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Artigos-->Olhos Sangrentos - 9 -- 06/07/2002 - 01:51 (Adriana Falqueto Lemos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Valderesse sentia frio, a cidade cobrava-lhe o uso de um agasalho, mas conforme foi se aproximando do Memorial, nas colinas, o vento foi tomando cada vez mais rispidez. Precisava segurar firme nos braços, cruzando-os, para que não tremesse tanto. Sr. Ádague vestia um capote mais, e parecia não se importar com a temperatura. Saíram do cavalo, e ele pagou o coche para que retornasse até a cidade. Ela apenas sentia o vento teimar em desmanchar seus cabelos presos, e faze-la perder um pouco dos sentidos na face. Bertran pegou as malas e imediatamente Valderesse foi até ele, segura-las e conduzi-las até a varanda, na porta da casa.

O cocheiro ia saindo com a carruagem quando a porta foi aberta por Anne, que voltava do quarto de seu amo. Olhou ambos, e pediu que entrassem.

- Por favor, Lady Treifforthine está nos aposentos, irei chamá-la. -Disse ela com um sorriso fraco. Valderesse segurou uma mala com toda a força, afinal eram pesadas, esperando que o pai entrasse. O Sr. Ádague fez o mesmo, e entrou sem olhar para a pequena, que entrou logo atrás. O clima quente foi sentido como um impacto, Valderesse conseguiu soltar os braços, e bateu nas roupas para que deixasse cair alguns flocos de neve que eram trazidos com o vento. Bertran entregou o capote para Anne, e esta foi até a cozinha, deixa-lo num cabide. O Sr. Ádague não se moveu, apenas ficou observando as duas malas grandes e negras. Valderesse não pôde deixar de contemplar a casa, magnífica e trabalhada, embora taciturna. Havia uma escada grande e com tapeçaria vermelha, que conduzia até um corredor suspenso. A sala tinha um piso negro polido, quadros luxuosos por sobre a lareira, que abrigava um sofá de fronte, e cortinas pesadas, carmim, que não deixavam qualquer iluminação penetrar. Era um pouco tarde, mas dentro da casa se sentia a própria escuridão da noite.

Anne retornou até a sala, pegando uma das malas ao lado de Valderesse, que a observava, tímida. A moça se curvou para pegar o objeto, quando sorriu para ela. Valderesse não estava muito acostumada a um ato social como aquele, não obteve o tempo de resposta e se passou por fria.

- Agora que estou vendo, então é uma menininha... -Anne sorriu, percebendo as feições delicadas do rosto da pequena ruiva. E de fato, com uma roupa tão apertada e sóbria, cabelos presos e sem qualquer jóia, poderia se passar por um menino. Aquilo ofendeu Valderesse, que preferiu não responder, assim como o Sr. Ádague. Anne ergueu-se e pegou a outra mala com dificuldade, e seguiu levando as duas. Quem sabe o que a moça pensava agora a respeito de Valderesse Ádague.

- Que bom que está aqui, Sr. Bertran Ádague. -Ambos ouviram, enquanto Marrieh descia as escadas lentamente. Valderesse ficou um pouco hipnotizada pela segurança que ela tinha, o modo tão vivo com que olhava.

- Boa tarde, Sra. Treifforthine. Desculpe qualquer atraso. -Disse Bertran, segurando em sua mão e beijando-a friamente. Ergueu a cabeça, fitando-a com o único olho que ainda lhe servia, enquanto o outro resguardava por debaixo de algumas mechas de cabelos castanhos. O rosto era forte e aquilino, angular, com covas nos maxilares. Devia ter um pouco menos que dois metros de altura, e mantinha um porte seguro em todos aqueles anos.



Os olhos se encontraram na turva e fina névoa que cobria todo o ambiente que restava entre eles. Suas percepções captaram finalmente seus sentidos e, naquele olhar ímpar, cada um conseguiu sentir como se suas pupilas dilatassem expressivamente, num brilho doce e amargo ao mesmo tempo. Hildegard estava escondido no suporte de apoio da escada, no piso superior, suas mãos seguravam nas grades negras e sinuosas, e ele percebia finalmente uma criança em sua casa, Valderesse. Sua curiosidade aguçou seus sentidos, deixando com que ele suplicasse cada vez mais um pouco daquela visão eternecedora. Valderesse o percebeu, devolvendo o olhar cheio de curiosidade, impelida a aguçar ainda mais a percepção e guardar cada detalhe característico daquela forma, embebida em sombras e que sobressaia, de alguma forma, daquele lugar todo sombrio.

Os olhos de Valderesse pareciam se fixar cada vez mais com intensidade até que sua concentração se quebrou: Sr. Ádague estava saindo com Sr. Treifforthine para uma sala particular. A mala estava pesando cada vez mais pelos dedos delicados de criança e ela deixou o objeto pender um pouco, até que fosse tocando chão e se assentando ali. Hildegard ainda a olhava, estava com os olhos imersos em curiosidade, pareciam atrair todo o brilho que ressonava, ainda que bem pouco, por dentro da casa. Ambos não sabiam o que fazer, mas ainda assim sentiam-se levados a tomar alguma atitude. O menino sentia uma estranha no seu território, e mesmo assim ainda não conseguia tomar alguma posição, tira-la dali, ou mesmo perguntar qual o interesse em sua casa. Nunca falava com nenhum estranho, e nem tinha possibilidade, mas ela não era uma simples estranha, era de sua idade... O mais curioso é que sua mãe não havia lhe dito nenhuma instrução de como proceder com a visita, como sempre fazia. Levantou-se e saiu andando para dentro do quarto, de onde pensou realmente, nem mesmo deveria ter saído... O que a mãe iria pensar? Ainda mantinha olhares na estranha, mas logo entrava pelas brumas do corredor e se misturava nelas, desaparecendo no interior da casa. Hildegard se fechou no quarto, deixando a maçaneta deslizar pela mão e a porta estalar fraco de encontro ao batente.

Valderesse prestou atenção os movimentos de Hildegard, mas logo notou que estava só na sala. Seu olho esquerdo começou a latejar um pouco, mas esta sensação resumia-se apenas ao leve movimento de tremor da epiderme, com uma sensação incômoda. Ela levou a mão até o rosto e logo esfregou sobre a pele, tentando fazer parar aquilo, tão irritante. Parou por algum momento, mas logo os nervos teimaram e o movimento retornou. A empregada Anne voltou a sala, observando-a. Não era impressão de Valderesse a sensação de que aquela jovem estava a olhando com curiosidade, talvez desejo. Logo se aproximou, e a pequena criança somente deixou as malas no chão, caminhando duramente até a janela, encoberta pela cortina grossa.

- Quem é aquele menino? -Parecia um atrevimento, a falta de qualquer espécie de som ser maculada por uma fagulha de voz, era com quebrar uma cerimônia sacra, tal era a perfeição da quietude do lugar. Enquanto pegava o peso nas mãos jovens, Anne se virou lentamente, respondendo.

- Hildegard? -As malas eram pesadas, fazendo com que ficasse um pouco curvada.

Valderesse se antecipou em pensar, que se existia alguma espécie de menino na casa, este estranho nome deveria ser o qual pelo que o chamavam. Era lógico e por isso se manteve sem resposta, esperando que a receptora entendesse o raciocínio. Ao notar que a empregada não parecia entende-la, foi fria:

- Se existe um menino nesta casa, acredito que só exista um nome pelo qual possa chamá-lo.

Anne sentiu seu coração palpitar um pouco, tal era a expressividade da entonação e a resposta grossa com que havia se deparado. -Sim, seu nome é Hildegard Treifforthine. -Disse, enquanto começava a caminhar com as malas, dando as costas para a pequena tão rígida.

Valderesse não agradeceu qualquer informação, afinal deveria ser obrigação daquela criada. Não por ser uma criada, mas por trabalhar, ela deveria entender que Valderesse necessitava daquele serviço e que não era de fato importante dizer algo, ainda mesmo porque a empregada já lhe tivera dado as costas antes de pensar em dizer alguma palavra de agradecimento, que seria sincero. Agora o olho doía um pouco, parecia lacrimejar, e foi o que ela sentiu, uma gota de água descendo pelo rosto.



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