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Contos-->À Sombra do Jatobá -XXVII - As palavras de Sinhá -- 03/11/2003 - 22:50 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – XXVII – Palavras de Sinhá

À medida que o tempo passava, e se aproximava a hora de Ana “descansar”, Delfina ia tendo mais e mais preocupações com as suas duas protegidas. Chico e Filó viviam implorando para que Ana voltasse para casa e tivesse o filho junto deles, mas ela recusava a atendê-los.

Teobaldo, com a diminuição da gravidade do crime, pela recuperação de Arnaldo e bem conceituado pelo delegado, trabalhava, com afinco na organização da delegacia, mantendo intocável o lugar de respeito que sempre ocupara junto à comunidade. Agora já se interessava pelo destino de sua filha, e era grato pelo equilíbrio de Delfina, que os mantivera juntos “na mesma panela”, como ela dizia – “Vamos desdar este angu!”. E de fato, aos poucos, os ânimos foram se acalmando, as idéias se aclarando e o horizonte já se delineava, Agora ele aguardava, ansioso, a chegada de Chico e Filó e as notícias de casa, principalmente da filha.

Naquele momento em que Delfina consolava Elvira, e ao mesmo tempo pensava em Ana, que havia deixado chorando em seu quarto, Sinhá subia os degraus da casa da fazenda e vinha, como sempre, buscar notícias. Delfina recebeu-a com alegria e pediu-lhe que fosse, imediatamente, ao encontro de Ana.

- Graça a Deus você chegou, Sinhá; vá distrair a menina, enquanto eu preparo um chá para as duas, que se desentenderam.

Lá foi Sinhá arrastando as chinelas, pelo longo corredor. Cansada da caminhada do seu sítio à fazenda, com os pés doloridos e sujos de poeira, a rendeira chegou no quarto de Ana e jogou-se numa cadeira, fingindo não notar a alteração no rosto da moça. Levou um bom tempo enxugando o suor do rosto, depois refez o coque dos seus longos cabelos grisalhos, enquanto esperava que Ana se recompusesse e viesse, mais calma, falar com ela.

Ana sentia prazer em suas visitas, pois não havia reprovação nos seus olhos nem conselhos em suas palavras. Sinhá contava coisas, dizia-lhe das pessoas, fazia com que se identificasse em suas longas histórias. Sinhá aliviava seus dias, trazia-lhe coisas gostosas para comer, coisas com as quais ela se habituara, desde que se conhecia por gente. A rendeira fofocava, também, e sempre com certa malícia, como a lhe dizer que há, nos outros, também fraquezas, também maldades.

A moça suspirou, com tristeza e, dando uma olhada no rosto enrugado, lhe perguntou:

- Sinhá, o que será de mim?

A amiga, por sua vez, olhou-a com firmeza e lhe respondeu:

- Não te amofine! Tu é feliz, porque tem muita gente que te quer bem. A coisa melhor do mundo é saber que tem gente que quer bem à gente! Eu só fui feliz quando conheci o meu Mundico. Olha, Ana, nem comida, nem nada faz tanta falta pra gente do que o querer bem. Eu sei...

Sinhá parou de falar e ficou, por algum tempo, fitando as mãos, procurando um meio de dar o seu “recado”, sem ferir a sensibilidade da amiga. Depois, respirando fundo, começou:

- Quando eu nasci, em Itapipoca, a seca tava braba! Meus pais já tinham doze filhos e me deram, ainda nos panos, para o juiz de São Bento. Fui para o poder dele e da mulher dele e nunca mais vi minha família. Acho que tudo que era cunhã da casa me criou, sabe, como quem trata de mais um bichinho: esta lava, aquela dá papa, a outra faz dormir na rede. Sem trabalho, sabe, mas sem amor...

- Você sofria, Sinhá?

- Não, não conhecia sofrimento, não! Não me deixavam chorar. Eu acho que era pra não aborrecer os outros. Não precisavam de mim, que as cunhãs, lá, eram muitas, e os filhos da casa também. Quando fiquei mocinha, e já pensava, ajudava no que estivesse por perto, sem muita precisão, e isto me entristecia. Queria que alguém precisasse mesmo de mim... Que chamasse por mim, só por mim.

Um dia o Juiz trouxe um moço, que tinha vindo de Santa Quitéria pra uns mandados da família. Sabe, Ana, eu olhei pra ele quando entrou na casa. Tão bonito! Tão sério! O meu coração bateu forte assim no meu peito! E pra encurtar a conversa, quando ele foi se embora, me levava na garupa!

Ante o espanto de Ana, Sinhá parou um pouco o assunto e, depois, como que intrigada, perguntou:

- Sabe, Ana, de uma coisa? Eu acho que nem deram falta de mim. Fugi bem fugido, de trouxa e tudo, sai de mansinho, de madrugada, tremendo de medo e... nem nada! Não me procuraram, não se importaram. Casei porque o Mundico, o meu finado, que Deus o tenha, quis. Mas quando os filhos foram chegando, eu agradava a barriga, passava o calor das minhas mãos para eles, e ficava louca para ver a carinha deles e beijar. E foram muitos! Mas eu dizia pra cada um: Tu é importante! Tu veio porque eu quis. Tu ia fazer falta se não viesse! – É, foram também oito filhos “importantes”. Tá tudo ai no mundo, lambendo as crias, como eu e o Mundico lambemos eles.

Lentamente foi arrematando a conversa, e se despediu, para aproveitar a carona de Miloca, que sempre, por gentileza, arranjava algo de sério para fazer na cidade ou na casa de Filó e aproveitava para deixar Sinhá em seu ranchinho.

Sinhá saiu e Ana levou as mãos à barriga, passou-as suavemente, como se descobrisse que alguém, ”importante”, precisava do seu calor.

Ficou durante muito tempo acariciando o ventre. Pela primeira vez, tentava dar forma ao seu filho, procurava a sua posição; colocava delicadamente a mão no lado esquerdo, onde uma protuberância se formava, como inflada por pequenos pontapés. Sentiu o movimento interior, imaginou os pezinhos a se debaterem; imaginou os bracinhos dobrados junto ao peito; a curva forçada da frágil espinha e, pela primeira vez, encheu-se de ternura. As palavras simples de Sinhá repercutiam, ainda: “Alguém que precisasse de mim... Que chamasse por mim...” O bebê chamava por ela, nutria-se dela, e seria importante em sua vida. Na escuridão de seus dias, nos oito meses em que se debatera contra a situação em que se encontrava, a amiga rendeira abrira uma ampla janela: Alguém, de muita importância estava para chegar e ela renasceria com ele. Padre Jesuíno tinha razão! – Ana sentia o coração descontrolado – No amor ao filho estaria a remissão dos seus pecados! Tia Delfina e Miloca sempre estiveram certas: que importam os outros? A criança importava: “Ela é nossa, Ana, de nossa família, e nós a queremos!”

As lágrimas de alegria e comoção passaram a correr pelo seu rosto, e ela permitiu que corressem livremente, pois, naquele momento, exatamente naquele momento, ela recebia o filho. A casa em silêncio, o dia se pondo, e ela se enriquecendo de vida e de amor.

Vagarosamente, como a não querer despertar do encantamento a que se entregara, ela se ergueu e caminhou até seu armário, de onde tirou uma pequena mala e, colocando-a sobre sua cama, deixou-a aberta e foi, calmamente, retirando seus vestidos do guarda-roupa e dobrando-os com cuidado Pouca coisa bastaria, depois Miloca levaria o resto, mas ela queria, ainda aquela noite, estar com sua mãe e contar-lhe tudo de bom que brotara em seu peito. Elas enterrariam, juntas, a Ana criança , inconseqüente, revoltada e, juntas, veriam brotar a Ana-mãe, gratificada pelo ser que gerava e engrandecida pela responsabilidade que assumia. Com imensa alegria, Delfina atendeu ao seu pedido e levou-a para sua casa.

- Ana, como você está bonita! Como você está linda, minha filha! – foi como Filó a recebeu.

Ana sorria, beijava a mãe, agradava Tonino e tornava a esfregar o rosto reluzente de alegria de Filó.

- Eu voltei, mamãe. Seu neto vai nascer aqui, junto da senhora!

Filó deixou que se desatasse o nó em sua garganta e falou:

- Amanhã bem cedo vou ver seu pai. Vou contar estas coisas que você me disse e ele vai ficar feliz, por saber que a família está toda junta, novamente, esperando por ele.

Delfina providenciou para que pusessem as malas para dentro e ouviu as exclamações quando o berço surgiu, nos braços de Chico, que explodia de alegria.




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