Na tranquilidade do retorno sem pressa percebe-se o cotidiano. E lá estava eu no banco alto, aquele que fica encima da roda traseira do ónibus, voltando para casa depois da noturna aula. Frio de 9 graus, mas a atenção que esquenta o cérebro é a mesma que distrai os olhos. E desce a senhora carregada de sacolas no primeiro ponto. Antes de a porta se fechar por inteiro a última rajada ventosa me sacaneia sem dó.
Na sinaleira os motoristas, mesmo solitários em seus carros velozes, parecem ter muita pressa. Mal colori o verde para as buzinas poluírem ainda mais o espaço. E com a cabeça grudada no vidro do ónibus, provocando uma espécie de coceira nos ouvidos pela trepidação do motor, vejo as pessoas se prostituírem na esquina onde o vento e a sobrevivência fazem a curva. E que curvas. Mas mantenho tenência - como sugere um Pereira - e chega meu ponto.
A freada do motorista faz esticar os nervos do meu braço. Frios, doem tanto que a mão quase deixa escapar o ferro de segurança física e status. Quebrar padrões é bom, mas sem exageros. E encarangados descemos todos nós, passageiros em nosso destino, recepcionados pela rajada que chegou antes de a porta se abrir completamente. Descer as escadas e pular na calçada, um rima e outro sorri. De mãos dadas o casal caminha, eu com as minhas no bolso cantarolo enquanto observo. Não sigo os seus passos, tenho o meu objetivo. Casa quente e amada molhada, um pão e um beijo. Belezas transmuta do cotidiano.