Ele entra correndo, vem esfuziante:
- Vovó, vovó! Você não acredita, vovó, você não acredita! Olha, a preá deu dois filhinhos! Dois, vovó! E abre os dedinhos em V. Venha ver, vovó! Mas você tem que andar bem devagarinho porque se não eles se assuntam, entram na manilha e você não vê nada! Devagarinho, vovó!
Desde a porta da cozinha lá vamos nós dois, encolhidinhos, caminhando pé-antepé. O caminho é longo e eu me sinto como aqueles gatos matreiros de desenho animado: curvadinhos, as garras escondidas, os olhos maldosos para surpreender o incauto passarinho.
De vez em quando ele olha para trás para ver se estou mesmo a segui-lo com os devidos cuidados. Eu, sem sair da posição embolada, levo o dedo frente à boca em sinal de silêncio. Por fim chegamos à caieira transformada em casa dos preás. Que maravilha, "inacreditável"! Lá estão as duas bolinhas de pelos alvos como a neve e mamando! Ele leva as mãozinhas à boca para sufocar o riso de alegria e eu o admiro como um dos preázinhos adorados, como sabem ser os netinhos.
Vindo de sua casa, também situada no nosso sítio, vai chegando o José Mauro. Vem com a carinha de sono e caminha lentamente por baixo dos cajueiros. Daniel corre a alcançá-lo, pedindo-lhe que venha em silêncio: "Você não acredita, Mauro, não acredita!" Mauro tenta correr fazendo uma carinha espantada, mas Daniel a segura e lá vão eles, curvadinhos, nas pontas dos pés.
Você, mamãe cansada, preocupada com mil compromissos, mil afazeres; você, papai nervoso com a situação crítica que atravessamos, vocês não acreditam, venham ver! a preá deu dois filhinhos
Vocês médicos, atarefados com seus doentes; vocês doentes, angustiados com seus males; vocês professores, advogados, dentistas, economistas, tabeliões, industriais, operários, artesãos, faxineiros, eletricistas, costureiras, modistas, assalariados ou autónomos, venham ver! A preá deu dois filhinhos!
Vocês, governadores, deputados, senadores, vereadores, juristas, rábulas, escrevinhadores; vocês não acreditam, venham ver! A preá deu dois filhinhos!
Venham de mansinho, com cuidados, venham ver a maravilha que os olhos de meus netos perceberam e me comunicaram cheios de carinho e encantamento: a preá deu dois filhinhos! Duas bolinhas fofas, cabeçudas, de olhinhos rubros.
Que importa o mundo, a guerra no Iraque, a fome, as angústias, as corrupções, os desmandos, as dívidas do País, os desesperos, as aflições? A preá deu dois filhinhos!
Cá neste recanto, neste pedacinho de céu, estão preservadas a paz, a lei natural, a simplicidade, o encantamento, a inocência, a aleria pura, o entusiasmo e a pujança; por que? Porque a preá deu dois filhinhos!
Que Deus ilumine as mentes dirigentes deste mundo, que acalme o coração dos homens, que volte seus olhos para simplicidade, que abale seus sentimentos, que os façam vibrar emocionados, para que possam ver que a preá deu dois filhinhos!
Que Ele faça ressuscitar Martin Luther King e outros grandes americanos, que desative a bomba atómica, que sufoque as armas nucleares, que afaste as cenas dantescas dos olhinhos rubros dos preázinhos. Que desperte nos homem a dignidade, o seu senso de poder abrigar e não ferir, de proteger e não atacar, de amar e não odiar, de enaltecer e não denegrir, de orar e não blasfemar, para que possam perceber, com os corações em festa, que a preá deu dois filhinhos.
Que se curvem todos, que andem de mansinho e, aliviados, com as consciências tranquilas, tenham a suprema graça de se regozijarem com o preá que deu dois filhinhos.
Mande suas críticas e impressões. São muito importantes para mim.
Christina
|
