Usina de Letras
Usina de Letras
74 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62241 )

Cartas ( 21334)

Contos (13265)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10369)

Erótico (13570)

Frases (50639)

Humor (20031)

Infantil (5439)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140811)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6195)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->À Sombra do Jatobá - XXII - A ira de Teobaldo -- 15/10/2003 - 01:21 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

À Sombra do Jatobá –XXII – A ira de Teobaldo

Ana e Filó estavam assim abraçadas quando Delfina e Miloca surgiram na porta e, por momentos, ficaram fitando aquelas duas infelizes sem ter o que dizer.

Quebrando o silêncio, Delfina resolveu:

- Eu vou levar vocês e falo com Teobaldo.

- Eu não quero ir... – murmurou Ana.

Tomando tempo para pensar, Delfina tornou a falar:

- Está bem. É melhor assim. Vou preparar o espírito de seu pai. – E dirigindo-se para a filha, pediu - Miloca, ajeite Ana no antigo quarto de Filó e tome cuidado para não acordar a mamãe; ela não deve saber o que está acontecendo.

- Ana, minha filha – falou Filó, meio indecisa – não fique preocupada... Nós falaremos com seu pai e, amanhã, seu pai e eu viremos buscar você. Não pense bobagens, não tenha medo... Tudo vai dar certo, você vai ver.

Sempre tomando as iniciativas, Delfina caminhou para a escada da varanda, fazendo com que a irmã se decidisse a largar a filha.

No carro, já a caminho. Filó tornou a se recriminar:

- Eu não ouvi você, eu só pensava na coitada da Elvira... e agora... e agora...

- Agora, você vai esquecer tudo o que eu disse. Não importa mais. Vamos pensar como agir, daqui para frente. É preciso calma, Filó, e muito carinho, muita segurança por parte de nós, adultos.

- E Teobaldo, Delfina? E Teobaldo? Que horror!

-Eu falarei com ele – depois, como se raciocinasse em voz alta, ela continuou – ser pai, na hora em que tudo está bem, tudo azul, é fácil; mas na hora em que os filhos erram, e precisam de um apoio, para enfrentar a vida e o mundo... Daí sim, daí é que o verdadeiro pai se mostra. E Teobaldo não vai falhar, tenho a certeza. Não vai falhar...

Miloca abrigou Ana, como a mãe havia decidido, no antigo quarto de Filó e, enquanto tentava consolá-la, não podia deixar de analisá-la, como a um verdadeiro fenômeno, como se lhe fosse dado assistir a uma verdadeira metamorfose. Ali, abatida e envergonhada, estava uma ex-crisálida que surgira das profundezas da terra e, estonteada pela claridade, entregara-se ao primeiro vôo. Abrindo as asas, alçara vôo, um medroso e reprimido vôo. Dera-se mal, é verdade, mas voara como a mais comezinha das fêmeas; sentira-se pronta e se entregara, atendendo ao chamado do macho e do próprio corpo. Estonteada ou não, tateando ou não, seguira o impulso da Natureza, tão amesquinhada, tão deturpada pelo homem.

Sem analisar os próprios sentimentos, Miloca via, na prima, alguém que rompera as barreiras do certo, do proibido. Um ano mais nova, com apenas dezesseis anos, Ana já sabia da realidade, e estava ali, guardando sua experiência, purgando o seu pecado. Trêmula, sem coragem de enfrentar o pai e o Chico.

Teve vontade de afagar a prima, como quem agrada um animalzinho prenhe e, depois, abrigá-la num cantinho, reservado, para que gestasse a sua cria em paz.

Mas a vida não é assim; o preconceito, a dignidade, a honra, cobram dos mais fracos as sua ofensas, os seus deslizes, como se fosse dado, a todos, o mesmo equilíbrio, o mesmo estofo.

Miloca relutou a emprestar uma de suas camisolas a Ana, como se o pecado houvesse entranhado no corpo da jovem e pudesse contaminá-la.

- Eu durmo assim mesmo, como estou – disse-lhe Ana, também com pejo de ofender as roupas íntimas da prima.

- Não, que bobagem! Quantas vezes nós trocamos nossas roupas? Você precisa descansar bem, ficar bem à vontade, para tirar um bom sono.

- É que agora... Eu estou diferente...Eu me sinto diferente.

- Como diferente, Ana?

- É que agora eu me sinto suja – e recomeçou a chorar.

Miloca abraçou-a e a fez sentar junto dela, na cama.

- Ana, nós sempre fomos amigas e nunca tivemos segredos, uma para a outra, não é verdade? – ficou esperando que a prima afirmasse com a cabeça – você fez muito bem em chamar a mamãe e ficar aqui em casa. Vamos esperar que tudo se acalme – não encontrando palavras de conforto, concluiu – você verá como tudo vai se resolver, tudo vai dar certo. Não chore mais, não fique assim.

Mas o pranto de Ana tomou mais força, cheio de soluços. Sem saber como consolá-la, Miloca abraçou-se com ela e chorou também.

...x...

Quando o sol surgia, quando a passarada, em algazarra já se empenhava no cata-cata diário, quando as portas de Ribeira do Curú se abriam e despejavam seus estudantes rumo às escolas, seus trabalhadores, seus pais de família, um tiro espocado e único se fez ouvir.

Uma bala atingiu Arnaldo no peito. Um furo redondo e pequeno marcou, no paletó branco a sua passagem.

Os olhos esgazeados mostravam o espanto; as mãos sobrepostas no ferimento tentavam estancar a vida,

Teobaldo, parado no portão da casa, tendo ainda o braço estendido em pontaria, esperava a imobilidade do concunhado.

À certa distância, os passantes e os vizinhos começaram a se agrupar, atoleimados.

Elvira, de roupão, surgiu apavorada e recebeu o marido nos braços, tombando com ele sobre o ladrilho da varanda. Ao sentí-lo imóvel, foi sacudida por gritos e soluços.

Teobaldo girou nos calcanhares e, empunhando ainda o revolver, dirigiu-se em passos lentos á delegacia. Tendo os olhos baços, a face sem expressão, os braços junto ao corpo, ele subiu os poucos degraus da casa quadrada e amarela; parando em frente da escrivaninha do delegado, depositou a arma sobre o móvel.

...x...

Novamente Donato, o próprio da farmácia do Ludu, foi o portador da péssima notícia para os moradores da fazenda Esperança: Teobaldo havia atirado no concunhado! Estava uma grande confusão na cidade. Já tinham levado Arnaldo para o hospital. Teobaldo havia se entregado na delegacia. Que Dona Delfina corresse, porque Dona Elvira estava louquinha, desesperada. A casa dela fervia de gente.

Delfina sentiu o sangue fugir-lhe. O corpo ficou pesado, as pernas bambas. Deu-lhe vontade de voltar para a cama, meter a cabeça debaixo do travesseiro, e só se levantar quando terminasse o pesadelo.

Ao entrar na casa, deu com Ana apoiada na porta da varanda. A moça sacudia a cabeça, em movimento de negação, como se recusasse a crer no que havia escutado, enquanto seus lábios murmuravam:

- Meu pai! Meu pai! Meu pai! – de repente, sua voz foi se elevando e ela começou a gritar, descontrolada.

Miloca segurou-a firme pelos ombros e lhe afirmava:

- Ana! Ana! Mamãe vai lá! Ela tomará conta de tudo! Se acalme!

“Mamãe tomará conta de tudo...” Delfina viu-se de volta a Recife, parada no meio da rua, olhando, aparvalhada, para o marido estendido, estrebuchando no chão. E o sol brilhava, como todos os dias, os carros passavam, os ônibus, as pessoas iam para os seus compromissos, no dia mais comum da vida. Roberto morrendo, estendido no chão... Ouviu ainda as suas últimas palavras: “Vamos atravessar; agora podemos passar.” Haviam dado alguns passos, quando um ciclista apressado deu-lhe um encontrão e derrubou-o de costas. A queda, o choque do pescoço no aguçado meio-fio, o estalo de coisa partida, os movimentos convulsos do corpo... Depois a inércia, o silêncio. A confusão das pessoas, o atropelo; umas, querendo levantá-lo, outras gritando: “Morreu! Morreu!”. E ela parada, sem acreditar no inesperado, sem se por dentro da situação absurda em que se encontrava.

Agora, parada no corredor de sua casa, ouvia Miloca dizer à Ana: “Mamãe vai tomar conta de tudo! Se acalme!”

Delfina era a tomadiera de conta de toda a família. Dela todos esperavam a força, o apoio, as resoluções, e que não falhasse. Um cansaço imenso, acumulado de toda a sua vida, caiu-lhe em seus ombros naquele momento. Vontade de sair perambulando, arrastando os pés, balançando os braços, num movimento lento de andar e ir em frente, sem se importar...

Quem acudir primeiro? Ana? Filó? Elvira? Teobaldo? Ah! Botar as mãos na cabeça e chorar, chorar, chorar.

Sobrepondo-se ao próprio sofrimento e angústia, entrou para o quarto, e foi tratar de se vestir, apressadamente, Iria ver Filó e de lá partiria para buscar Elvira. Pensando na irmã caçula, uma onda de calor a eletrizou. Elvira precisava dela porque, tinha a certeza, deveria estar desvairada.

Deixando Ana aos cuidados de Miloca, Delfina se dirigiu para a fazenda de Filó. Encontrou-a nervosa, preocupada com o marido:

- Ele saiu de madrugada, Delfina, sem que nós soubéssemos; saiu sem fazer barulho. Chico procurou-o por toda a fazenda e voltou assustado, e agora diz que vai atrás dele na cidade!

Os olhos de Filó falavam de sua angústia:

- Ontem, depois que você foi embora, Teobaldo não me disse uma palavra; ficou sentado lá na varanda e não contou para o Chico o que aconteceu com Ana. Eu também não tive coragem... Quando chamei Teobaldo para dormir, ele me disse que ia ficar mais um pouco lá fora, que eu cuidasse de Tonino. Custei a dormir; escutava, de vez em quando, os passos de Teobaldo. Acordei de madrugada e ele já não estava. Meu coração disparou. Que havemos de fazer, Delfina? Onde andará Teobaldo?

- Filó – principiou Delfina com calma – eu recebi um recado da cidade.

- De Teobaldo?

- Não, não de Teobaldo, mas ele está bem – parou de falar, pensou um pouco e pediu – chame o Chico, quero falar com vocês dois.

Filó atendeu o pedido da irmã e logo Chico entrou. Vinha botando uma camisa limpa para dentro das calças. Arrumava-se para sair. Trazia a fisionomia preocupada:

- Notícias de Teobaldo, tia?

- Sim, notícias de Teobaldo; não se preocupe com a saúde dele; ele está bem, mas... Atirou em Arnaldo.

Filó e Chico se olharam; havia desespero na expressão da mulher e espanto nos olhos do rapaz. Filó foi ficando atordoada e teria caído, se Chico não a amparasse e a fizesse sentar, ao mesmo tempo que gritava para Delfina:

- Atirou no Arnaldo? Mas por que? O que houve com Ana?

Delfina, que atendia à irmã, olhou-o, séria:

- Ele a violentou! Eu recebi uma carta da Ana e fui buscá-la no consultório. Dei uns tapas em Arnaldo e trouxe Ana para casa.

- Já sei! Já sei! – falava o rapaz, bravo e impaciente – e veio, e contou somente ao Teobaldo, e o bobão aqui ficou fora do assunto! Dormindo, completamente idiota, enquanto o irmão se desesperava, tramava sozinho a sua vingança! Vocês são duas loucas! Vejam só o que fizeram!- a raiva de Chico foi crescendo e ele começou a acusar Filó... Não deixou que Ana fosse para lá? Não a entregou nas mãos daquele canalha? Teobaldo não queria... Eu lhe pedi tantas vezes... E agora? E agora? Miséria!

Meio alucinado, Chico saiu correndo e, sem escutar os chamados de Delfina, montou em seu cavalo e partiu, feito um louco, para a cidade.

Delfina voltou a atenção para Filó, conseguindo fazer com que tomasse um calmante e se deitasse, enquanto dizia-lhe, com carinho:

- Reze, Filó; Deus há de nos ajudar, É preciso que você tenha confiança Nele. Reze, minha irmã. Todos nós precisamos da suas orações. Vou buscar Sinhá, para cuidar de você.

Nem bem Delfina saiu para a varanda, Sinhá já vinha subindo, com seu andar firme, movimentando rapidamente as pernas, compridas e secas.

- Sinhá! Foi Deus quem lhe mandou! Eu ia buscar você para cuidar de Filó!

- Eu fiquei sabendo do Teobaldo agorinha mesmo. Jandira chegou da cidade com a notícia. Diz que na casa da Elvira, está um mundaréu de gente. Que foi que deu no Teobaldo, para perder a cabeça desse jeito?

- Foi Ana – olhando para a expressão pasmada da velha, Delfina arrematou – Isso mesmo que você está pensando.

Sinhá fechou a fisionomia e falou, acusadora:

- Eu sabia que aquele santo do pau oco não prestava, mesmo! Que ia se aproveitar da menina... Olha só que desgraceira! – sacudindo a cabeça, como negando a tragédia, a rendeira foi entrando na casa, enquanto Delfina, descendo apressada a escada, ia dizendo:

- Cuide dela, Sinhá; eu vou mandar o Januário chegar aqui. Cuide bem dela.





Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui