento dos leitores, não tenho nada dos padrões estabelecidos pela mídia. Para eu ficar magro faltam uns vinte quilos a mais, cabelos grisalhos, barba de bode, uma coisa esquisita. Esporte? Somente badmington, depois que eu descobrir "o que é". E não é que tem gente que acredita. Até o telefonema eu vou, tenho voz de locutor! Não passo daí. Não sou doido.
Mesmo porque, nada virtual foi feito para durar. Lá, dentro dos Genivais, somos um simples nick name, só isto.
A correria do dia a dia das grandes cidades torna tudo ainda mais descartável.
Acho que é por esta e por outras que dou nome aos objetos à minha volta. Na falta de gente, convivo e faço amizade com coisas.
Até que... Tomando um café, sentado à mesa de um bar no centro da cidade, focalizo um bebê de carne e osso. Um ano de idade no máximo. Ele ainda não entende nada da Éguinha Pocotó. Abriu um sorriso escancarado em minha direção com os olhos faiscando de tanta vitalidade e alegria de existir. Descubro, nesta fração de segundo...Que tenho, ainda, esperança no mundo.
Preciso jogar fora aquele leite condensado longa vida!
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Silvio Alvarez (silvioalvarez@terra.com.br) é assessor de imprensa da banda rock pop Yslauss, artista plástico de colagem e colunista.
Os textos de Silvio normalmente (na vida real) são ilustrados pelo artista Bruno César (panx@uol.com.br) |
