Usina de Letras
Usina de Letras
85 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62240 )

Cartas ( 21334)

Contos (13265)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10368)

Erótico (13570)

Frases (50639)

Humor (20031)

Infantil (5436)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140810)

Redação (3307)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6194)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->À Sombra do Jatobá XXIII - A revolta de Elvira -- 24/10/2003 - 18:57 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – XXIII – A reação de Elvira

Em seu carro, rumando para a cidade, Delfina tomou nova resolução: iria primeiro à delegacia falar com Teobaldo. Seria difícil fazê-lo, depois que estivesse ocupada com Elvira. Filó aguardava notícias do marido e, com a pressão alta, era mais uma preocupação a atormentá-la. Oh, mundo cão destrambelhado!

Com toda a cantoria, com toda a exibição de retidão e piedade, Arnaldo tinha conseguido transformar a vida da família num pandemônio. Pela primeira vez, Delfina pensou no cunhado. Teria morrido? Como estaria? Uma onda de ódio invadiu o seu sangue. Miserável! A submeter Elvira aos seus escrúpulos, seus preconceitos. Há muito Delfina só visitava a irmã nas horas em que o cunhado estava ausente, quando não havia possibilidade de encontrá-lo, para livrar-se da gana de pegá-lo pelo pescoço e acabar com aquela prosopopéia de santarrão.

Guiava com a impressão de que tinha a cabeça metida num saco preto e que só lhe restava sair dando marradas neste mundo de loucuras.

Em casa, havia deixado Miloca às voltas com Ana, com as ordens de não permitir que os desmandos da família chegassem aos ouvidos de Dalva. Mal se sustentando com a terrível asma, que a deixava prostrada, a mãe via-se, de repente, isolada e quase posta de lado pela balbúrdia que assolava a fazenda. A minha santa – pensava Delfina – não suportaria tanto desgosto.

Ao chegar a delegacia, Delfina pediu licença ao delegado, Gervásio, para ver Teobaldo.

A cadeia ficava na parte de trás do prédio; depois de atravessar o pátio cheio de mangueiras, ela sentiu um nó no estômago ao entrar no edifício, velho e mal cuidado.

A cela de Teobaldo era a última do corredor. À medida que caminhava, Delfina ia tomando conhecimento do péssimo estado da prisão; em celas tacanhas, os presos pareciam bichos enjaulados. Ao ouvirem seus passos, aproximavam-se das grades e ficavam a olhá-la; uns, encabulados, outros, acintosamente, a medi-la dos pés à cabeça.

Em todo este trajeto, ia se acentuando o cheiro de urina e excrementos e lá, num ponto insuportável, enfrente da privada imunda, estava a cela de Teobaldo. Sentado num tripé, o fazendeiro se mantinha imóvel e cabisbaixo. Ao notar a presença da cunhada, ergueu-se e aproximou-se. Trazia a face pálida, os olhos tristonhos, mas fitou-a com firmeza.

Depois de segundos de silêncio, que lhes pareciam intransponíveis, Delfina falou:

- Eu não devia ter deixado você e Filó sozinhos, ontem à noite; devia ter ficado lá, conversando mais... Você me pareceu tão calmo!

Sem desviar os olhos do rosto preocupado de Delfina, Teobaldo afirmou:

- Desde o momento em que vocês me contaram da sujeira daquele canalha, eu já o havia condenado. Não adiantava nada você ficar. Não se culpe.

Controlando a emoção, Delfina levantou a cabeça e percorreu com o olhar o teto, as frinchas das paredes, a estreita janela, suspensa lá no alto, e reparou também no chão imundo. A inhaca da sentina misturava-se à de bolor e sarro da cela, fazendo-a engulhar. Abanando a cabeça, voltou a falar:

- Não se preocupe com Filó e os meninos. Eu cuido deles. Ana vai ficar comigo na fazenda. Você quer que eu traga o padre Jesuíno?

- É bom – respondeu Teobaldo, simplesmente.

- Vou também lhe mandar sua rede e mudas de roupa. Agüenta firme o tranco; todos nós dependemos do seu ânimo. Vou arranjar-lhe um advogado.

- Não preciso – respondeu sério e meio emburrado – Eu matei e pronto. Não vou disfarçar, nem pedir perdão!

- Trate de arrefecer a raiva. Pense na Filó e sua família.

Delfina enfrentava, com energia, os olhos secos de Teobaldo. Notava-lhe o queixo enrijecido, o nariz afilado, sua face descorada pela emoção.

- Estou aqui para dar-lhe o meu apoio. Eu sempre o admirei e quero que saiba disto.

- Obrigado.

