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Artigos-->Olhos Sangrentos - 6 -- 06/07/2002 - 01:45 (Adriana Falqueto Lemos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A tarde se acostumava com o calor cadente que tomava conta de si. Turrieh estava sentado na poltrona da sala de chá, e se sentia virtuosamente vitorioso com a vitória sobre o petulante Edgard.



A porta da entrada se abriu barulhenta, vizinho, disposto perfeitamente na sala de chá, Turrieh sabia que era o irmão e que este seria abordado por uma criada, como já era esperado.

Algum tempo depois, a porta da sala onde ele estava foi aberta, a pouca luz da casa entrou ali, se misturando com as velas que nunca cediam e eram trocadas freqüentemente. Os olhos de Turrieh se fixaram nos de seu irmão, a vitória sobre ele, sobre aquelas palavras tão duras, estava por se concretizar. O sono de Edgard se faria tolice e ele fugiria com sua amada para bem longe dali, do preconceito da nobreza e de suas línguas afiadas. O que Turrieh não sabia era que essa vitória em Edgard era definitiva.

Edgard se sentou em frente do irmão e olhou-o nos olhos. Sentiu um cheiro de morte, mas era apenas parte de sua imaginação frágil. Então ambos ouviram as batidas na porta.

- Pode entrar. -Disse Edgard, tomando conta da situação.

A copeira veio trazendo uma bandeja, ela tomou cuidado para não olhar no rosto de Turrieh, as mágoas antigas não haviam deixado ambos... A chaleira de porcelana estava acompanhada de duas xícaras de chá, o conjunto era delicado e sutil, com alguns desenhos pintados a mão. A copeira fez uma cortês reverência e saiu, deixando-os a sós enquanto fechava a porta.

Turrieh olhava o irmão incessantemente, depois de algum tempo respirou fundo e disse finalmente:

- ...E então...

- ...Quer que eu o sirva, Turrieh? -Edgard segurou na chaleira, pousando-a delicadamente sobre a própria xícara.

- Por favor,... -Ele tocou levemente o nariz, sentindo-o coçar. De fato não sabia se era nervosismo ou se era frio o bastante para aquilo e não admitia.

- ...Claro... -E Edgard o fez, repetindo o processo depois de se erguer um pouco.

- Trabalha muito não é mesmo... -Turrieh tocou um dedo no outro, brincando um pouco.

- De fato. Estive nas estrebarias observando a tosa das lãs... Esse inverno o lucro promete vigorar nossas reservas. O trigo e a soja por hora continuam sob influência das chuvas.

- ...Certamente. -Turrieh não sabia o que dizer, o conhecimento de Edgard era impressionante e bem maior do que o que ele tivera, mesmo estando ali por anos. Mas não era uma conversa sobre a colheita, ele teria de dar um jeito em colocar o conteúdo do pacote dentro do chá de seu irmão.

- Parece preocupado... -Edgard levou a xícara até os lábios, saboreando. -Hmm... Pêssego.

- ...Não, não estou, é impressão sua. -E então seus olhos azuis puderam perceber o retrato de seu pai atrás de Edgard, a pintura o retratara perfeitamente. Os cabelos grisalhos e alourados dando lugar a uma farta barba no queixo. -Está vendo aquela pintura?

- Qual? -Edgard virou-se e observou o quadro.

- ... -É agora, pensou, tirando o pacote do meio de seu casaco e abrindo-o facilmente. -Ele... Retratou muito bem nosso falecido pai...

- De certo. -Edgard fitou ainda os olhos do pai, se virando logo em seguida. Na sua frente Turrieh estava a saborear seu chá.

- O pêssego aflita em nossas bocas, realmente o sabor se prolonga com o calor da água quente.

- Isso é lógico, irmão... -Ele torceu a boca, provando mais uma vez da sua xícara.

- ...Eu gostaria de tratar de um assunto contigo... -Agora que o pó estava colocado na xícara dele, não havia mais medo de tocar no assunto que tanto desejava, Marrieh.

- Sim? -Ele tomou mais um gole, esperando com a xícara nas mãos.

- Marrieh...

- O que há com ela. -Edgard ficou sério.

- Ela disse esta manhã que me ama e que a tomou a força.

- ...Mas... Como? -Edgard segurou firme na xícara, bebendo mais um gole. -Ela lhe disse isso?

- Ela me disse a verdade. -Disse Turrieh, sentindo a vitória cada vez mais próxima.

- Ela lhe disse isto, o que há com Marrieh... -Edgard se levantou, tomando um último gole e deixando a porcelana sobre a mesinha.

- Deixe que ela fuja comigo, como sempre almejamos. -Turrieh cruzou as pernas, deixando a xícara também sobre a mesa.

- Mas... -Edgard começou a refletir, o que estava havendo com Marrieh... Tudo que ela lhe disse era o contrário, que não gostava de seu irmão e que o amava, a Edgard, que nunca o abandonaria.

- Deixe com que ela vá Edgard. Comigo...

- Mas... Ou ela está a mentir para mim ou para ti. -Edgard queria compreender o que afinal estava acontecendo, mas sua mente parecia não acompanhar.

- Ela sofreu muito em tuas mãos. -Turrieh se levantou, encarando Edgard frente a frente.

- Ela dizia-me que me amava, Turrieh! -Edgard começou a se sentir mal, levou a mão ao estômago, sua garganta começava a queimar.

- Ela estava sofrendo e queria te ver tranqüilo, tu deves ser um carrasco como nosso falecido pai!

- Mas meu pai nunca fora um carrasco! -A dor no estômago se tornava pior a cada respiração que dava.

- Ele era sim, ele tinha amantes aqui em sua própria casa! Que espécie de homem era este!! Não era meu pai! -Depois de anos Turrieh desabafava as mágoas do ocorrido, sentia uma infinita vontade de chorar, mas não cedeu.

- Isto é mentira! Tudo que estás a dizer é falsidade e manchas o nome de nosso pai... -Edgard cedeu, perdendo o equilibro e caindo sobre a cadeira de mau jeito. Respirava fundo agora, o desespero estava tomando conta dele gradativamente.

- E sabes como estás te sentindo? Sono! Marrieh me deu um embrulho em veludo com pó para que dormisse, agora que tomou seu chá, nós dois fugiremos como planejamos...

- Não... -Edgard relaxou na cadeira, perdendo os movimentos e tremendo as mãos... Sentia o sangue do estômago ferver.

- O que? Está com raiva, não? -Turrieh permitiu-se rir, a imagem derrotada do irmão era prazerosa demais...

- Se este embrulho era um veludo de cor azul intenso... Foi o ácido que dei para que ela guardasse... Eu... -De sua boca borbulhava sangue, corroendo os lábios vagarosamente.

- ...Ácido! Isto não é sonífero? -Turrieh correu até o irmão, limpando seus lábios do veneno.

- Eu trataria de um animal adoecido com isto... Deus... Quem é Marrieh... -Edgard sentiu seu corpo sendo consumido de dentro para fora, seu estômago começou a corroer, de fato era um ácido forte para animais de grande porte.

- Não... Não, você não vai morrer, não é mesmo? Só pode estar a brincar... -Turrieh custava a acreditar, mesmo que sangue começasse a inflar os lábios de Edgard, escorrer pelo nariz e pelos ouvidos. Seu irmão começou a ter espasmos terríveis, tossindo fortemente, ofegando, ataques epiléticos. Turrieh segurou-o firme, evitando que se debatesse demais. Lágrimas começaram a brotar de seus olhos, não conseguia entender o que se passara, por que afinal aquilo tudo acontecia... O que era afinal Marrieh, ela sabia disso afinal...?

- Tu estás amaldiçoado... Maldito! -Edgard segurava firme nas roupas do irmão, tremia sem parar, tossindo sangue e sendo devorador por dentro do estômago.

- Não... Não faça isso, por Deus, não... -Turrieh se desesperava, o irmão estava por morrer finalmente em seus braços, parando de tremer gradativamente, conforme os olhos iam se fechando.

Finalmente só havia ali a respiração dele. Olhando nos olhos semi-abertos de Edgard, Turrieh tossiu um pouco, soluçando e chorando como uma criança. A mágoa estava lhe tomando conta do peito, uma dor imensa o perfurou de um lado ao outro e ele não conseguiu sequer se mover. Foi então que sentiu o toque quente de alguém o sentindo, no ombro. Mesmo com medo, Turrieh se virou e fitou. Era Marrieh em seus quinze anos, olhando-o naqueles olhos verdes que mais pareciam uma esmeralda, tão cheia de energia e felicidade. Ela abriu os braços, abraçando o homem que ele agora era, enquanto segurava Edgard. O corpo adolescente de Marrieh o acalentava e deixava-o com a paz que procurava por tantas vezes, e que nem no corpo da Marrieh adulta ele havia encontrado. Mas paz e prazer, o que era sua verdadeira busca? E o que importava? Marrieh em quinze anos parecia tão real quanto seu irmão morto em seus braços, por ele próprio. Envenenara o sangue do próprio sangue, mas a doce e jovem loura o abraçava e confortava como ninguém poderia fazer, nem mesmo a Marrieh tão real. Não tinha mais vontade de chorar, agora se confortava com o passado e o futuro e a visão de um sonho. A pequena Marrieh sorria docemente, e sugava suas lágrimas com doces beijos infantis. Perto dela, Turrieh se sentia na inocência que perdera com as dores e as mágoas, e não mais tinha medo de si mesmo.





O casamento de Marrieh e Turrieh se realizou logo depois da morte da Sra. Treifforthine, meses depois. A mãe de Turrieh não suportou a morte do filho mais velho, entregando-se aos prantos e a morte.



Marrieh se tornou a nova Sra. Treifforthine, herdando os bens de seu falecido marido Edgard Treifforthine. Agora ela se casava com o único herdeiro e senhor de todas as terras produtivas que a nobreza almejava e invejava. Não era mais a prima pobre, sua cobiça a fazia respirar.



O reverendo realizava a cerimônia de casório de Turrieh e Marrieh. Ela ainda estava vestida de negro, mas mesmo em luto não deu espaço a fofocas da nobreza, vestiu-se de noiva. Seus cabelos louros e longos estavam presos petulantemente no alto da cabeça. Ao seu lado, Turrieh visualizava a doce Marrieh de quinze anos correndo pela sala da casa, a cerimônia era simples.

Seu sorriso cálido abrandou no rosto, Marrieh sorria e acenava para ele, chamando-o para brincar um pouco, mas Marrieh adulta o tinha vestido para a cerimônia, ela o segurava para que não saísse mais uma vez falando consigo próprio e brincando com as luzes.

- Fique quieto... Não fique parecendo um louco... -Marrieh disse amargamente, segurando-o firme e arranhando com as unhas longas.

- ... Sim, minha amada... -Turrieh sorriu, sentindo os olhos marejarem de tristeza. Marrieh de quinze anos o chamava tanto e ele não podia se divertir com ela... Eram raras as vezes nas quais ela aparecia-lhe e lhe dava algum sorriso na vida.

- ...Maldito... -Disse Marrieh muito baixo, o reverendo terminava a cerimônia sacra, e ela puxou Turrieh até si, dando-lhe um beijo e selando o compromisso. Os criados da casa e os poucos convidados foram comedidos em comemorações naquele momento, a estranheza do casal estava os chocando.

Marrieh continuou segurando a mão de Turrieh, quase o arrastando para falar com os convidados e dar-lhes boa noite. Já beirava meia noite e as pessoas estavam um pouco entediadas pela falta de simpatia do Sr. Treifforthine, sempre aéreo e disperso, fitando o nada e sorrindo.



Marrieh queria muito ter uma criança, e depois de um ano sem sucesso ela não sabia o que esperar mais... Turrieh era disperso e lhe dava poucas atenções. Um dia, porém ela lhe deu uma taça de seu sangue para que saboreasse e dormisse ao seu lado. Se ficasse grávida, esta nova alma seria de seu protetor...



- Turrieh? -Marrieh acordou no dia seguinte, olhando a cama vazia. Turrieh olhava a paisagem pela janela.

- ... Sim...? -Ele estava disperso, observando Marrieh o chamando lá fora. Assim que acordou a viu lá no pasto, sobre um cavalo.

- Estou grávida... Eu sinto, eu sonhei... -Marrieh se arrastou pela cama preguiçosamente. -O que estás a olhar lá fora?

- Nada...

- Ouviu-me falar que estou grávida? -Marrieh se levantou da cama, mas Turrieh logo foi se vestir, vestido as calças e as botas.

- Eu irei lá fora olhar as ovelhas, tudo bem? Estarei aqui de volta em alguns momentos... -Turrieh saiu pela porta indo encontrar a pequena no pasto, queria conversar um pouco com ela e ficar tranqüilo. Marrieh, de camisola larga e transparente, sentia o sol lhe aquecer. Não entendia o que havia acontecido, mas mal sabia ela que depois de mais de um ano de contato com a pequena Marrieh, Turrieh havia se decidido em fugir ao seu lado... A visão o corrompera.

Nunca mais ela o veria depois que este passou pela porta.



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