Sensibilizada, ela tocou-lhe com duas batidinhas secas a sua mão crispada que envolvia a grade de ferro e, depois, virou-lhe as costas e saiu sem dizer adeus. A comoção trancou-lhe a voz na garganta.

A situação de Teobaldo naquela imundice de cela abateu profundamente Delfina. Acostumado ao ar livre, aos galopes pelos campos, a expansão de seus sentimentos através dos vigorosos e sonoros aboios, o cunhado pareceu-lhe um enorme gavião engaiolado. Sentindo-se feliz no seio da família e com os pequenos bens que o cercavam, o fazendeiro, limpo de corpo e alma, curtiria desespero na prisão. Delfina o conhecia bem e sofria por ele.

Ao chegar na casa de Elvira, era com esforço que respirava. Garras de ansiedade e aflição apertavam-lhe o peito. Que dizer à irmã? Como lhe falar de Ana? Conseguiria levá-la para a fazenda e defrontá-la com a sobrinha? Haveria possibilidade de conviverem sob o mesmo teto? Os pensamentos embaralhavam-se e voltava o ímpeto de fugir, de descolar dos lábios a imensa taça de amargura que a vida se tornara.

Os vizinhos e até estranhos lotavam a casa de Elvira. Prostrada em sua cama, sua irmã parecia não tomar conhecimento da multidão de curiosos que a fitava, com olhos espantados. “Aves de rapina! Urubus!” – classificou-os mentalmente Delfina. Tratou de maneirosamente, afastá-los a todos, levando-os até o portão e trancando-o à chave. Depois, decididamente, voltou para junto de Elvira. Era preciso convencê-la de deixar a casa, mudar uns tempos para a fazenda e submeter-se aos seus cuidados.

Elvira mantinha os olhos fechados, perdidos em duas depressões arroxeadas. Os lábios, em curva de choro, tremiam, enquanto as mãos machucavam as fitas do seu roupão, a enrola-las e desenrola-las, em movimentos nervosos. Mesmo na tragédia, Elvira mantinha-se infantil.

Ao perceber a presença de Delfina, começou a se lastimar:

- Você viu o que ele me fez? Escutei as pessoas falando da Ana e a sem-vergonhice dos dois, no consultório – soluços sacudiam o seu corpo – foi no que deu! Teobaldo se vingou e eu agora estou viúva! O que será de mim? Me diga, Delfina. O que será de mim?

Para completar a cena de auto comiseração, sem aquilatar o desastre que atingira a família toda, enfiou o rosto no travesseiro e entregou-se ao desespero.

Delfina teve, ímpeto de sacudi-la, de berrar-lhe que fora o seu egoísmo o causador de tamanho desmando. Contendo a raiva, que a histeria da irmã lhe despertava, falou-lhe, com energia:

- Elvira, venha comigo, assim como está. Vou apanhar algumas roupas suas e trancar a casa. Depois mandarei buscar o que for preciso. Vamos, levante-se daí e venha comigo. Anda!

Lentamente, molemente, Elvira obedeceu. Sempre se lastimando, sentindo-se traída e humilhada, não se dava conta da situação do marido nem da de Teobaldo. Ela era a viúva e sofredora.

Enquanto Delfina socava roupas da irmã dentro da mala, esta, numa atitude insana, começou a juntar as peças do enxoval dos seus tão esperados nenéns, numa grande sacola. Colocava-as com cuidado, e chorava sem parar, a murmurar revoltas e desconsolos. Vendo-a assim perdida, completamente desarvorada, Delfina aquilatou o quanto a tragédia a havia atingido. A preocupação em levá-la para a fazenda e enfrentá-la com Ana se desvaneceu. Elvira necessitava dos seus cuidados, tanto quanto a sobrinha.

Aos poucos cairia na realidade e compreenderia as aflições de Ana. Eram as duas vítimas de uma resolução insensata. Que se apoiassem ou se digladiassem, lá, debaixo do seu teto.

Ao chegarem na fazenda, uma cena terrível se armou. Ao encontrar Ana no interior da casa, Elvira ficou possessa; perdeu o ar de desvalida e avançou para a sobrinha, sem que alguém tivesse tempo de detê-la. Segurou-a pelas tranças e gritava:

- Desgraçada! Desgraçada! Eu quero que você morra!

Delfina, ajudada por Miloca, tentava subjugar a irmã, enquanto Ana defendia-se, contorcendo o rosto na dor dos puxões nos seus cabelos; depois, com dificuldade, conseguiu se desvencilhar e refugiou-se em seu quarto. Lá ficou, apavorada, escutando os berros e impropérios de Elvira.

Lá na cozinha, as cunhãs comentavam:

- Dona Elvira tá lesinha, lesinha!







Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui