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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->OS SALTIMBANCOS NO FIM DO MUNDO (selecao MINC-2004) -- 28/07/2005 - 03:19 (Almir Correia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ROTEIRO


OS SALTIMBANCOS
NO FIM DO MUNDO



PRIMEIRO TRATAMENTO



AUTOR
ALMIR CORREIA
Email: almircor@yahoo.com.br

JUNHO/2005

OS SALTIMBANCOS NO FIM DO MUNDO
(premiado no Concurso para Desenvolvimento de Roteiro do Ministério da Cultura - MINC - Edital 7 – dez 2004)
SINOPSE
“Os Saltimbancos no Fim do Mundo” é uma (tragi)comédia de humor negro com situações surreais, oníricas e de nonsense. Há cenas de violência mescladas com outras poéticas e mágicas. “Os Saltimbancos no Fim do Mundo” é um roadmovie que narra a história de estranhos personagens seguindo pelas estradas deste Brasil: Fred (um jovem vestido de dálmata), Clarabela Aquela (um musculoso caminhoneiro que se veste de “drag queen”), o Cangaceiro, Jesus Cristo, Ramiro e Ramires (dois policiais corruptos), Samuel e Santa (um casal de assaltantes de estrada) e Seu Nicolau são os principais personagens desta história.
Entre assaltos, mortes, Sem-Terras, milagres, muitos deles chegarão até “O Fim do Mundo”. Aparentemente um bar de beira de estrada. Entretanto “O Fim do Mundo” é muito mais do que isso. É um bar que vende cachaças mágicas e onde quase tudo pode acontecer. A magia aparece principalmente nas noites de lua cheia. Lá todos se tornam amigos e se divertem junto com as surpresas que aparecem. É lá que Jesus Cristo volta a falar, ressuscitando as crianças assassinadas pelo Cangaceiro a mando de Deus. Lá Cristo também vai tirar a lua cheia do céu, colocando-a pequenininha na mão de um menino. Lá até um morto-vivo aparece para beber uma das centenas de cachaças mágicas. Toda a história se passa em um futuro próximo quando a humanidade é atingida por um trágico e inesperado acontecimento: “quase todos os animais do planeta Terra simplesmente desaparecem misteriosamente”. No Brasil, a situação é ainda mais grave, principalmente para os amantes da carne. Surgem canibais gastronômicos, realizando seus “churrascos canibais”. Todos rezam para Deus trazer os animais de volta. Gaúchos rezam para Deus trazer os bois de volta. Um menino reza por um bife; uma menina reza por uma coxinha de galinha; um velho reza por um frango assado; um padre reza por uma feijoada... Procissões são realizadas para os animais voltarem.
Na televisão, propagandas mostram novas marcas: “Dog Cola”, refrigerante para aqueles que trabalham de cachorro. “Cat Cola” para aqueles que trabalham de gato.
Um dos programas de maior audiência da televisão é: “Comida imaginária”, onde a apresentadora descreve maravilhosos pratos com carne para serem “comidos” com o pensamento e alguns temperos: “Imagine um pedaço suculento de costela. Pegue sal grosso e passe na costela imaginária. Isso passe bastante sal grosso na costela e depois...”
Além de narrar o trajeto dos personagens pelas estradas até chegarem ao bar “O Fim do Mundo”, o filme apresentará notícias no rádio e principalmente na televisão, mostrando o que aconteceu com o mundo e o Brasil depois que quase todos os animais desapareceram da face do planeta.
Em um contexto surrealista, na beira das estradas, entre as cenas envolvendo os personagens, aparecerão televisores ligados para mostrar ao espectador como é esse Brasil do futuro, onde não existe mais carne para se comer. Por exemplo, quando um carro ou caminhão passa pela estrada, ao lado está um televisor ligado mostrando uma reportagem de alguns segundos sobre canibalismo.
O roteiro “Os Saltimbancos no Fim do Mundo” faz referências a vários filmes como “Pulp Fiction”, “Amelie Polain”, “O Chamado”, “Um Drink no Inferno”, Kill Bill entre outros.
E no “Fim do Mundo”, tudo se transforma em uma grande apresentação “feliniana”.
PERSONAGENS
FRED - jovem moreno de mais ou menos 20 anos, vestido com fantasia de cachorro dálmata, trabalhava como animal de estimação na mansão do milionário Genivaldo Marques Moreira. Fred acaba tendo um romance com Mercedes Bens, esposa de seu patrão que aparece morta. Fred é então obrigado a fugir já que as acusações recaem sobre ele. Pelas estradas Fred fica amigo de Clarabela Aquela, um musculoso caminhoneiro que usa peruca e maquiagem estilo “drag queen”. Sempre vestido de dálmata (já que estranhamente sua roupa não sai mais do corpo como se tivesse aderido completamente a ele), Fred foge de carona pelas estradas do Brasil. Junto com o caminhoneiro Clarabela Aquela, Fred terá seu destino totalmente modificado lá no bar “O Fim do Mundo”.
GARFÍDIO – jovem vestido com fantasia de gato que trabalha de gato na casa do milionário Genivaldo Marques Moreira.
MERCEDES BENS – a jovem, bonita, loira, peituda e sedutora esposa do milionário.
GENIVALDO MARQUES MOREIRA – milionário de 60 anos que aparece sempre de chapéu e capote, fumando um charuto cubano.
RAMIRO – policial baixo, trapalhão, desequilibrado e muitas vezes também cruel. Junto com Ramires irá tentar “perseguir” Fred pelas estradas. Ramiro diz que adquiriu um faro de cachorro que não funciona muito bem.
RAMIRES – policial alto e magro, desequilibrado e muitas vezes também cruel. Junto com Ramiro irá tentar “perseguir” Fred pelas estradas.
POLICIAL – assassinado por Ramires.
PALHAÇO – um sujeito triste que perdeu o emprego de palhaço e pegou a mulher com seu melhor amigo. Acaba ficando amigo de Fred.
CRISTO – cabelos longos, barbudo, de camisolão branco e auréola, pede carona pelas estradas. Cristo faz voto de silêncio e somente lá “Fim do Mundo” volta a falar, mostrando um certo descontentamento em relação a Deus.
CLARABELA AQUELA – é um musculoso caminhoneiro com tatuagem nos braços que usa peruca e maquiagem estilo “drag queen”.
CANGACEIRO – usa chapéu e colete de couro de cangaceiro e daí o seu apelido. É um matador, que segue pelas estradas em seu furgão preto onde se lê no pára-lama “Propriedade de Cristo”. Pelas estradas ele vai matando os miseráveis a tiros. Segundo ele: “Deus me pediu pra matar os pobres. Ele e eu não gostamos de ver gente passando fome.”
O Cangaceiro (matador de Deus) dá carona para Jesus Cristo que acaba ressuscitando Santa e Samuel, um casal de assaltantes mortos pelo próprio Cangaceiro em um restaurante de estrada. Cristo ressuscitará também as crianças assassinadas pelo Cangaceiro.
BETO E BETE – casal de assaltantes do restaurante onde Fred e Clarabela estão almoçando.
SAMUEL E SANTA – outro casal de assaltantes (interpretado pelos mesmos atores que fazem Beto e Bete) do restaurante onde o Cangaceiro e Jesus Cristo estão almoçando.
LOIRA -- de macacão vermelho de couro colante – “seqüestrada” pelos policias Ramiro e Ramires (será interpretada pela mesma atriz que fará o papel de Mercedes Bens). Depois de assassinada, transforma-se em loira fantasma fluorescente no encalço de Ramiro e Ramires.
FORRESTE GUMPE BRASILEIRO (aqui pronuncia-se gumpe mesmo e não gamp) -- é um negro que corre pelas estradas tentando bater um recorde mundial.
SEVERINO – nordestino, casado com Madalena.
MADALENA – gaúcha super religiosa, casada com Severino.
SEU NICOLAU -- o dono do bar “O Fim do Mundo”, cabelos longos brancos, barba e bigodes longos e brancos. É Deus disfarçado. Nem mesmo Cristo sabe ou saberá disso. Através dos diálogos a identidade de Deus vai aos poucos sendo revelada por ele mesmo.
GRUPOS DE SEM-TERRAS – assaltam caminhões e carros nas estradas em busca de comida.
LIDER DOS SEM-TERRAS-1 – do grupo que fecha a estrada para o furgão do Cangaceiro e Cristo.
LIDER DOS SEM-TERRAS-2 – do grupo que fecha a estrada para o caminhão de Clarabela Aquela e Fred.
CRIANÇAS ASSASSINADAS PELO CANGACEIRO – todas elas serão ressuscitadas por Cristo lá no bar “O Fim do Mundo”.
ISMAEL – menino negro de 12 anos ressuscitado e que recebe de Cristo a pequena lua de presente.
CAREQUINHA (um dos meninos ressuscitados) - sobe na corda mágica do Flautista.
CACHACINHA (outro dos meninos ressuscitados) - rouba a arma do Cangaceiro para ele não matar mais.
OS OUTROS CAMINHONEIROS COM OS QUAIS FRED PEGOU CARONA.
OS SALTIMBANCOS NO BAR “O FIM DO MUNDO” -- palhaços, acrobatas, malabaristas, engolidores de fogo, anões, gigantes, mulher barbada, gêmeas siamesas, flautista...
CORCUNDA – homem de cartola, vestido de Chacrinha, aparece puxando seu baú mágico. De dentro saem os saltimbancos que irão se apresentar em frente ao bar “Fim do Mundo”. E tudo se transforma em um grande circo mágico ao ar livre.
MORTO-VIVO – morto na estrada, sujo, meio podre. Aparece no “Fim do Mundo”, procurando um lugar para descansar pela eternidade.
PERSONAGENS QUE APARECEM NOS TELEVISORES LIGADOS – Crianças e adultos rezando para os animais voltarem; apresentadores de programas de televisão; locutores de telejornais entre outros.

ROTEIRO
“OS SALTIMBANCOS NO FIM DO MUNDO”
(Prêmio de Pré-roteiro do Ministério da Cultura – 2004 – Edital 7 )

AUTOR: ALMIR CORREIA
Email: almircor@yahoo.com.br

PRIMEIRO TRATAMENTO

Legenda inicial (branca sobre fundo preto) subindo pela tela.

Todas as estradas,
Todos os quilômetros,
Todos os caminhos,
Todos os descaminhos
Levam ao
“Fim do Mundo”.

CENA 1 – EXTERIOR//RUAS E VIELAS/DIA
Fade.
Vários closes do rosto do Fred em “still” (durante uns dez segundos), dando a sensação de que ele está correndo de alguém. (Som de sua respiração ofegante).
Imagem em movimento captada de frente: Fred, vestido com uma fantasia de cachorro dálmata, correndo pelas ruas.
A cada três segundos, Fred olha para trás.
Dois policiais (Ramiro e Ramires) o estão seguindo.
Close de seus coturnos pisando as calçadas).
Fred atravessa na frente de um carro e de outro...
Os policiais em seu encalço.
Fred pula por cima de um carrinho de cachorro quente e já aproveita para pegar um cachorro quente com salsicha verde.
Os policiais fazem o mesmo.
O vendedor de cachorro quente fica xingando com gestos obscenos.
Fred comendo o cachorro quente vira à direita, desce uma viela...
Os dois policiais comendo cachorro-quente seguem em seu encalço.
Fred vira à direita, à esquerda, desce, sobe, vira a esquerda, pula por cima de uma banca de feira, pega uma maçã.
Os policiais fazem o mesmo.
Fred continua correndo e comendo a maçã.
Os policiais continuam em seu encalço e comendo maçã.
Fred sobe um muro e então o muro recebe três tiros.
Fred consegue pular para o outro lado.

RAMIRES
(em off, segurando a arma de Ramiro para ele não mais atirar)
Cara, você tá loco?

RAMIRO
(em off)
Quase acertei o desgraçado!

RAMIRES
(subindo com dificuldade o muro)
Seu idiota! Você já matou quinze, só este mês...
Assim o comandante não vai mais conseguir livrar a sua cara!

RAMIRO
(subindo com dificuldade o muro)
Eu tenho as costas quentes, meu caro!

RAMIRES
(em pé sobre o muro enquanto Ramiro ainda está tentando subir)
Não esqueça que costas quentes podem um dia esfriar.

RAMIRO
(com a ajuda de Ramires, consegue ficar em pé no muro)
Não as minhas! Não as minhas!

RAMIRES
Só não sei por que com tantas costas quentes você continua
sendo ainda um simples policial de merda!

RAMIRO
(agacha-se no muro para pular)
Eu gosto do perigo e de balas fumegantes!

Pulo de Ramiro em câmera lenta que saca o revólver e começa a atirar incessantemente em pleno ar. Intercalando as imagens de tiros, “flashes” de pessoas assassinadas por ele. Som dos tiros e de música clássica.
No canto da tela aparece um contador de tiros e um contador de mortes.
Total de tiros: 789
Total de mortes: 132
Ramires pula o muro em seguida.
Ramiro cai no chão
Ramires cai no chão.
Fred desce outra rua, pula outro muro... Vez por outra olha pra trás.
Fred pára alguns segundos para respirar. (mãos nas pernas, cabeça e peito para frente).
Close do rosto de Fred. Gotas de suor caindo.
Fred pelas costas. Close de seu rabinho de dálmata
Fred (de frente novamente) continua correndo, correndo exausto pelas ruas.
Essa imagem é então intercalada com imagens que mostram o motivo dele estar sendo perseguido pela polícia.
Na primeira imagem, a loira Mercedes Bens, esposa do milionário Genivaldo Marques Moreira, beija Fred na boca.
Fred continua correndo... Olha para trás. Não vê os policias.
Em outra imagem, aparece Fred e Mercedes se acariciando na cama. E quando a câmera vai se distanciando, aparece o Gato Garfídio, observando tudo...
Fred continua correndo... Olha para trás... Vê os policias correndo atrás... e corre mais...
Em outra imagem, aparece um revólver atirando em Mercedes que cai sangrando no chão branco da cozinha.
Fred continua correndo com os policiais em seu encalço.
Fred sobe no telhado de uma casa e assim despista os policiais.
Os policiais Ramiro e Ramires terminam perdidos em um beco cheio de lixo.

RAMIRO
O desgraçado fugiu!

RAMIRES
Isso você nem precisava dizer!

RAMIRO
Bem agora que eu tava morrendo de vontade de dar um corretivo nele!
Fico até de pau duro só de pensar!

RAMIRES
Bata em mim, então!

RAMIRO
Você gosta mesmo de apanhar, né?

Ramiro começa a bater violentamente em Ramires.

RAMIRES
Isso! Bate! Bate! Bate mais!

Ramires leva socos e pontapés por todo o corpo. Seu nariz começa a sangrar.

RAMIRO
Acho que agora chega!

RAMIRES
Só mais um para terminar a brincadeira!

Ramiro dá um violento soco na boca de Ramires que cai no chão. Sua boca sangra e ele mesmo tira o próprio dente que ficou mole com o soco.

RAMIRO
Agora chega! Você está horrível, cara!

Ramiro dá a mão para ajudar Ramires a se levantar.

RAMIRO
Vamos pra delegacia! No caminho a gente inventa uma história
para incriminar mais ainda aquele desgraçado.

CENA 2 – EXTERIOR/QUINTAL CASA/ RUAS/DIA (anoitecendo)
Fred rouba algumas roupas de um varal.
Ele corre para se esconder. Tenta então tirar a roupa de dálmata, mas algo muito estranho acontece: Fred passa a sentir dores horríveis como se aquela roupa de dálmata já fosse sua própria pele. Fred arranca um pedaço da manga da roupa e seu braço começa a sangrar... Fred geme de dor...

CENA 3- INTERIOR/CARRO DE POLICIA/NOITE
Ramiro dirige o carro e Ramires segura uma toalha branca sobre a boca ainda sangrando.
Ramiro liga o rádio.
Os dois continuam calados.
Ramires joga a toalha suja de sangue pela janela do carro.
A toalha cai sobre a “banquinha” de uma velhinha que vende doces.

CENA 4- EXTERIOR/QUINTAL/RUA/NOITE
Fred veste o paletó que havia pego no varal.
Em seguida, ele experimenta a calça. Muito apertada. Ele a deixa de lado. E vai andando pela rua...
Mais à frente, Fred pára diante de uma loja cheia de televisores ligados no mesmo canal. E o noticiário passa a mostrar o apresentador narrando a seguinte notícia:

APRESENTADOR
...O assassinato de Mercedes Bens,
esposa do milionário Genivaldo Marques Moreira,
tem como principal suspeito Frederico Santos,
que trabalhava de cachorro dálmata na mansão dos Moreira.

Aparece então a foto de Fred em todos os televisores ligados. E Fred fica ali hipnotizado por alguns segundos diante de sua própria imagem na televisão.
Close dos olhos de Fred, com a imagem dele próprio aparecendo em suas retinas.
Tal imagem é então substituída por Fred e Mercedes ajoelhados sobre uma enorme cama de casal.
A imagem mostrada em suas retinas toma então conta de toda a tela.

FRED
Madame! Eu posso... tirar essa roupa... de cachorro... se a madame quiser!”

MERCEDES BENS
Não, não! Fique... assim mesmo! Eu adoro... cachorros!

Mercedes passa a morder e lamber devagarinho as orelhas, o “focinho”, o queixo, o ombro de Fred, enquanto fala.
MERCEDES BENS
Ui, ui... eu adoro... suas pintas! Ai... ui!. Que delícia!... Adoro... suas orelhas,
ui... seu focinho! Ai... ai! Adoro... adoro até suas pulgas.

FRED
Mas eu não tenho pulga, madame!

MERCEDES BENS
Não se preocupe! O que ainda tem de sobra nesse mundo são pulgas.
Então eu posso... conseguir... algumas pra você, meu cachorro quente!

Volta a imagem de Fred de pé em frente à loja com os televisores ligados.
Todos os televisores mostram agora Fred e Mercedes fazendo amor.
Várias pessoas aparecem e começam a rir das imagens na televisão.
Só um palhaço a lado de Fred não ri.

FRED
Você não vai rir também feito os outros?

PALHAÇO
Não tenho motivo pra riso!

FRED
Mas nem um só?

PALHAÇO
Perdi o emprego e peguei minha mulher com meu melhor amigo.

As imagens no televisor mudam para lápides de cemitério, epitáfios, anjos e velas acesas.
(Os epitáfios serão irônicos, poéticos e filosóficos no estilo: “Aqui jaz a verdade que morreu antes mesmo de ter nascido”).
Param os risos.
As pessoas vão sumindo uma a uma (efeito “fade” só dos personagens).
Fica apenas Fred e o palhaço.
Fred olha para o palhaço triste todo colorido e maquiado.

FRED
Pelo jeito a tua vida é mais triste ainda do que a minha!

PALHAÇO
Na verdade, sempre foi! Agora só ficou pior.

FRED
Se eu tivesse dinheiro, eu te convidava pra tomar uma cerveja!

PALHAÇO
Não seja por isso...

CENA 5 – INTERIOR/CASA DO MILIONARIO GENIVALDO/NOITE
Close ponta de um charuto aceso. Aparece então o rosto do milionário Genivaldo Marques Moreira e depois ele sentado em sua cadeira no escritório. Genivaldo pega o copo de uísque que estava na mesa. O Gato Garfídio acaricia suas pernas. Genivaldo pega e acaricia com os dedos o porta-retrato com a foto da esposa Mercedes Bens.
A fumaça que sai de seu charuto vai formando então no ar a palavra: “Vingança!” (efeito de computação gráfica).

CENA 6 – INTERIOR/BAR/NOITE
Fred e o Palhaço sentados à mesa do bar. Dez garrafas vazias sobre a mesa.
Os dois já estão bêbados. Suas falas são agora arrastadas e enroladas

FRED
Eu nunca pensei que fosse encontrar um amigo palhaço.

PALHAÇO
E eu que nunca imaginei que pudesse ter um amigo dálmata...
Mas como diz o velho ditado é melhor ter um cachorro
amigo do que um amigo cachorro.

Passa uma mulher sexy e boazuda pela mesa dos dois.

FRED
UUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU...!!!

Em seguida o palhaço resolve também imitar o amigo no uivo.

PALHAÇO
UUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU...!!!

Raios e trovões anunciam chuva.

CENA 7 -- INTERIOR/CASA DO MILIONARIO GENIVALDO/NOITE
O milionário Genivaldo fala ao telefone enquanto uma de suas mãos acaricia a cabeça do Gato Garfidio que pisa o tapete persa.
Raios e trovões anunciando chuva.

GENIVALDO
Eu quero esse sujeito morto!
Mas antes arrebentem com ele.
Só me deixem a cabeça em bom estado.
Não importa quanto vai custar!
Mas façam o serviço direito.
Se alguma coisa sair errada,
eu não preciso nem dizer o que vai acontecer com vocês...

“Travelling” pela sala cheia de quadros, esculturas, tapetes persas. Em uma das paredes, cabeças humanas penduradas como troféus.
Raios e trovões anunciando chuva.

CENA 8 – EXTERIOR//CALCADA/NOITE
Fred e o Palhaço cambaleando abraçados pela calçada.
Raios e trovões. Começa a chover.
Fred se segura a um poste e começa a cantar com voz de bêbado

FRED
I am singing in the rain, just sing in the rain...

O Palhaço bêbado ainda abraçado a Fred tenta fazê-lo largar do poste.

PALHAÇO
Largue esse poste! Ce tá que querendo levar um raio nos miolos!?

FRED
Que eu saiba só as árvores e algumas outras coisas pontudas atraem raios!

PALHAÇO
Então vou esconder melhor o meu pinto!

FRED
Antes disso, me largue!

PALHAÇO
Não posso!

FRED
Não pode, por quê?

PALHAÇO
Por que você agora é o meu único amigo.
E amigos não largam os amigos por aí.

FRED
Cara, fiquei comovido! Acho que vou chorar!

PALHAÇO
Posso chorar contigo?

FRED
Claro que pode!

Fred larga do poste e os dois amigos abraçados sentam-se no meio fio para chorar.
Continua chovendo sobre eles.

LEGENDA COM O TÍTULO DO FILME:
OS SALTIMBANCOS NO FIM DO MUNDO
(“reflexo” de neom em uma poça d’água)

CENA 9 -- EXTERIOR/RUA/NOITE
Visão de cima, vários guarda-chuvas pretos tomando toda a rua.
Os guarda-chuvas passam e revelam então Fred e o Palhaço sentados no meio-fio da calçada.

PALHAÇO
Eu odeio guarda-chuvas!

FRED
Eu também!

PALHAÇO
Guarda-chuvas são sempre suspeitos!

FRED
Suspeitos do quê?

PALHAÇO
Sei lá! Mas que eles são suspeitos, são!

FRED
Pra mim eles parecem urubus!

PALHAÇO
Eu gosto de urubus!

FRED
Eu odeio urubus!...
E eu odeio também quem não odeia urubus!

PALHAÇO
Só pra não perder sua amizade,
vou odiar urubus também, ok?

Pára de chover. Letras em neom sobre poças d’água mostram então os créditos com o nome do diretor, roteirista, produtor, principais atores...

CENA 10 – EXTERIOR/INTERIOR/AUTOESTRADA/CAMINHAO/DIA
Auto-estrada. Carros e mais carros passam em alta velocidade.
Um caminhão pára e abre a porta.
Fred só de paletó entra no caminhão.

CAMINHONEIRO1
Meu nome é Ovídio e o seu?

FRED
Frederico, mas me chamam de Fred.

CAMINHONEIRO1
Eu não costumo dar carona,
mas gostei de você assim vestido de dálmata.

FRED
Eu trabalhava de cachorro em uma mansão.

CAMINHONEIRO1
Bom emprego, hein!? Ouvi falar que essa gente paga bem.

FRED
Mas é cansativo ser cachorro.

CAMINHONEIRO1
É! deve ser!

O Caminhoneirol e Fred avistam então um homem vestido de Jesus Cristo pedindo carona (cabelos longos, barba, auréola, e um camisolão branco que vai até o chão).
Jesus Cristo segura um cartaz onde se lê: “Para qualquer lugar”.

CAMINHONEIRO1
Olha aí o cara de novo! Eu não sei como ele faz isso,
mas acho que esta já é a décima vez que eu vejo
esse Jesus Cristo pedindo carona.

FRED
E por que você não deu carona pra ele?

CAMINHONEIRO1
Vou ser sincero. Não fui com a cara desse Cristo.
Não gosto do seu cabelo comprido e nem daquela auréola ridícula.

FRED
Mas e se ele for mesmo Jesus Cristo?

CAMINHONEIRO1
Duvido!!!

FRED
Eu já não duvido mais de quase nada!

CAMINHONEIRO1
Esse cara, Jesus Cristo?! Ridículo!... E mesmo que por um milagre
gigantesco ele fosse Jesus Cristo, mesmo assim eu ainda ia continuar
não indo com a cara dele. E quando eu não vou com a cara
de alguém, eu não vou e pronto... E não mudo de idéia...
Agora com você, eu fui com a cara... Fui com a cara e fui com
tudo o mais... Esse seu rabinho é uma graça, sabia?

O Caminhoneiro1 passa então a mão na perna de Fred e este lhe dá um soco na cara.
O Caminhoneiro1 perde a direção por alguns segundos e então freia.
Fred desce.
O caminhão segue em frente.
Fred fica na estrada pedindo novamente carona.

CENA 11-- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Os policiais Ramiro e Ramires vão pela estrada em uma velha moto preta e barulhenta. Ramiro usa um capacete amarelo e Ramires um capacete vermelho.
Ramiro dirige o Ramires vai na garupa.

RAMIRES
Eu não acredito que você aceitou essa sucata, de novo!

RAMIRO
Era isto ou nada!

RAMIRES
Essa nossa polícia esta cada vez pior.
Não sei por que não fecham o barraco e soltam todos os bandidos...
Afinal os maiores pilantras e crápulas já estão fora mesmo.

RAMIRO
Começando por nós dois.

RAMIRES
É começando por nós dois.

Ramiro e Ramires caem na risada.

CENA 12-- EXTERIOR/INTERIOR/AUTOESTRADA/CAMINHAO/DIA
Fred na beira da estrada tentando pegar nova carona.
Pára outro caminhão. Fred entra no caminhão.

CAMINHONEIRO2
Olá! Meu nome é Teodoro e o seu?

FRED
Frederico! Mas pode me chamar de Fred.

CAMINHONEIRO2
Gostei de você, garoto, assim vestido de dálmata.

FRED
Eu trabalhava de cachorro em uma mansão.

CAMINHONEIRO2
Legal! Vi na televisão que os milionários pagam bem para ter um bicho de estimação.

FRED
Até pagam! Mas é bem cansativo ser cachorro.

CAMINHONEIRO2
Se fosse para ser bicho, eu gostaria de ser leão.

FRED
Leão ganha bem mais do que cachorro.

CAMINHONEIRO2
Vi na televisão que o leão transa até centenas de vezes num só dia.

O Caminhoneiro2 e Fred avistam e passam por Jesus Cristo pedindo carona.
Cristo segura ainda o cartaz onde se lê: “Para qualquer lugar”.

CAMINHONEIRO2
Esse cara de novo! Não! Como pode ser?
Deve ser a vigésima vez que eu vejo
esse sujeito na estrada pedindo carona.

FRED
Não sei porque ninguém da carona pra ele.

CAMINHONEIRO2
Garoto, eu não dei carona, porque não gostei desse Cristo.
Não fui com a cara dele e pronto.
E olha que eu sou católico apostólico romano praticante.

FRED
E ele for Jesus Cristo mesmo?

CAMINHONEIRO2
Aposto o meu caminhão que não é!

FRED
Eu achei ele triste!

CAMINHONEIRO2
Chega de falar desse cara. Vamos falar de nós dois.
Como eu havia dito, gostei muito de você, garoto.
Gostei dessa sua roupa de dálmata.
Gostei do seu rabinho.

O Caminhoneiro2 passa então a mão na perna de Fred e este lhe dá um soco na cara.
O Caminhoneiro2 perde a direção por alguns segundos e então freia.
Fred desce.
O caminhão segue em frente.
Fred fica na estrada pedindo novamente carona.

CENA 13 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires continuam indo pela estrada na velha moto barulhenta.
Agora quem dirige é Ramires e Ramiro vai na garupa fazendo bolhas de sabão.
Câmera segue algumas bolhas de sabão sendo levadas pelo vento.
Close em uma das bolhas de sabão.
Dentro da bolha de sabão está Fred pedindo carona na estrada.

CENA 14 -- EXTERIOR/INTERIOR/AUTOESTRADA/CAMINHAO/DIA
Pára um terceiro caminhão para dar carona a Fred.
Fred sobe na cabine.
A cena entre Fred e o Caminhoneiro3 imita a cena de Fred com o Caminhoneiro2 só que agora a imagem e o som são acelerados (na edição).
O Caminhoneiro2 perde a direção por alguns segundos e então freia.
O caminhão pára e Fred desce.
Fred fica novamente na estrada pedindo carona.

CENA 15 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires continuam indo pela estrada na velha moto barulhenta.
Agora Ramiro dirige e Ramires vai na garupa.

RAMIRES
Pare a moto! Pare a moto! Preciso dar uma mijada!

RAMIRO
Não dá pra esperar até o posto.

RAMIRES
Não dá!... Não dá!

CENA 16 -- EXTERIOR/INTERIOR/AUTOESTRADA/CAMINHAO/DIA
Fred esperando uma nova carona.
Outro caminhão pára e abre a porta.
Depois de três experiências decepcionantes com motoristas de caminhão, Fred fica receoso de entrar na cabine.

CLARABELA
(fala com sua voz máscula)
Entre meu rapaz. Vamos, não tenha medo! Eu sou do bem!

Fred olha admirado para o motorista, um homem forte e musculoso com tatuagens nos braços, com peruca loira e crespa estilo “drag queen”, lábios com batom vermelho, cílios postiços e maquiagem, vestindo camisa xadrez.

CLARABELA
Vamos! Entre vamos! Eu te levo onde você quiser
e se você quiser eu te levo até as nuvens.

FRED
Acho melhor não! E eu não quero ir pras nuvens.

CLARABELA
Bobinho! Isso é só brincadeirinha!

FRED
Antes de eu entrar, gostaria de saber o que você acha do meu rabinho?

CLARABELA
Sabe que nem reparei nele, mas dê uma viradinha.

Fred dá uma meia volta e mostra o rabinho de dálmata que se mexe também.

CLARABELA
Humm! Não é feio, não! Mas vou ser sincero,
não gosto lá muito de rabo, não.
Prefiro queijos e vinhos e velas e...
Mas deixa pra lá. Entre de uma vez garoto.

Fred finalmente entra no caminhão. E o caminhoneiro4 se apresenta.

CLARABELA
Sou Sebastião Teotônio Moreira, ao seu dispor!
Mas por favor, me chame só de Clarabela Aquela.

FRED
Aquela?

CLARABELA
Aquela é só um sobrenome pra rimar, entendeu?
E você? Como é o seu nome?

FRED
Frederico, mas pode me chamar de Fred.

CLARABELA
Fred Flinstones. Gostei!

FRED
Só Fred!

CLARABELA
Se você quer assim, vou te chamar então de Só Fred. OK?

FRED
Ok!

CLARABELA
Querido, me passe o batom e a minha maquiagem ali no porta luvas.
Já estamos quase chegando no restaurante da Márcia.

O Caminhão de Clarabela Aquela passa na frente de um televisor ligado na beira da estrada.
“Travelling’’ e “close” do televisor ligado.
No televisor está passando a propaganda do refrigerante Dog Cola.
Um homem vestido de cachorro bebendo uma latinha de Dog Cola.
Aparece então o slogam estilizado: “Dog Cola – o refrigerante bom pra cachorro”.

CENA 17 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires indo pela estrada.

RAMIRES
Cara, eu mijei num presunto!

RAMIRO
O quê?

RAMIRES
Tinha um presunto na estrada!

RAMIRO
O quê?

RAMIRES
(fala gritando)
Tinha um presunto na estrada!

RAMIRO
Que presunto?

RAMIRES
O presunto devia ter uns 40 anos.

RAMIRO
E por que você mijou nele?

RAMIRES
Me deu vontade...
Eu nunca tinha mijado em um presunto antes.

Flashback - Mostra-se então o corpo de um homem na beira da estrada e Ramires abrindo a braguilha e urinado sobre o corpo do morto.
Aparece novamente Ramiro e Ramires indo pela estrada.
De repente, a roda da frente da moto começa a ficar bamba.
A moto vai perdendo a estabilidade e os dois são obrigados a parar na beira da estrada.

RAMIRO
Tá vendo, tá vendo?
Você mijou no defunto e agora deu nisso!

RAMIRES
Cara, não sabia que você era assim supersticioso!

RAMIRO
Mijar em defunto só pode dar azar!

RAMIRES
Quem disse isso?

RAMIRO
Ninguém disse, mas você já viu as pessoas por aí mijando em defunto?

RAMIRES
Eu não acredito no azar!

RAMIRO
Então é melhor começar.

CENA18 -- EXTERNA/INTERNA/AUTOESTRADA/FURGAO/DIA
Um furgão preto pára em um posto de gasolina de estrada.
A mão (unhas encardidas) com o braço todo tatuado do Cangaceiro dá a chave para o frentista.

CANGACEIRO
Encha o tanque, diabo!

O frentista (com máscara de diabo) pega a chave e coloca a bomba na boca do tanque de combustível do furgão.
A mão com o braço tatuado do Cangaceiro vai mudando as estações do rádio. Até parar na seguinte notícia:

LOCUTOR EM OFF
Depois de uma denúncia anônima, o corpo do deputado federal Astronio Portela foi encontrado pela polícia em uma churrascaria clandestina. Ele estava completamente nu, depilado e com uma maçã na boca, assando lentamente no rolete. Segundo um dos policias, o cheiro era realmente delicioso. O deputado deve ter sido deixado de molho pelo menos 24 horas na “vina d’alho”. Próximo ao corpo estava a receita de como prepará-lo. Não vamos poder passá-la aqui, pois não queremos incentivar as pessoas a terem idéias gastronômicas criminosas. Todos os convidados para o banquete acabaram fugindo sem deixar pistas. Temos agora mais notícias com Maria Tereza, diretamente do local
onde se encontra o deputado ainda assando no rolete:”

Enquanto acontece o OFF do locutor, aparecem imagens do painel do furgão cheio de santinhos, cruzes e souvenirs religiosos pendurados e colados.
O frentista passa então a chave ao Cangaceiro.

FRENTISTA
Chefe, deu elefante mais coelho... Ou seja, sessentão!

O Cangaceiro dá uma nota de cem.

CANCAGEIRO
Pode ficar com o troco, Diabo!

CENA 19 – EXTERNA/INTERNA/AUTOESTRADA/RESTAURANTE/DIA
Clarabela Aquela estaciona o caminhão em frente ao restaurante da Márcia.
Fred e Clarabela entram no restaurante. No cartaz da entrada está escrito: “Prato do dia: Feijoada de Repolho”.

CENA 20 – EXTERNA/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires com distintivos na mão tentam pegar carona, mas nenhum carro pára para eles.
RAMIRES
Fique no meio da estrada! Aí alguém vai ter que parar.

RAMIRES
E por que você não fica?

RAMIRO
Porque eu tive a idéia primeiro.

RAMIRES
Ramiro, Olha! Lá do outro lado da estrada tem um televisor ligado!

RAMIRO
Vamos dar uma olhada, mas é só uma olhada, ok?

RAMIRES
Ok!

Ramiro e Ramires atravessam a estrada e ficam sentados no chão assistindo a uma partida de futebol. Carros e caminhões passam por eles. Alguns buzinam, mas eles ficam ali hipnotizados pela partida.

CENA 21-- EXTERNA/INTERNA/AUTOESTRADA/FURGAO/DIA
As duas mãos com dois braços tatuados do Cangaceiro seguram o volante do furgão.
Agora aparece o rosto do Cangaceiro, com cicatrizes e o seu chapéu de cangaceiro. Ele usa um colete de couro de cabra.
O furgão pára junto a uns casebres na beira da estrada.
Várias crianças maltrapilhas e sujas aparecem, cada uma com alguma coisa na mão para vender (doces, chicletes, frutas).
As crianças se aproximam do furgão.
O Cangaceiro abaixa o vidro.

MENINA1
Moço, compra um doce pra ajudar!

MENINO1
Moço, compra dois doce pra ajudar!

MENINO2
Moço, três laranjas por um.

MENINA2
Moço, me compre um doce de caju.

MENINO3
Compra, moço! Compra!

CANCAGEIRO
Tudo bem! Tudo bem! Mas primeiro tirem essas mãos sujas
do meu furgão e se afastem um pouco.

As crianças se afastam do furgão.
O Cangaceiro abre a porta, coloca as botas de couro para fora do furgão e saí do carro.

CANGACEIRO
Podem ter certeza que eu vou ajudar todos vocês.
Não do jeito que vocês imaginam.
Talvez agora vocês não gostem, mas no futuro que é eterno,
todos vocês vão me agradecer.

Dito isto, abruptamente, o Cangaceiro tira seu revólver da cintura e dá um tiro certeiro na testa de cada uma das crianças. Uma a uma as crianças caem sangrando no chão.
O Cangaceiro abre a porta de trás do furgão e vai colocando as crianças lá dentro, onde já existem outros corpos de crianças assassinadas por ele.
O Cangaceiro fecha a porta do furgão, entra no carro e segue viagem.
O furgão passa então por um outdoor com a foto de Fred dálmata, com a seguinte legenda: “Procurado vivo ou morto. Contato fone: 2828 283834 ”.

CENA 22 -- INTERIOR/CASA DO MILIONARIO/DIA
O milionário Genivaldo Marques Moreira fala ao telefone, sentado em sua cadeira de couro e acariciando o Gato Garfidio sobre o tapete persa.

GENIVALDO
Seu bosta, mude já aqueles cartazes de merda!
O número correto do telefone é 2888 283332 .
E desta vez não esqueça de colocar também a recompensa.
Hoje em dia ninguém entrega ninguém se não tiver
uma boa grana na história.

CENA 23 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires assistindo ao jogo no televisor ligado na beira da estrada.

RAMIRO
Gol! Gol! Gol!

RAMIRES
Tudo bem desta vez você ganhou.

RAMIRO
Este ano não tem pra ninguém!
Misericórdia Amarela ainda vai ser o campeão nacional.

RAMIRES
Só se o Esperança Azul deixar!

RAMIRO
Vai deixar! Vai deixar!... AH!
Não esqueça que você tem que pagar a aposta.

Ramires entra no mato. Abaixa as calças e deita de bruços.

RAMIRES
Você não vem?!

RAMIRO
Já estou indo, meu bem!

Ramiro vai andando na direção de Ramires, já abrindo o zíper da calça.

CENA 24 – EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Jesus Cristo pedindo carona na beira da estrada.
O Cangaceiro pára e Cristo entra no furgão sem dizer nenhuma palavra e assim se mantém em silêncio durante todo o trajeto. A auréola de Cristo fica aparecendo sobre o furgão já que não cabe dentro dele (efeito de computação gráfica).
O Cangaceiro muda a estação do rádio que passa a tocar a música “Hallelujah”.

CANGACEIRO
Espero que esse seu voto de silêncio acabe logo.
Toda vez que você discute com o seu Pai é assim.

O furgão preto segue pelas estradas e passa por um outro televisor ligada à beira da estrada.
A “câmera” se aproxima do televisor que mostra os animais desaparecendo dos campos, das estepes, das geleiras, dos rios, dos mares, das fazendas, das gaiolas, dos zoológicos, dos frigoríficos, das casas...
Imagens ao som da música “Halleluaj”.

CENA 25 -- EXTERNA/INTERNA/AUTOESTRADA/RESTAURANTE/DIA
O furgão do caminhão do Cangaceiro pára em um restaurante de estrada.
O Cangaceiro e Jesus Cristo descem do furgão e caminham até o restaurante. Na entrada está escrito o prato do dia em letras garrafais pretas: “HOJE, FEIJOADA DE CHUCHU
$ 9,00”. O Cangaceiro e Jesus Cristo entram no restaurante.

CENA 26 -- EXTERNA/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires andam pela beira da estrada. Ramiro vai chutando pedras e o pó da beira da estrada.
RAMIRO
Este ano eu já ganhei mais de vinte apostas de você!

RAMIRES
É! Mas não esqueça que eu ganhei mais de trinta!

RAMIRO
Será mesmo?

RAMIRES
Eu tenho tudo anotado no meu caderninho.

RAMIRO
Então pega ele aí e vamos conferir?

RAMIRES
Não está comigo!

RAMIRO
E onde você colocou ele?

RAMIRES
Devo ter deixado lá na delegacia.

RAMIRO
Em todo caso, podemos apostar de novo?

RAMIRES
O de sempre?

RAMIRO
O de sempre é claro.

Cena 27 – INTERIOR/RESTAURANTE DA MARCIA/DIA
Cangaceiro e Jesus Cristo sentados à mesa e comendo a Feijoada de Chuchu.

CANGACEIRO
O Jesus Cristo, dá pra você desligar essa auréola aí?
O pessoal tá só encarando a gente.

Mostra-se então os outros clientes do restaurante: estranhos, feios, narigudos. Alguns com rostos deformados.
Jesus Cristo continua comendo sua refeição quieto.

CANGACEIRO
Cristo, cê bem que podia acabar de uma vez por todas
com esse seu voto de silêncio. Coisa mais antiquada!
Hoje em dia não se usa mais isso, cara!
Você está precisando se modernizar.

Jesus Cristo continua comendo sua feijoada de chuchu em voto de silêncio.

CANGACEIRO
Aqui eles faziam uma ótima feijoada com tudo do porco.
Agora que não tem mais porco é só essa gororoba vegetariana.
Hoje faz dois anos que eu não como um pedaço suculento de carne.
Até agora não sei por que o seu Pai resolveu
se vingar de toda essa gente infeliz.

CENA 28 -- INTERIOR/RESTAURANTE DA MARCIA/DIA
Dentro do restaurante, onde entraram Clarabela e Fred (mas aqui os dois não aparecem nesta cena), um casal de namorados conversa. Um de frente para o outro.

BETO
Bete, eu te amo, minha Jujubinha!

BETE
Beto, eu também te amo, meu Cajuzinho!

Os dois se beijam.
BETO
Tô morrendo de medo, fofa!

BETE
E eu então fofo, os meus pés estão tremendo...
até a minha bunda está tremendo!

BETO
Vamos pensar na grana e assim talvez
a tremedeira passe, minha Paçoquinha.

BETE
Antes estou precisando tomar mais um café.

BETO
Eu também... Garçom!

Em poucos segundos, a garçonete passa com uma cafeteira e serve o casal de namorados.
Os dois se beijam novamente.
O relógio do restaurante avança dez minutos.

BETO
Mais um beijo de boa sorte!

E os dois se beijam outra vez.

BETE
Acho que é agora ou nunca!

BETO
Vamos lá então!

Cada um tira seu revólver escondido na cintura. Então os dois se levantam, sobem nas cadeiras, apontam os revólveres para todos os que estão almoçando no restaurante e falam em alto e bom som, decididamente.

BETO
Todos parados aí! Isto aqui é um assalto!

BETE
Quem se mexer eu arrebento os miolos e depois como com farinha!

“Still” do casal apontando os revólveres.

BETE
Beto! Incrível como um revólver dá coragem pra gente!
Agora eu já me sinto a mulher mais poderosa do mundo!

CENA 29 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires andando pela beira da estrada.
Carros indo e vindo.

RAMIRO
O meu faro tá me dizendo que esse Fred não tá muito longe!

Ramiro fica fungando para cima como se estivesse sentindo o cheiro de Fred.

RAMIRO
Pelo meu faro, ele deve estar a uns vinte e cinco quilômetros daqui.

RAMIRES
Se esse teu faro é tão bom mesmo, por que só agora ele tá funcionado?

RAMIRO
Ele é mesmo assim, cheio de personalidade, só funciona quando quer.
E no máximo atinge trinta quilômetros.

RAMIRES
Eu não sabia que faro marcava quilometragem.
Pelo jeito esse teu faro é digital

RAMIRO
Aprendi com o meu falecido cachorro.

RAMIRES
Ah! Então ele também tinha faro digital.
Devia ser um cachorro robô!

RAMIRO
Vai me gozando! Vai me gozando!
Mas não se esqueça que quem
goza por último goza melhor.

RAMIRES
Pode gozar então, porque por hoje eu já gozei demais.

CENA 30 – INTERIOR/RESTAURANTEDAMARCIA/DIA
Vários “Stills” seqüências do casal Beto e Bete apontado os revólveres e fazendo a assalto.

BETE
Seus desgraçados, vão passando essas suas malditas carteiras,
jóias, relógios e celulares, senão a gente já vai
começar arrebentar alguns miolos aqui!

BETO
Tudo aqui no saco! Tudo aqui no saco!

BETE
Ei, você aí com cara de bobo, nem pense em se mexer
ou eu te encho de chumbo, seu filho da puta.

Close de uma arma embaixo da mesa aponta para o casal de assaltantes.
A arma dispara vários tiros.
Ouvem-se os gritos das pessoas.
Correria.
Pratos, copos, garrafas, pratos, talheres cadeiras caindo
Ouvem-se alguns gemidos de dor.
Em seguida aparece Beto e Bete caindo ensangüentados no chão do restaurante.
Sobre a cena, a voz em off de Clarabela Aquela e de Fred.

CLARABELA
Perdi a fome! Vamos embora daqui antes que sobre
confusão pra gente.

FRED
Vamos!

Clarabela e Fred saindo do restaurante.

CENA 31 – EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires andando pela beira da estrada.
Mais à frente uma mulher loira vestida de macacão colante de couro vermelho está trocando um pneu de seu carro esportivo.

RAMIRO
Veja lá só que maravilha!

RAMIRES
Acho que finalmente a sorte virou pro nosso lado.

RAMIRES
(com jeito malicioso)
Com certeza! Com certeza!

CENA 32 – INTERIOR/RESTAURANTE/DIA
Dentro do restaurante, onde entraram o Cangaceiro e Jesus Cristo (mas aqui os dois não aparecem na cena), um casal de namorados conversa. Um de frente para o outro (OBS: são os mesmo atores que interpretam Beto e Beto, só que aqui eles são outros dois personagens chamados Samuel e Santa).

SAMUEL
Santa, eu te amo, meu Quindinzinho!

SANTA
Samuel, eu também te amo, meu Chulezinho!

Em seguida, ambos se beijam.

SAMUEL
Este beijo vai dar sorte!

SANTA
Toda a sorte do mundo pra nós três!

SAMUEL
Nós três?

SANTA
Não se faça de mal entendido, meu doce de coco.

SAMUEL
Mas Santa, e agora?

SANTA
Agora nós vamos em frente!

SAMUEL
Antes preciso de mais um café... Garçom!

Em poucos segundos a garçonete passa com a cafeteira e serve os dois.
O relógio da parede avança dez minutos.

SAMUEL
Santa, você tem certeza?

SANTA
Mais do que nunca!

SAMUEL
Então um último beijo de boa sorte!

E os dois se beijam novamente.
Cada um tira seu revólver escondido na cintura, os dois se levantam, sobem nas cadeiras e passam a apontar os revólveres a todos o que estão almoçando no restaurante.

SAMUEL
Todos parados aí! Isto aqui é um assalto!

SANTA
Quem se mexer eu arrebento os miolos e depois como com farinha!

“Still” do casal apontando os revólveres.

CENA 33 – EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro dirige o carro esportivo da Loira. Ramires vai ao seu lado.
O carro passa por um outdoor que mostra a foto de Fred de dálmata e a legenda: “Procurado vivo ou morto. Recompensa $ 500.000,00 - fone contato:2222 4444 555 ”.

RAMIRES
Agora sim, esses quinhentos mil me deram
uma vontade de pegar aquele cachorro.

RAMIRO
Calma Ramires, Calma!
Vamos esperar subirem a recompensa para um milhão.

O carro esportivo continua rodando em alta velocidade.
A “câmera” se aproxima externamente do porta-mala do carro. Abre-se um círculo (efeito especial) para mostrar o que há lá dentro: a loira de couro presa e amordaçada.

CENA 34 -- INTERIOR/RESTAURANTE/DIA
“Still” do casal Samuel e Santa apontando os revólveres.
A imagem deles apontando os revólveres e iniciando o roubo aparece então em vários “stills” seqüências.

SANTA
Seus ordinários, vão passando já as carteiras,
os celulares, as jóias verdadeiras.

SAMUEL
Tudo no saco! Tudo aqui no saco!

SANTA
Ei, você aí com cara de bobo, nem pense em se mexer,
ou eu te encho de chumbo, seu filho da puta.

Uma arma embaixo da mesa aponta para o casal de assaltantes.
A arma dispara vários tiros.
Ouvem-se gritos e correria
Objetos caindo e quebrando-se no chão.
E alguns gemidos de dor.
Em seguida aparece Samuel e Santa caindo ensangüentados no chão do restaurante.
Sobre a cena, a voz em off do Cangaceiro.

CANGACEIRO
Cristo, acho melhor nós irmos embora daqui!
E nem pense em ressuscitar esses dois.
Eles só tiveram o que pediram.

As botinas de couro do cangaceiro e os chinelos “havaianas” de Cristo passam próximos dos corpos ensangüentados de Samuel e Santa.
Ambos pisam na possa de sangue grudento e se dirigem à saída.
Já junto à porta, Cristo olha para trás para o casal morto.
Em seguida, os corpos de Samuel e Santa começam a reviver.

CENA 35 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro dirigindo o carro esportivo da Loira.
Ramires vai ao seu lado.
O carro passa então por um atleta negro correndo pela beira da estrada.

RAMIRO
Você viu aquele cara que passou correndo desembestado?

RAMIRES
Vi e daí?

RAMIRO
Ele é o Forreste Gumpe brasileiro.

RAMIRES
Forreste Gumpe?

RAMIRO
Não me diga que você nunca ouviu falar no Forreste Gumpe?
O filme dele até já passou na televisão um monte de vez.

RAMIRES
Acho que foi então na época que o meu televisor tava estragado.

RAMIRO
Forreste Gumpe era um cara que vivia correndo igual a esse sujeito aí

RAMIRES
E por que ele vivia correndo?

RAMIRO
Ora! Ora! Porque gostava!

RAMIRES
Coisa mais doida, né?!

RAMIRO
É pensando bem! É bem melhor ficar parado. Cansa menos.

RAMIRES
Cansa menos e não dá bolha no pé.

O carro esportivo passa então por um televisor ligado na beira da estrada.
No televisor aparece a propaganda de um remédio para acabar com o desejo de se querer comer carne. No televisor, o frasco do remédio XRT-5600 fica girando, enquanto o anunciante diz em off.

VOZ EM OFF DO ANUNCIANTE
Pra você que era louco por carne e já pensou até em comer um parente ou vizinho,
aqui está a solução. XRT-5600.
Tome três comprimidos antes de cada refeição e pronto.
Você vai comer farinha pensando que é galinha.
Você vai comer pão pensando que é leitão.
XRT-5600, aproveite a promoção.
Você leva três frascos com 100 comprimidos e paga apenas um.
Aceitamos todos os cartões de crédito.
Ligue já para 0800-9899834.

CENA 36 – INTERIOR/RESTAURANTE/DIA
Samuel e Santa despertando-se ainda no piso ensangüentado do restaurante.
Ambos pegam suas armas do chão, se levantam e apontam novamente para as pessoas que ainda estavam no restaurante, algumas tentando sair.

SAMUEL
Todos parados aí de novo! Isto aqui é um assalto de novo!

SANTA
Quem se mexer de novo eu arrebento os miolos de novo e depois
como com farinha de novo!

SAMUEL
O meu saco sangrento está aqui esperando pelos seus pertences.

CENA 37 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA//DIA
O caminhão de Clarabela Aquela e Fred indo pela estrada.
De repente o furgão do Cangaceiro e Jesus Cristo passa na direção contrária do caminhão. A auréola de Cristo está aparecendo sobre o furgão.

FRED
Clarabela, você viu o que eu vi?

CLARABELA
Acho que sim, mas o que foi que você viu mesmo?

FRED
Naquele furgão preto...

CLARABELA
Claro que eu vi aquele furgão preto!

FRED
Não só o furgão preto, mas o que tinha em cima dele.

CLARABELA
Fred, deixe de suspense! E me diga logo o que tinha em cima do furgão?

FRED
Então você não viu?

CLARABELA
Não viu o quê?

FRED
Uma auréola em cima do furgão!

CLARABELA
Tanto suspense só por uma auréola!
Cara, isso significa apenas que finalmente
Jesus Cristo conseguiu carona de alguém.

O caminhão de Clarabela passa então por um televisor ligado na beira da estrada.
A imagem da televisão mostra então a legenda do programa “COMIDA IMAGINÁRIA”.

APRESENTADORA DO PROGRAMA
Bom dia Brasil. Hoje vamos preparar nossa costela assada imaginária.
Primeiro vocês vão precisar imaginar a costela crua. Imaginem que vocês foram a um açougue e compraram um belo pedaço de costela. Cinco quilos, acho que é o suficiente. Agora pegue o sal grosso e passem em toda a costela imaginária. Isso mesmo. Muito sal grosso... Nossa já estou salivando... Agora que vocês já prepararam bem o fogo, vamos levar esta deliciosa costela imaginária para assar mais ou menos umas quatro horas...”

Um carro velho bate então no televisor ligado e a imagem desaparece.
Dentro do carro está Santa na direção e Samuel ao seu lado.
Ambos estão sujos de sangue.
Samuel tem marcas de tiro na testa e no peito.
Santa tem marcas de tiro no peito e na mão.
No banco de trás do carro está o saco preto sangrento.

SANTA
Quem será que foi o idiota que deixou um televisor
ligado assim na beira da estrada?

SAMUEL
Calma, meu Quindinzinho!
Você está precisando relaxar!

SANTA
Depois de tudo o que passamos, acho que estou precisando
mesmo é de uma boa trepada pra me acalmar.

SAMUEL
Mas querida, aqui assim na estrada?

SANTA
E por que você acha que eu parei o carro?

SAMUEL
Meu Quindinzinho, você é uma mulher macho pra cacete!

SANTA
Faço o que eu posso, meu Chulezinho!

SAMUEL
Mas meu Quindinzinho, e se a polícia chegar?

SANTA
A polícia nunca chega!... Vem aqui meu Chulezinho!

Santa e Samuel sujos de sangue começam a se beijar e a se acariciar.
Seus rostos vão ficando ainda mais lambuzados de sangue.

CENA 38 – EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Furgão preto indo pela estrada.
De repente, uma multidão de Sem-Terras (com foices, facões, enxadas) aparece ocupando toda a estrada e forçam o furgão a parar.
O Cangaceiro sai do carro e dá alguns tiros para cima.

CANGACEIRO
Eu não quero matar mais ninguém! Minha cota já se encerrou por hoje!

LIDER DOS SEM-TERRAS-1
E nós só queremos o que tem dentro do Furgão e daí você pode ir embora.

Cristo sai então do furgão.
Os Sem-Terras se ajoelham, colocam suas “ferramentas” no chão e começam a rezar. Todos rezam juntos em voz alta.

SEM-TERRAS
Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso nome,
seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu....

LÍDER DOS SEM-TERRAS-1
Parem de rezar, seus idiotas. Esse aí não é Jesus Cristo coisa nenhuma.
Jesus Cristo morreu há muito tempo,
lá no tempo em que existia muita terra pra todo mundo.

Os Sem-Terras param de rezar, uns olham para os outros, pegam suas “ferramentas” e se levantam novamente.

LÍDER DOS SEM-TERRAS-1
Mas como eu tinha dito,
nós só queremos o que tem aí dentro do furgão.

CANGACEIRO
Acho que vocês não vão gostar de ver o que tem dentro do furgão.

LÍDER DOS SEM-TERRAS-1
Isso é a gente que decide.

Ouve-se então um forte estrondo na beira da estrada. Forma-se uma nuvem de poeira. Passados alguns segundos, da nuvem de poeira, começa-se a enxergar uma vaca.

ALGUNS DOS SEM-TERRAS GRITAM
Milagre! Milagre!

UM SEM-TERRA GRITA
Uma vaca caiu do céu!

Alguns se ajoelham para rezar enquanto outros correm até a vaca.
Alguns Sem-Terras começam a cortar a vaca e a tirar pedaços.
Alguns se lambuzam de carne crua e sangue quente.

CANGACEIRO
(olhando para Cristo)
Acho que agora já podemos ir em frente.

O Cangaceiro e Jesus Cristo entram no furgão e seguem pela estrada.

CENA 39 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires com o carro esportivo parado na beira da estrada.

RAMIRO
Maldito carro! Desgraçado!

Ramiro dá uns chutes em um dos pneus.

RAMIRES
Calma! Calma!

Ouvem-se então batidas vindas do porta-mala e em seguida gritos de socorro.

RAMIRO
Ramires, a desgraçada conseguiu se soltar!

RAMIRES
A culpa é tua que nunca faz nada direito.

Continuam as batidas e os gritos da mulher.

RAMIRES
Vá lá e dê umas porradas nela!

Ramiro abre o porta-malas do carro esportivo.
Dentro a loira tenta reagir e é agredida violentamente por Ramiro.
Ramiro bate e soca a loira por uns trinta segundos.
A loira toda machucada e sangrando acaba desmaiando.

RAMIRO
Acho que agora ela não vai mais incomodar por um bom tempo!

Ramiro bate então com força a porta do porta-mala.

CENA 40 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
O caminhão de Clarabela e Fred viaja pela estrada.
De repente, uma multidão de Sem-Terras (com foices, facões, enxadas...) aparece ocupando toda a estrada e forçam o caminhão a parar.

LÍDER DOS SEM-TERRAS-2
(apontando a espingarda)
Desçam daí já!

CLARABELA
(fala baixinho pra Fred)
As minhas últimas balas ficaram no corpo daqueles dois lá no restaurante.

Clarabela e Fred descem do caminhão.

LÍDER DOS SEM-TERRAS-2
Nós só queremos comida! Abra esse caminhão!

CLARABELA
Mas eu não tenho comida!

LÍDER DOS SEM-TERRAS-2
(apontando uma espingarda)
Eu disse pra abrir o caminhão!

Clarabela abre o caminhão e os Sem-Terras se aproximam para pegar as caixas que estão lá dentro. Quando abrem as caixas, só há calcinhas vermelhas.

CLARABELA
Bem, pelo menos elas são calcinhas comestíveis.

E assim os Sem-Terras (homens, mulheres e crianças) passam a brincar, morder e até mesmo comer as calcinhas vermelhas ali mesmo no meio da estrada.
Alguns dos Sem-Terras começam então a dançar com as calcinhas vermelhas comestíveis na cabeça e na boca. (dançarinos de balé moderno representarão aqui os Sem-Terras em uma coreografia e música criadas especialmente para esta cena).

CENA 41-- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
O furgão preto do Cangaceiro e de Jesus Cristo passa pela estrada ao lado de outro televisor ligado. No televisor aparece um homem de cabeça baixa e algemado. Um policial o segura.

VOZ EM OFF
(apresentador de programa sensacionalista)
Vocês estão vendo ao vivo e a cores para todo o Brasil, O Genésio Madureira, esse monstro que teve a coragem de matar a sogra com requintes de crueldade. Não satisfeito ainda ele assou a sogra no forno e a comeu. A única coisa que sobrou dela foi a perna direita assada. Depois dos comerciais nós vamos mostrar para todo o Brasil
a perna da sogra do monstro do Genésio.

Durante a fala em off aparecem também várias fotos ridículas da sogra, inclusive algumas dela fazendo pose dentro do forno antes de ser assada.

CENA 42 -- EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CARRO/DIA
Samuel e Santa com o carro parado à beira da estrada.

SAMUEL
E agora, meu Quindinzinho?

SANTA
Vamos contar o lucro do roubo!!

SAMUEL
Mas aqui na estrada? E se a polícia...

SANTA
Meu Chulezinho, a polícia nunca vem.

Samuel e Santa descem do carro.
Samuel segura o saco preto sangrento.
Os dois sentam-se na beira da estrada.
Samuel joga o produto do roubo no chão e os dois começam a contar.
Samuel separa os celulares.

SAMUEL
Um, dois, três, quatro, cinco... oito, novo, dez, onze, doze...
dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove. Vinte celulares.

SANTA
Duas... quatro... seis... oito... dez...doze...quatorze, quinze... dezoito carteiras.
Esta aqui tem, nossa! Veja só quantos cartões de créditos!

SAMUEL
Cinco anéis, duas pulseiras, três correntes...

Santa passa então a mão na barriga.

SANTA
Meu Chulezinho, vamos poder comprar
bastante coisa bonita pro nosso filhote aqui.

Samuel beija então a barriga de Santa e fica com a cabeça na barriga da mulher.
Santa fica acariciando o cabelo do marido.

SAMUEL
Meu Quindinzinho, só não entendi por que você matou
aqueles cinco desgraçados lá no restaurante.

SANTA
Agora também já não sei mais muito bem. Lá me deu vontade.
A gente com uma arma na mão vira o diabo,
ou melhor dizendo, a diaba, aqui no meu caso.

Aparece então o momento em que Santa atira e mata cinco pessoas no restaurante.
Imagens apresentadas em câmera lenta com bastante sangue jorrando.
Um jato de sangue grosso cai dentro de um copo de leite.
Outro jato de sangue cai sobre um prato de comida.
Aparece novamente Samuel com a cabeça na barriga da mulher.
Os dois ficam se acariciando.
De repente, um dos celulares começa a tocar.
Samuel pega um e não é esse. Pega outro até que acha o que está tocando.

SAMUEL
Alô! Alô!

No telefone só se ouve um ruído bem alto.
Outro telefone toca.
Samuel pega um, pega outro, pega outro.

SAMUEL
Alô!

VOZ EM OFF NO TELEFONE
(voz sintetizada e ameaçadora)
Eu sei o que vocês fizeram hoje!

SAMUEL
Você e meio mundo nessa hora!

VOZ EM OFF NO TELEFONE
Vamos dividir o roubo?

SAMUEL
Nem um centavo, seu desgraçado!

VOZ EM OFF NO TELEFONE
Então eu vou matar a sua mulher, você e o bebê que nascer.
Vocês não perdem por esperar.
E eu tenho todo o tempo do mundo.

SAMUEL
Venha! Venha! Seu filho da puta! Eu tenho aqui algumas balas
esperando pra entrar nos seus miolos de merda.

A “voz em off” desliga o telefone.
E todos os outros telefones celulares começam então a tocar todos ao mesmo tempo.

SANTA
Meu Chulezinho, vamos embora daqui!
Estou começando a ter um pressentimento ruim!

Santa e Samuel pegam as coisas, entram no carro e partem.
Os celulares ficam na beira da estrada tocando.

CENA 43 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
O caminhão de Clarabela e Fred indo pela estrada. Na beira da estrada outro televisor ligado. E no televisor ligado está um menino rezando.

MENINO REZANDO
Deus, traga de volta as vaca, os boi, as galinha, os peixe, as baleia, os golfinhos...
Deus, traga de volta os coelho, os cavalo, as raposa, os leão...
Deus, traga de volta os porco, os “beicon”, os presunto, os bife,
as coxinha, os churrasco, a feijoada, os espetinho.
E Deus, traga de volta o meu cachorro Hulk
que o senhor roubou de mim, amém!

CENA44 – EXTERIOR/CÉU AZUL COM ALGUMAS NUVENS BRANCAS/DIA
Um balão super colorido focalizado de vários ângulo.
O balão joga milhares de panfletos.
Segue-se um dos panfletos pelo céu (computação gráfica).
O panfleto vai seguindo por cima de árvores, por uma montanha, desce, chega até a auto-estrada, segue voando pela estrada até cair no meio do asfalto onde se lê: “Venha conhecer o Fim do Mundo”.
A roda de um carro passa por cima do panfleto.
Acompanhando o panfleto, o som de um sax e de uma gaitinha de boca.

CENA45 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Ramiro e Ramires ainda ao lado do carro esportivo.
Um carro da polícia pára junto de Ramiro e Ramires.

POLICIAL
O que vocês estão fazendo na estrada com esse carro aí?

RAMIRO
O desgraçado parou de funcionar!

POLICIAL
Não foi isso que eu perguntei.

RAMIRES
Ah! O carro! O carro a gente emprestou de um amigo!

POLICIAL
A missão de vocês está cancelada!

RAMIRES
Quem disse isso?

POLICIAL
Eu disse isso!

RAMIRO
Mas você não pode dizer isso!

POLICIAL
Posso e digo!

RAMIRES
Não pode!

POLICIAL
Posso!

Ramires dá três tiros no policial e completa.

RAMIRES
Não pode!

O policial fica caído sangrando sobre o asfalto.
Ramiro e Ramires pegam então o carro do policial e vão embora, deixando o carro esportivo com a loira dentro.

RAMIRES
Há muito eu estava querendo acabar com aquele sujeito metido a honesto.

RAMIRO
Com certeza, ele pediu isso! Pediu mesmo!

CENA 46 – EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CAMINHAO/DIA
Clarabela e Fred dentro do caminhão indo pela estrada.
Panfleto gruda no vidro do caminhão.

CENA 47 – EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/FURGÀOPRETO/DIA
Cangaceiro e Jesus Cristo dentro do furgão indo pela estrada.
Panfleto gruda no vidro do furgão.

CENA48 -- EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CARRO/DIA
Ramiro e Ramires dentro do carro indo pela estrada.
Panfleto gruda no vidro do carro.

CENA 49 -- EXTERIOR/AUTOESTRADA/DIA
Santa dirigindo o carro e Samuel com a cabeça para fora da janela observando as nuvens do céu.

SAMUEL
Meu Quindinzinho, olha lá no céu, tem uma nuvem-vaca!

SANTA
Nuvem-vaca? Onde?

SAMUEL
(aponta com a mão)
Ali!

SANTA
É mesmo!

SAMUEL
Nossa! E olhe mais pra lá! Uma nuvem-tubarão!

De repente a nuvem-tubarão pula sobre a nuvem-vaca e a engole por inteira (imagem feita em computação gráfica)

CENA 50 -- EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CAMINHAO/DIA
Fred põe a mão pra fora da janela do caminhão e com um pouco de esforço consegue pegar o panfleto que havia grudado no pára-brisa.

CLARABELA
O que diz aí, Fred?

FRED
Venha conhecer “O Fim do Mundo”.

CLARABELA
Fim do Mundo? O que é isso? Uma boate evangélica?

FRED
Estranho! Aqui não diz mais nada! Nem endereço! Nada!

O caminhão segue pela estrada e passa por um outro televisor ligado.
Nele, aparece o milionário Genivaldo Marques Moreira com seu inseparável charuto cubano. Entre uma baforada e outra:

GENIVALDO
Agora quem me trouxer o assassino da minha amada Mercedes,
eu pago um milhão. Isso mesmo!
Aumentei a recompensa para um milhão.
Um milhão por aquele cachorro do Frederico.
Um milhão todinho, já descontados os impostos.

CENA 51-- INTERIOR/FURGAO/DIA
Cristo segura o panfleto de propaganda do “Fim do Mundo” na mão.
Na beira da estrada, aparece o Forreste Gumpe Brasileiro correndo.

CANGACEIRO
Cristo, leia pra mim o que diz nesse panfleto!

Cristo permanece em silêncio.

CANGACEIRO
Desculpe, cabeça a minha, por um segundo me esqueci que você ainda está
fazendo esse voto de silêncio idiota. Me passe aqui esse panfleto então.

O Cangaceiro pega o panfleto e comenta.

CANGACEIRO
Venha conhecer “O Fim do Mundo”. Estranho!
Não tem endereço nem nada. Que panfleto de araque.

O Cangaceiro faz uma bolinha com o panfleto e joga pela janela.
A bolinha de papel cai na beira da estrada em frente a um televisor ligado.
No televisor aparecem alguns gaúchos cantando uma música em homenagem ao “falecido churrasco”.

“Falecido churrasco
Sem você nem sei o que sou
Um gaúcho todo frustrado
Nem sei para onde vou...
Falecido churrasco
Sem você nem sei o que sou
Um gaúcho todo frustrado
Nem sei para onde vou...”

Enquanto isso a bolinha de papel começa a se mexer e vai se transformando em um pássaro de papel (origami) e sai voando.

CENA 52 -- INTERIOR/CARRO/DIA
Ramires e Ramiro indo no carro de polícia.
A música dos gaúchos continua tocando também no rádio do carro.
E então Ramiro muda de estação. Ramiro está com o panfleto na mão.

RAMIRO
Que tal a gente dar uma passadinha nesse “Fim de Mundo”?

RAMIRES
E você já se esqueceu do Fred e da recompensa?

RAMIRO
(dá umas fungadas)
O meu nariz já não tá me dizendo mais nada.
(Ramiro dá mais umas fungadas)
Sinto que esse Fred deve estar muito longe da gente.
Ou então eu estou com uma forte gripe a caminho.
Ou então ainda este meu nariz cretino cansou de varejar.
Como você sabe, ele é cheio de...

RAMIRES
Personalidade! Você já disse isso!

RAMIRO
Mas não custa nada repetir!

RAMIRES
Se você não tivesse batido tanto naquela loira,
a gente podia ter pedido um resgate.

RAMIRO
Não consegui me controlar.
É só elas me darem uma chance, e eu bato mesmo.

RAMIRES
Mas você precisa se controlar um pouco.

RAMIRO
Melhor assim! E chega de seqüestro.
É muito estresse pra pouco resultado.


CENA 53 – EXTERIOR/ESTRADA/DIA
O furgão do Cangaceiro e Jesus Cristo passa por uma placa onde se lê: “Fim do Mundo a 9 Km”. O furgão entra então em uma estrada de pó cheia de buracos.
O furgão segue a estrada cheia de curvas e mais curvas até chegar em uma porteira.

CANGACEIRO
Cristo, você poderia fazer o obséquio de descer e abrir a porteira?!

Cristo desce então para abrir a porteira.
O furgão passa por ela.
Cristo fecha a porteira e entra no carro.
O furgão continua pela estrada de pó com suas curvas e mais curvas e mais curvas.
Finalmente o furgão chega ao “BAR O FIM DO MUNDO”. Todo de madeira, cor de abóbora e amarelo e marrom e branco, com uma gostosa varanda na frente.

CENA 53 – EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CAMINHAO/DIA
O caminhão de Clarabela e Fred passa por uma placa de madeira onde se lê: “Fim do Mundo a 13 Km.

CENA 54 – EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Na varanda do bar “O Fim do Mundo” há uma rede onde ronca exageradamente Seu Nicolau, um homem grandalhão, de barba longa e longos cabelos brancos, botina, camisa xadrez, suspensórios, calça jeans.
O Cangaceiro e Cristo descem do carro e caminham até o bar.
Já na varanda, o Cangaceiro tenta acordar o Seu Nicolau.

CANGACEIRO
(dá umas sacudidas em Seu Nicolau)
Vamos, homem! Acorde! Vamos, homem!

Seu Nicolau continua roncando. Então para surpresa do Cangaceiro, Cristo resolve falar.

CRISTO
(fala docemente e baixinho)
Seu Nicolau, acorde! Acorde, Seu Nicolau!

CANGACEIRO
Puxa, até que enfim você acabou esse seu voto de silêncio idiota!
Mas com esse cara aí não adianta falar assim tão doce,
vamos ter que jogar um balde d’água nele.

Seu Nicolau desperta.

SEU NICOLAU
(abre os olhos aos poucos e se espreguiça)
Acho que dei um cochilo!

CANGACEIRO
(falando baixinho no ouvido de Cristo)
Bem se isso é cochilo eu não quero estar perto desse cara
quando ele resolver dormir de verdade.

Seu Nicolau dá mais algumas espreguiçadas e então se levanta e continua se espreguiçando e bocejando.

SEU NICOLAU
Mas sejam bem vindos ao meu bar.
O Cristo aqui já é meu velho conhecido,
mas e o senhor? Qual é a sua graça?

CANGACEIRO
De graça eu não entendo muito.
Mas pode me chamar de Cangaceiro mesmo.
O meu nome verdadeiro eu não digo porque é uma ofensa a qualquer ouvido.

SEU NICOLAU
Mas vamos então lá dentro beber alguma coisa!

CENA 55 -- EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CARRO/DIA
Ramiro e Ramires dentro do carro de polícia indo pela estrada (ambos mascam chiclete, fazendo bolas e estourando). O carro passa por uma placa onde está escrito: “Fim do Mundo a 30 Km”.

RAMIRO
Vamos dar uma olhada nesse Fim do Mundo?

RAMIRES
Já que você insiste, vamos!

CENA 56 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Cristo e o Cangaceiro sentados junto ao balcão do bar.
Seu Nicolau aparece atrás do balcão para servi-los.

SEU NICOLAU
Então, Cristo! O que vai ser desta vez? O vinho da última ceia?

CRISTO
Me veja uma cachaça!

SEU NICOLAU
Vinho eu sei que você bebia. Mas cachaça...

CANGACEIRO
Cachaça??

CRISTO
Aprendi que só uma boa cachaça desafoga as mágoas.

SEU NICOLAU
Então eu tenho uma especial aqui.

CANGACEIRO
Pra mim, a mesma!

Na prateleira do bar, estão centenas de garrafas de cachaça. Cachaças de todas as cores. Cada qual com um nome diferente: cachaça da invisibilidade, cachaça levanta defunto, cachaça do amor, cachaça amansa lobisomem, cachaça pra ser criança, cachaça só sorriso, cachaça do amor eterno, cachaça vou ganhar na loteria, cachaça da juventude, cachaça pra voar de noite, cachaça pra voar de dia, cachaça para ser presidente da república.
Seu Nicolau tira da prateleira uma garrafa de cachaça. No rótulo está escrito, “Cachaça dos desiludidos”. Seu Nicolau serve então um “martelinho” para Cristo e outro para o Cangaceiro. Cristo bebe num gole só. O Cangaceiro também

CRISTO
Mais uma!

SEU NICOLAU
Você tem certeza?

CRISTO
Toda certeza deste mundo incerto!

CANGACEIRO
Mais uma pra mim também!

Seu Nicolau serve mais um “martelinho” para Cristo e para o Cangaceiro.
Cristo bebe num gole só e o Cangaceiro também.

CRISTO
Mais uma, duas, três, quatro cinco, seis!

CANGACEIRO
Pra mim também!

Seu Nicolau serve mais seis “martelinhos” para os dois.
Cristo e o Cangaceiro bebem cada um dos seis “martelinhos” num gole só.
Cristo então olha para o lado e vê uma porta aberta e uma outra salinha com cadeira de barbeiro.

CRISTO
Estou precisando cortar o cabelo e fazer a barba!

SEU NICOLAU
Você tem certeza disso?

CRISTO
Mais do que nunca!

CANGACEIRO
(já falando meio enrolado)
E eu tou precisando tirar uma soneca.

SEU NICOLAU
A minha rede é toda sua!

CANGACEIRO
(Já indo em direção à rede)
Nunca vou esquecer sua hospitalidade.

SEU NICOLAU
Cristo, vamos lá então?! Pra você eu não vou nem cobrar!

Enquanto conversam, Cristo e Seu Nicolau vão se dirigindo à sala ao lado.

CRISTO
Mas eu quero pagar!

SEU NICOLAU
Não se preocupe, o seu Pai paga.

CRISTO
Nosso Pai! Nosso Pai!

Cristo senta na cadeira de barbeiro.
Seu Nicolau coloca um avental branco.
Em seguida coloca sobre Cristo um pano branco.

SEU NICOLAU
E como vai ser? Uma aparadinha no cabelo?

CRISTO
Raspe tudo!

SEU NICLAU
Tudo?

CRISTO
A barba também!

SEU NICOLAU
Você tem certeza?

CRISTO
Mais do que nunca!

SEU NICOLAU
Não sei não, mas uma mudança de visual assim tão drástica,
acho que não vai agradar lá muito o Seu Pai.

CRISTO
Nosso Pai! Nosso Pai!

SEU NICOLAU
Tudo bem! Tudo bem! Mesmo não pagando nada,
cliente aqui tem sempre razão.

Seu Nicolau pega então a máquina de raspar e vai tirando nacos e nacos do cabelo de Cristo que vão caindo suavemente no chão.
Na rede o Cangaceiro tira um cochilo.
A pistola do Cangaceiro fica sobre sua barriga. Nela dá para se ler a seguinte frase: “Deus é fiel”.
Os nacos de cabelo de Cristo continuam caindo suavemente no chão.

CENA 57 -- EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Roda da frente da bicicleta velha rondando na estrada de pó.
Uma bota velha e furada “pedalando”.
Severino, um homem de 40 anos, barba por fazer, magro, cara de fome, pedala a bicicleta.
Na garupa está sua mulher Madalena, sentada de lado, segurando a bíblia inseparável (gorda, cabelos compridos amarrados, vestido de chita).
A bicicleta se aproxima do bar “O Fim do Mundo”.

CENA 58 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Os nacos e nacos do cabelo de Cristo continuam caindo suavemente no chão.

CENA 59 -- EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Severino pára a bicicleta bem em frente ao bar e Madalena já briga com ele.

MADALENA
Continue, home! Tá querendo parar nesse bar do diabo?!

SEVERINO
Eu só ia cumprimentá o Seu Nicolau.

MADALENA
Que cumprimentá coisa nenhuma!
Quem trabalha pro capeta, dorme com Mula Preta!

SEVERINO
Mula Sem Cabeça, mulhé!

MADALENA
Não me corrija! Eu é que sei! Eu é que sei!

Severino passa a pedalar novamente a bicicleta.

CENA 60 – EXTERIOR/INTERIOR/ESTRADA/CARRO/DIA
Samuel e Santa(ainda sujos de sangue) dentro do carro indo pela estrada.
Santa coloca o CD de uma música romântica.
Ambos se beijam com o carro em movimento.
O carro passa por uma placa onde se lê: “Fim do Mundo a 90 quilômetros”.

CENA 61 – INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Jesus Cristo, na cadeira de barbeiro, já todo careca, mas ainda com sua longa barba.
Seu Nicolau corta parte da barba de Cristo com a tesoura e depois passa espuma na barba começa a cortá-la com a navalha.
(Imagem acelerada até a barba estar toda “feita”).

SEU NICOLAU
(com um pequeno espelho atrás da careca de Cristo)
E então?

CRISTO
Bom! Bom! Muito bom!... Me sinto até mais leve.

A auréola de Cristo começa então a piscar e a piscar. E então se apaga por completo.

SEU NICOLAU
Acho que o seu Pai não gostou muito do novo visual!

CRISTO
Nosso Pai! Nosso Pai!...
E com o tempo ele se acostuma.

Cristo tira do bolso uma nota de cem e dá para o Seu Nicolau.

SEU NICOLAU
Não, por favor! Eu não disse que ia cobrar!

CRISTO
Mas eu faço questão!

SEU NICOLAU
Infelizmente, não tenho troco!

CRISTO
Não se preocupe, o troco é seu!

SEU NICOLAU
Obrigado então e que Deus lhe pague!

CRISTO
Ultimamente ele não tem pago nada. Tá devendo até pro Diabo.

CENA 62- EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
O carro de Samuel e Santa chega ao bar “O Fim do Mundo” – apesar da placa ter indicado uma distância muito maior.

SAMUEL
Meu Quindinzinho, finalmente chegamos no Fim do Mundo.

SANTA
Não vejo a hora de tomar um bom banho, meu Chulezinho!

Samuel e Santa descem do carro e se dirigem até o bar.
Os dois passam pela varanda onde o Cangaceiro está roncando na rede.
Atrás do balcão, Seu Nicolau está de costas limpando as garrafas de cachaça.

SEU NICOLAU
(fala sem se virar para Samuel e Santa)
Samuel e Santa, o que vocês aprontaram desta vez?

SAMUEL
Seu Nicolau, como o senhor sabe que a gente aprontou?

SEU NICOLAU
(se vira então para os dois)
Eu não disse? Olha só como vocês dois estão! Venham comigo!

CENA 63 --INTERIOR/BARO FIM DO MUNDO/DIA
Jesus Cristo sentando na privada do banheiro.

CENA 64 -- EXTERIOR/FUNDOS DO BAR/DIA
Seu Nicolau saindo pela porta dos fundos do Bar, seguido por Samuel e Santa.

SEU NICOLAU
Esta banheira cheia de água está esperando por vocês desde ontem.
Vocês podem até acender umas velas. É romântico.
E aqui vocês sabem que a noite cai assim de repente
bem quando a gente menos espera.

CENA 65 – EXTERIOR/FACHADA DO BAR FIM DO MUNDO/DIA/NOITE
Fachada do bar “O Fim do Mundo”.
O sol desce(cai) atrás do telhado do bar.
Em um segundo já é noite e a lua cheia (por atrás do telhado do bar) sobe até o céu(efeito visual).

CENA 66 -- EXTERIOR/FUNDOS DO BAR/NOITE
Samuel e Santa se beijando dentro da banheira.
No chão ao redor, várias velas acesas.
Samuel passa suavemente a esponja no rosto de Santa.
Santa passa a esponja no ombro e no peito de Samuel.

SAMUEL
Ui! Ai!

Samuel beija então a barriga da esposa.

SAMUEL
Há de ser um menino!
Há de ser um menino, meu Quindinzinho!

CENA 67 – EXTERIOR/INTERIOR/CARRO/ESTRADA/NOITE
O carro de Ramiro e Ramires vai pela estrada de pó, faróis acesos.
Vez ou outra, a lua cheia acompanha o carro pela janela.
De repente, às margens da estrada aparece um televisor ligado.
No televisor a loira de couro vermelho aparece toda sexy.
Ramiro e Ramires vêem a loira no televisor.
O carro de Ramiro e Ramires dá uma freada.

RAMIRO
Por que você tá parando? Acelere! Acelere!

RAMIRES
Calma! Fiquei curioso! Você, não?

RAMIRO
(tentando ligar a chave e pegando na direção)
Vamos! Vamos sair daqui!

RAMIRES
Calma! É só um televisor ligado!
Venha, vamos ver mais de perto!

Ramires sai do carro e Ramiro fica.

RAMIRES
Venha, cara! Deixe de ser covarde!

Ramiro acaba descendo e se aproxima de Ramires que está agachado assistindo à loira se mostrando sexy na televisão.

RAMIRES
Tá vendo! E só aquela putinha que você socou se mostrando toda gostosa!

RAMIRO
E a gente nem se aproveitou dela!

RAMIRES
Culpa tua que não consegue se controlar!

No televisor, o rosto sexy da loira começa a receber socos invisíveis até ficar totalmente deformado (efeitos de computação gráfica e maquiagem).

RAMIRO
Cara, você tá vendo o que eu estou vendo?

RAMIRES
Acho que sim! Mas não se preocupe, é só um televisor ligado.

Aparecem então “em close” os olhos desfigurados e depois a boca toda inchada e cortada da loira. A mão da loira tira então um dente da boca.
E tira um segundo e um terceiro dente.
Em seguida, a boca da loira cospe sangue que atravessa a tela da teve e acerta o rosto de Ramiro.
Ramiro passa a mão no rosto, olha a mão, vê que é sangue mesmo, cai para trás, fica todo trêmulo, dá um grito e sai se arrastando até se levantar e correr.
Ramires vai atrás do amigo.
No televisor ligado, aparece então o aparelho Megashock e o slogam: “Para você não terminar assim, use Megashock nos homens violentos.

CENA 68 -- EXTERIORINTERIOR/BAR FIM DO MUNDOCAMINHAO/NOITE
O caminhão de Clarabela e Fred chega ao bar “O Fim do Mundo”.
A lua cheia acima do telhado do bar já se mostra bem maior do que antes.
Clarabela estaciona o caminhão próximo ao furgão.

CLARABELA
Nunca pensei que algum dia eu iria conhecer O Fim do Mundo!

FRED
Bem, aquele neom piscando não deixa dúvida disso!

CLARABELA
Parece simpático!

FRED
O neom?

CLAREBELA
Não, o Fim do Mundo.

FRED
Bem melhor do que eu imaginava!

CLARABELA
E pelo jeito tem até boa freguesia!

FRED
Por ser o Fim do Mundo, acho que dois carros
e agora um caminhão deve ser uma ótima freguesia.
E olhe que a noite está só começando!

CLARABELA
Algo me diz que ainda teremos boas surpresas.

CENA 69 -- EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
Ramires dirige o carro.
Ramiro retira do porta-luva um pano e limpa o rosto sujo de sangue.

RAMIRES
Ramiro, pelo jeito aquela loira morreu.

RAMIRO
(todo nervoso)
Ela quer me pegar! Ela quer me pegar!

RAMIRES
Calma! Calma! Ramiro! Veja pelo lado bom!
É melhor um fantasma na televisão do que pessoalmente.

CENA 70 -- EXTERIOR/TELEVISOR NA ESTRADA/NOITE
Imagem do televisor ligado na estrada.
A loira do televisor sai agachada pela tela da tevê.
A loira levanta-se, estica os braços para cima e fica toda fluorescente.
Na mão direita, ela segura o seu poderoso Megashoch.
Imagem do televisor fora do ar na estrada.

CENA 71 -- INTERIOR/EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Cangaceiro bate na porta do banheiro.

CANGACEIRO
Vamos, Cristo! Abra essa porta!

CRISTO
Só mais um pouco e eu já saio.

O Cangaceiro aguarda cinco segundos e bate na porta novamente.

CANGACEIRO
Vamos, Cristo!

CRISTO
Só mais um pouco.

O Cangaceiro aguarda mais cinco segundos e bate na porta novamente.

CANGACEIRO
Vamos, Cristo, saia daí de uma vez!

CRISTO
Só mais um pouco e eu já saio.

CANGACEIRO
Esse seu pouco tá demorando muito, eu já não agüento mais.

CRISTO
Só mais um pouco e eu já saio mesmo.

O Cangaceiro, apurado de vontade de urinar, pega um vaso que encontra por perto e urina nele mesmo. Depois joga o vaso pela janela.
Cristo aparece então sentado no vaso sanitário fazendo leitura dinâmica do livro “O Anticristo”. Cristo termina então de ler o livro e o fecha.

PENSAMENTO DE CRISTO
“Gostei desse Nietzsche. Realmente ele diz umas boas verdades.
E verdades ninguém quer ouvir. Nem mesmo o meu Pai.”

CENA 72 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Clarabela e Fred entrando no bar, passam pelo Cangaceiro ainda roncando.

CLARABELA
Esse aí deve ter bebido todas.

FRED
Todas e mais umas ainda!

Clarabela e Fred observam os detalhes do ar.
Os retratos e santinhos pendurados por todo lugar.
Botinas e chinelos pendurados também.
E as centenas de garrafas de cachaça nas prateleiras. Algumas coloridas.
Seu Nicolau levanta-se então (estava abaixado atrás do balcão).

SEU NICOLAU
Pois não?

CLARABELA
Duas cachaças! Daquelas de levantar defunto.

SEU NICOLAU
Essa é perigosa! Melhor você escolher outra.

CLARABELA
Como assim, perigosa?

SEU NICOLAU
Essa “mardita” levanta defunto mesmo.
E faz deitar pra sempre quem ainda está vivo e fresco.

CLARABELA
Então me vê uma outra aí! O que o senhor sugere?

SEU NICOLAU
Que tal a cachaça amigos para sempre?

FRED
Essa deve ser boa mesmo!

Seu Nicolau serve então a cachaça para Clarabela e Fred.
Entram no bar, Severino e Madalena.

SEVERINO
Boa noite, Seu Nicolau!

SEU NICOLAU
Boa noite, Severino! E boa noite pra você também, Madalena.

MADALENA
(fala uma boa noite meio contrariada)
Boa noite!

MADALENA
(segurando a bíblia contra o peito)
Só entrei nesse lugar com o meu marido,
porque ouvi dizer que Jesus Cristo está aqui.
Só pode ser fofoca dessa gente.
Jesus Cristo jamais apareceria num lugar desses,
mas em todo caso, viemos conferir.

SEU NICOLAU
Ele está aqui mesmo!
Só que agora não pode aparecer!

MADALENA
Então é mentira, ele não esta aqui coisa nenhuma.

SEU NICOLAU
Se acalme Dona Madalena, daqui a pouco ele sai do banheiro.

MADALENA
Jesus Cristo no banheiro?! Jesus Cristo não vai ao banheiro!

SEU NICOLAU
Se é isso que a senhora pensa,
então a senhora pensa muitas coisas erradas.

Clarabela e Fred permanecem sentados junto ao balcão bebendo a cachaça amigos para sempre.

CLARABELA
Mais uma rodada, Seu Nicolau!

Seu Nicolau serve novamente os dois.
Madalena fica parada ao lado do marido.
Jesus Cristo sai do banheiro com seu livro.

SEU NICOLAU
Olha o Cristo aí finalmente, Dona Madalena!

Madalena olha para Cristo, medindo-o desde o pé com chinelos (estilo havaianas) até a careca.

MADALENA
Isso aí não pode ser Jesus Cristo!

SEU NICOLAU
E por que não?

MADALENA
Jesus Cristo jamais seria careca e sem barba.
A única coisa que esse sujeito tem de Cristo é esse camisolão branco.

CRISTO
E eu já vou tirar... Seu Nicolau, o senhor bem que podia
me emprestar uma calça e uma camisa.

SEU NICOLAU
Sem problema. É só pegar lá no meu quarto!

MADALENA
Nem auréola ele tem! Vamos embora, Severino!

Severino segura a mulher pelo braço.

MADALENA
Me solte, Severino, eu detesto quando você me segura desse jeito.

SEU NICOLAU
Apareçam mais tarde, talvez Cristo faça alguns milagres!

MADALENA
(olhando ainda desconfiada para Cristo)
Milagres? Esse aí? Duvido!

Madalena levanta mais a cabeça e seu nariz empinado, dá meia volta e vai saindo do Bar.

MADALENA
Vamos, Severino!

SEVERINO
(fala mais baixo para seu Nicolau e para Cristo)
Seu Nicolau, desculpe, essa minha mulhé.
Ela é uma crente totalmente descrente.
E Cristo, prazer em te conhecer assim pessoalmente.
E boa noite pra todos.

CLARABELA
Boa noite!

FRED
Boa noite!

SEU NICOLAU
Boa noite!

CRISTO
Boa noite e boa sorte!

Severino segue Madalena.

CENA 73 – INTERIOR/CARRO/NOITE
Ramires dirige o carro.
Ramiro vê algo luminoso-fluorescente pelo espelho retrovisor direito.

RAMIRO
(todo nervoso)
Ramires tem alguma coisa nos seguindo!

RAMIRES
(olha pelo espelho retrovisor esquerdo)
Eu não tô vendo nada!

RAMIRO
Eu continuo vendo!

RAMIRES
Se acalme! Você está muito nervoso!

RAMIRO
É a loira fantasma! Tenho certeza que é ela!

RAMIRES
Calma!

RAMIRO
(Ramiro tenta colocar o pé no acelerador)
Ela quer me pegar! Vamos! Dirija mais rápido!

RAMIRES
Calma! Você tá querendo nos matar?

Ramiro se desespera e começa a enlouquecer ali dentro do carro.
Primeiro bate a cabeça no porta-luva até sangrar.

RAMIRES
Cara! Pare com isso cara!

Ramiro tenta então pegar a direção de Ramires.
Ramiro começa a “lutar” com Ramires.
O carro perde o controle.

CENA 74 – INTERIOR/QUARTO DE SEU NICOLAU/NOITE
Cristo fica em pé “experimentando” as roupas de Seu Nicolau.
Ou melhor dizendo, são as roupas que vem voando se experimentar nele (efeitos especiais).
Mas todas elas ficam muito grandes.
Cristo passa então as duas mãos no próprio peito e a camiseta preta com estampa “heavy metal” que estava vestindo começa a diminuir até ficar do tamanho adequado.
O mesmo acontece com a calça jeans e os tênis.

CENA 75 – EXTERIOR/ESTRADA QUE LEVA AO BAR O FIM DO MUNDO/NOITE
Um corcunda de cartola brilhante, vestido de Chacrinha, vem puxando as cordas de pequenas luzes que trazem um enorme baú colorido também cheio de luzes.

CENA 76 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Cristo aparece de calca jeans, camiseta e tênis.

SEU NICOLAU
Sabe que esse seu novo visual até que não ficou muito ruim!

CRISTO
Eu é que não sabia que o senhor usava este tipo de roupa.

SEU NICOLAU
Não uso!

CRISTO
Então...?

SEU NICOLAU
Então , ou melhor dizendo, Antão deixou aí de presente.
E eu não quis contrariar o amigo.

CRISTO
O senhor pelo jeito é amigo de meio mundo.

SEU NICOLAU
Pode-se dizer que sou amigo de quase o mundo inteiro.
Tirando alguns religiosos fanáticos... Sou amigo até de bandido.
Sabe, tem bandido muito gente fina por aí,
É só saber lidar com eles.

CLARABELA
(já meio bêbado)
Seu Nicolau! Mais uma rodada!
Só que agora me veja aquela ali toda azul.

SEU NICOLAU
Você tem certeza disso?

CLARABELA
Certeza a gente nunca tem de nada.

SEU NICOLAU
É isso aí, amigo, você é dos meus.

Seu Nicolau serve a cachaça azul para Clarabela e Fred.

CRISTO
Pra mim também, Seu Nicolau!

SEU NICOLAU
Desculpe, havia me esquecido de você.

Seu Nicolau serve então a cachaça para Cristo. E então aparece o rótulo da cachaça:
“Cachaça Flutuante”.

CLARABELA
(quase caindo da banqueta)
Agora, vamos fazer um brinde! Um brinde à amizade!
Um brinde ao sol, à lua! Um brinde às estradas!
Um brinde ao Fim do Mundo!

SEU NICOLAU
Desculpe, não brindar com vocês, mas eu parei de beber em serviço.

E então Clarabela, Cristo e Fred brindam.

CENA 77 -- EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O corcunda continua puxando seu baú pela estrada.
Ele pára então em frente ao bar “O Fim do Mundo”.
Olha para a fachada do bar.
Tira a cartola da cabeça.
Dá uma coçada nos ralos cabelos.
Coloca a cartola novamente na cabeça.
Tira um antigo relógio do bolso.
Olha as horas (quase 8 horas)
E fala para si mesmo:

CORCUNDA
Está quase na hora! Está quase na hora!

CENA 78 -- EXTERIOR/ ESTRADA/NOITE
Ramiro e Ramires continuam lutando no carro desgovernado.
Um caminhão (faróis acesos) vem na direção deles.
Ramires tenta segurar a direção.
O caminhão bate no carro de Ramires e Ramiro.
O carro é jogado longe e vira de ponta-cabeça.

CENA 79 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Clarabela, Fred e Cristo começam a flutuar dentro do bar.

CLARABELA
Caramba, que coisa gostosa!

FRED
É muito legal mesmo!

CRISTO
Fazia tempo que eu não flutuava assim!

CLARABELA
Vou querer umas duas garrafas dessa cachaça pra levar.

SEU NICOLAU
As cachaças são só pra se beber aqui.

CLARABELA
Cara, com essa cachaça, você podia ficar rico, muito rico, milionário,
bilionário, trilionário, quadrilionário, quinlhonário e o caralho...

SEU NICOLAU
Eu não preciso de dinheiro. Aliás, eu detesto dinheiro!
Detesto tudo que lembra ambição.

FRED
(falando baixinho próximo de Clarabela)
Clarabela, pare de incomodar o seu Nicolau!

CLARABELA
Mas Fred, você já pensou seriamente no assunto aqui.
A gente podia abrir uma MC Cachaçaria.
Dez mil cachaçarias pelo mundo todo.
Cem mil cachaçarias. E todo mundo flutuando, numa boa.
Ia ser demais.

FRED
Clarabela, você já está delirando!

CLARABELA
A vida já é um delírio!

SEU NICOLAU
(limpando o balcão com um pano sujo)
Nisso ele tem razão!

CRISTO
Acho que vou vomitar!

FRED
Eu não sabia que Cristo vomitava

SEU NICOLAU
Cristo vomita, caga, peida. Faz tudo que você faz.

FRED
Tudo?

SEU NICOLAU
Tudo!

FRED
Tudo mesmo?

SEU NICOLAU
Tudo mesmo mesmo!

Depois de várias ameaças de vomito, Cristo vomita um líquido azul.

SEU NICOLAU
Daqui a pouco, ele já melhora!

E Cristo começa aos poucos a desflutuar.

CENA 80 -- EXTERIOR/BAR O FIM DO MUNDO/NOITE
O corcunda toca algumas vezes a sua buzina ensurdecedora (que tem som de buzina de navio).

CENA 81-- INTERIOR/BAR O FIM DO MUNDO/NOITE

SEU NICOLAU
Vamos lá fora, minha gente! O extraordinário nos aguarda!

CLARABELA
Mas, mas como a gente faz pra descer daqui!

SEU NICOLAU
Muito simples! Façam como o Cristo! Vomitem!

FRED
Vomitem???

SEU NICOLAU
Vomitem! Será que vou ter que ensinar como?

Fred coloca então o dedo na garganta e começa a vomitar o líquido azul.
Clarabela faz o mesmo.
Primeiro Fred desflutua e depois é a vez de Clarabela.
Seu Nicolau passa pelo Cangaceiro despertando na rede.

CANGACEIRO
(meio atordoado)
Que barulho foi esse!
Até parece o fim do mundo!

SEU NICOLAU
É só o extraordinário chegando!
É só o extraordinário chegando!

CENA 82 -- INTERIOR/CARRO/NOITE
Ramiro acorda dentro do carro e tenta acordar Ramires, mas este não se mexe. Está morto.
A gasolina começa a escorrer do tanque do carro.
Ramiro tenta com dificuldade sair do carro.
A gasolina continua escorrendo do carro.
Ramiro finalmente sai do carro.
Mostra-se uma poça de gasolina no asfalto.
Ramiro começa a andar pela beirada da estrada.
Passa um caminhão que joga uma xepa acesa de cigarro bem na poça de gasolina.
A poça pega fogo e vai até o carro que explode.

CENA 83 -- EXTERIOR/EM FRENTE AO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O corcunda tira sua cartola como saudação a todos.
Olha então para o baú e faz uns movimentos mágicos com as mãos.
O baú se abre e começam a sair um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. onze, doze, treze, quinze, vinte... Dezenas de artistas saltimbancos: gordos, magros, gigantes, anões, sacis, mulher barbada, duas irmãs siamesas, alguns artistas vestidos de caveira, muitos palhaços.
Muitos artistas saem do baú já com seus objetos de trabalho: bolas coloridas, bicicletas de uma roda só, pernas de pau, cestos, um gramofone...
Todos os artistas saem vestidos com roupas coloridas.

CRISTO
(pensando consigo mesmo)
As crianças precisam ver isto tudo!

Cristo vai até o furgão enquanto os saltimbancos continuam saindo do baú.
Cristo abre a porta de trás do furgão, onde estão todos os corpos das crianças assassinadas.
Cristo passa a mão na cabeça de uma das crianças que desperta em seguida.
O rosto da criança fica em “still” por alguns segundos.
Ao lado do seu rosto aparece então sua “ficha técnica”:
Nome: Romildo da Silva Santos
Apelido: Cachacinha
Idade: 12 anos
Delitos: pequenos furtos, um tiro na perna do tio.
Gosta de fumar e beber cachaça.
Sonhos: voar de avião e de asa delta.

Cristo passa a mão na cabeça de outra criança que também desperta em seguida.
O rosto da criança fica em “still” por alguns segundos.
Ao lado do rosto aparece a “ficha técnica” em legenda:
Nome: Marlene Moreira
Apelido: Mar
Idade: 14 anos
Delitos: nenhum
Sonhos: encontrar o pai que fugiu com a vizinha.
Morar numa casa com dois banheiros cheios de azulejos coloridos.

Cristo continua passando a mão na cabeça das outras crianças que vão despertando em seguida. As crianças (sujas de sangue e com ferimentos à bala) saem do furgão e vão até próximo dos saltimbancos.
O Cangaceiro se aproxima de Cristo.

CANGACEIRO
Cristo, você com essa sua mania de ressuscitar todo mundo!
Seu pai não vai gostar nada disso! Por mim tudo bem.
Tanto faz, como tanto fez.

CRISTO
Me desculpe, mas esta é a minha natureza, fazer o quê?
E uma das minhas poucas diversões nessa eternidade medíocre.

Quatro das crianças ressuscitadas aparecem sentadas na escada que leva à sacada do bar O Fim do Mundo. O rosto de cada uma aparece então em “still” com a “ficha técnica” em legenda:

Nome: Pedro Silva
Apelido: Pedrinho
Idade: 9 anos
Delitos: fumar maconha, roubar televisores.
Sonhos: ir pro Rio de Janeiro abraçar o Cristo Redentor.

Nome: Maria Paz
Apelido: Goiaba
Idade: 9 anos
Delitos: ela já esqueceu todos
Sonhos: uma bicicleta novinha
Uma boneca que fala-anda-come-e-peida.

Nome: Marcos Santiago Almeida
Apelido: Carequinha
Idade: 8 anos
Delitos: roubar roupas dos varais
Sonhos: encontrar a mãe que sumiu há mais de cinco anos.

Nome: Jamil Soares
Apelido: Grandão
Idade: 14 anos
Delitos: vender cocaína, andar sempre armado.
Sonhos: ser ator em Hollywood.

O rosto de Jamil sai do “still”.
Jamil se levanta e começa a declamar um poema, tirando e segurando a arma em uma das mãos:

JAMIL
Ser ou não ser
Eis a questão
Eis o mundo todo
Na palma da minha mão
Ser ou não ser
Tudo num só segundo
Eis o amor eterno
Que não dura nem lá no fundo
Eis a minha verdade
Eis a sua mentira
Eis aquilo que se coloca
Eis tudo o que se tira
Ser ou não ser
Eis a questão
Eis eu sozinho
Eis o mundo sem alma
Eis o mundo sem pão.

Na sacada do bar, próximo e acima de Jamil, aparece um negro gordo e bochechudo que começa a tocar um saxofone dourado como acompanhamento para o seu texto declamado.
As outras duas crianças que estão com Jamil aplaudem assim que ele termina de dizer o texto. O saxofonista desaparece (“fade” só do personagem).
Jamil coloca o revólver na cintura novamente.

CENA 84 -- EXTERIOR/ ESTRADA/NOITE
Ramiro olha para trás e vê a loira fluorescente em seu encalço.
Ramiro começa a correr.

CENA 85 – EXTERIOR/FRENTE DO BAR/NOITE
O Corcunda então anuncia com o seu megafone.

CORCUNDA
Senhoras e senhores, mortos-vivos, anjos e demônios,
assassinos, público em geral!
O show vai começar!
Que ruflem os tambores!

Três anõezinhos vestidos de palhaços começam a ruflar seus tambores (o som que sai dos tambores é quase ensurdecedor).

CORCUNDA
E para o nosso show começar bem, mais do que bem
Com vocês o incrível, o extraordinário, o espetacular, o incomparável:
O Homem da Caixa de Fósforo!

Do nada (fade do personagem) aparece um homem com chapéu e sobretudo.
Todos aplaudem a atração.
Ele tira do bolso uma enorme caixa de fósforo dourada e, em seguida, um enorme palito também dourado.
O homem risca o palito na caixa (som ensurdecedor do ato de acender o fósforo).
O homem atira o palito aceso para o alto e o palito se transforma em belíssimos fogos de artifício, caindo então como chuva de prata sobre a platéia.
Surge então um palhaço bem alto e magro trazendo um gramofone nas mãos.
O palhaço dá corda no gramofone e começa-se a ouvir uma música clássica (em alto e bom som “dolby stereo”).
O Homem da Caixa de Fósforo se aproxima do Corcunda, fala alguma coisa em seu ouvido e pega então o megafone.

HOMEM DA CAIXA DE FÓSFORO
O próximo fósforo é em homenagem
à minha querida e amada noiva Bernadete.
Onde você estiver, saiba que eu te amo muito.
Por toda a eternidade e mais além.

O Homem da Caixa de Fósforo acende outro fósforo (som ensurdecedor).
Todos os presentes colocam as mãos nos ouvidos (destaque para Seu Nicolau, o Cangaceiro, Jesus Cristo, Fred).
O Homem da Caixa de Fósforo joga o fósforo bem alto pra cima.
O fósforo aceso vai desenhando no céu o rosto de uma mulher de cabelos longos e lábios carnudos e vai se formando o seu corpo esculturalmente nu.
O Homem da Caixa de Fósforo acende outro fósforo (som ensurdecedor). Novamente as pessoas colocam as mãos nos ouvidos.
O Homem da Caixa de Fósforo joga o fósforo bem alto para cima.
O fósforo aceso vai desenhando no céu o corpo nu do próprio Homem da Caixa de Fósforo.
Aparece o seu rosto sob o seu rosto feito de fogos.
Os dois corpos nus começam a se abraçar e a se beijar e a se acariciar...

CENA 86 -- EXTERIOR/ATRÁS DO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Santa e Samuel continuam dentro da banheira. Um de frente para o outro.
Os dois olham para o céu e vêem os fogos dos dois personagens se acariciando.

SANTA
A festa pelo jeito deve estar boa!

SAMUEL
Mas a nossa festa aqui com certeza está muito melhor.

Samuel e Santa se aproximam mais ainda um do outro e se beijam e se acariciam e começam a fazer amor dentro da banheira.
No céu os riscos e traços luminosos dos dois corpos nus começam a se apagar.

CENA 87 -- EXTERIOR/FRENTE DO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Corcunda anuncia com seu megafone mais uma atração.

CORCUNDA
E agora com vocês,
A sexy, a exuberante, a super gostosa,
a tesuda Mulher Barbada!!!

A mulher barbada é mostrada junto da platéia e então desaparece e aparece ao lado do Corcunda.
A mulher barbada é uma mulher loira de cabelos longos, vestida estilo “Mulher Maravilha” (mas com as cores da bandeira brasileira) com uma enorme barba loira.
Todos aplaudem a atração.

CORCUNDA
Ao vivo e a cores, pela primeira vez
Pela primeiríssima vez
A Mulher Barbada vai realizar algo jamais visto em lugar algum.
Pela primeiríssima vez, a Mulher Barbada vai fazer...
Por favor, ruflem os tambores...

Novamente os três anõezinhos vestidos de palhaços tocam os tambores (o som é quase ensurdecedor).
CORCUNDA
Pela primeira vez em toda a história dos espetáculos
A Mulher Barbada vai, vai, vai...
Vai fazer a própria barba!!!

Na platéia, ouvem-se alguns sussurros de surpresa.
Aparecem então dois artistas vestidos de caveira.
O primeiro traz uma bacia de alumínio com água
E o segundo traz tesoura, navalha, espelho e creme de barbear.

CORCUNDA
E enquanto a Mulher Barbada faz a barba
Vamos ouvir uma composição de Renata e Rita,
as famosas irmãs siamesas do Clube Blue Jazz.

Aparecem então duas irmãs siamesas (grudadas pelo lado).
Cada uma com sua gaitinha de boca.
As duas começam a tocar um blues.
A Mulher Barbada começa a cortar sua longa barba com a tesoura.
Uma das caveiras segura o espelho.
O blues das irmãs siamesas fica mais rápido e a Mulher Barbada vai apressando o corte da barba.
As irmãs siamesas mudam de música.
A Mulher Barbada passa creme de barbear na barba.
As irmãs siamesas apressam o ritmo.
A Mulher Barbada vai tirando a barba com a navalha, tentando acompanhar a música.
Mostram-se alguns rostos curiosos da platéia.
A Mulher Barbada aparece então em “close” sem barba nenhuma.
Sua cabeça dá uma volta no corpo. Uma volta de 360 graus.
Alguns da platéia se admiram: “Uau!!!!!!!!”

CANGACEIRO
(comentário do Cangaceiro para alguém da platéia a seu lado)
Isso aqui já ta virando filme de terror!

CORCUNDA
E agora o mais extraordinário de tudo!
Vamos lá Mulher Barbada!

A Mulher Barbada dá várias voltas de 360 graus, estilo mulher maravilha e quando pára, ela está novamente com sua longa barba.
Todos da platéia se admiram e aplaudem.

CANCAGEIRO
(aplaudindo animado)
Bravo! Bravo! Bravíssimo!

Aparece então a Mulher Barbada agradecendo os aplausos.

CANGACEIRO
(falando baixo no ouvido de quem esta a seu lado)
Sem barba ela até que era bem bonitona.
Ah! Se eu fosse o Lampião, com certeza ela ia ser minha Maria Bonita.

CENA 88 -- EXTERIOR/ ESTRADA/NOITE
Ramiro corre desesperado.
Close do braço fluorescente da loira correndo com seu Megashock emitindo raios.
Som dos raios do Megashock.

CENA 89 -- EXTERIOR/INTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/SALA CASA PALHACO/ NOITE
Fred sentado ao lado de Clarabela assiste agora à apresentação de alguns malabaristas.
Uma mão de palhaço toca nas costas de Fred que está sentado assistindo as apresentações.

PALHAÇO
Olá, lembra de mim!

FRED
(abismado)
Puxa cara, você! Que surpresa!

PALHAÇO
Eu também jamais pensei que fosse encontrá-lo aqui.

FRED
Ah! Este aqui é o meu amigo Clarabela
Clarabela este aqui é o meu amigo Palhaço

Clarabela e o Palhaço se cumprimentam.

CLARABELA
Prazer!

PALHAÇO
Prazer, o meu!

CLARABELA
O banheiro está me chamando
Até daqui a pouco!

Clarabela vai saindo de fininho para dentro do bar o Fim do Mundo.

PALHAÇO
Acho que o seu amigo queria deixar a gente sozinho.

FRED
Mas me diga, como estão as coisas. Melhoraram pelo jeito, não?

PALHAÇO
Cara, aquele dia eu estava realmente mal. Acabei fazendo uma besteira.

FRED
Não me diga que você matou alguém?!

PALHAÇO
Matei!

FRED
Cara, você matou sua mulher? Ou matou o amante dela? Ou pior ainda, matou os dois?

PALHAÇO
Nada disso! Eu matei eu mesmo!

FRED
Como assim?

PALHAÇO
Eu me enforquei, cara!

FRED
Sorte que não deu certo!

PALHAÇO
Quem disse que não deu!?

FRED
Como assim?

PALHAÇO
Eu morri! Eu morri de verdade!

Flashback - Aparecem então os sapatos pontudos e chatos do Palhaço empurrando o banquinho que mantinha o Palhaço de pé (a corda da forca amarrada no lustre da sala).

FRED
Não estou entendendo. Se você morreu,
como você está agora aqui conversando comigo?

Flashback - Aparece então a cabeça e o pescoço do Palhaço se enforcando.

PALHAÇO
Eu estou morto, cara! Eu estou morto,
mas nunca me senti melhor!

Flashback - Aparecem os sapatos de Palhaço tremendo.
E então a cabeça do Palhaço caída para o lado, indicando que ele já está morto.

FRED
Coisa mais louca!

Flashback - Aparece o Palhaço da cintura para baixo.
O palhaço começa a urinar nas calças.
A urina vai caindo no assoalho da sala.

PALHAÇO
Muitas pessoas aqui também estão mortas, assim feito eu.
Outras já foram ressuscitadas.

Fred começa a olhar e encarar as pessoas e artistas que passam por ele.

FRED
E você não foi castigado?

PALHAÇO
Castigado? Ah! Castigado porque me matei!?
Isso não existe, cara! As religiões inventaram essa história de castigo eterno,
tudo para controlar as pessoas até na hora da morte.

FRED
Você tem certeza disso?

PALHAÇO
Eu aqui sou a melhor prova disso! Cara! Puxa, estou com uma fome!

FRED
Fome?

PALHAÇO
É! Fome! Morrer dá uma fome!

FRED
Fome de comida?

PALHAÇO
Fome de tudo! Fome de vida!

CENA 90 -- EXTERIOR/ ESTRADA/NOITE
Ramiro corre desesperado da loira fluorescente. A cada dois segundos ele olha para trás.
A loira fluorescente vem com seu Megashock soltando raios.
Som dos raios do Megashock.
Ao fundo a lua cheia ilumina e acompanha a perseguição.

CENA 91 – EXTERIOR/FRENTE BAR O FIM DO MUNDO/NOITE
Alguns saltimbancos fazem malabarismos.
A platéia aplaude.
Um homem cospe fogo e o fogo se transforma em uma longa cobra de fogo serpenteando pelo ar. (efeito de computação gráfica).
A platéia se admira e aplaude intensamente.
O homem que cospe fogo dá um grande sopro e a cobra de fogo se apaga.
Mais aplausos.

CENA 92 – EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
A loira fluorescente chega cada vez mais próxima de Ramiro.
Som e close do Megashock.
Ramiro olha para trás e tropeça em uma pedra.
Ramiro cai no chão.

CENA 93 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/ NOITE
O Corcunda com seu megafone anuncia outra atração

CORCUNDA
E agora com vocês, o magnífico, o estupendo,
o inacreditável, Homem da Flauta.

O Corcunda aponta para o nada e do nada aparece um homem alto e magricela com sua flauta doce. Surge então a seu lado um cesto de vime.
O homem tira a tampa do cesto, senta no chão e começa a tocar sua flauta doce.
Uma grossa corda começa a subir sozinha como se fosse uma cobra.
Já bem alta, a corda fica dura feito um mastro.
O flautista pára de tocar a flauta e se dirige então para a platéia.

FLAUTISTA
Agora eu preciso de um voluntário para subir nesta corda!
Lá em cima há um presente mágico.
É só desejá-lo com vontade...
Vamos, eu preciso de um candidato!

As pessoas se entreolham (desconfiadas).

FLAUTISTA
Vamos!? Alguém!?
Ninguém aqui quer um presente mágico?
Vamos!? Alguém!?

Timidamente, Carequinha, um dos meninos ressuscitados vai até o tocador de flauta.

FLAUTISTA
Até que enfim apareceu alguém.
Agora sim vocês vão ver algo surpreendente...
Vamos lá menino, ponha a mão na corda!.

Carequinha coloca a mão na corda.

FLAUTISTA
Agora feche os olhos e faço um pedido.
Um pedido bem lá do fundo do coração.
Um pedido especial. O mais especial de todos os pedidos.

Carequinha fecha bem os olhos.

FLAUTISTA
Agora suba na corda. Mas sem abrir os olhos...
Isso! Isso mesmo! Vá subindo.
Mais e mais e mais. Continue assim!
Não desista! Vamos! Falta pouco.
Mais um pouco. Assim...

O Tocador de Flauta olha para cima para acompanhar melhor a subida de Carequinha.

FLAUTISTA
Mais um pouco... Mais um pouco.
Você já vai chegar no sino.
Você está quase lá... Isso!
Isso Mesmo! Agora toque o sino!

Ouve-se o barulho do sino.

CAREQUINHA
(grita)
Cheguei!

FLAUTISTA
Muito bem! Muito bem, garoto!
Agora toque o sino três vezes seguidas.
E pense no seu pedido especial.

Carequinha toca então o sino três vezes.

FLAUTISTA
Muito bem, agora comece a descer.
Venha devagar! Vamos!
Vamos! Mais um pouco! Mais um pouco!

Carequinha chega então ao chão.

FLAUTISTA
Agora olhe pra cima! Olhe pra corda!
Seu pedido está descendo!
O seu pedido já-já vai estar com você!
Mais alguns segundos! Mais alguns segundos!

Desce então pela corda uma mulher mal vestida.

CAREQUINHA
Mãe! Mãe!

Filho e mãe se abraçam. Alguns na platéia fazem um OH! de admiração. Outros simplesmente aplaudem a cena.

CENA 94 -- EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
A Loira Fluorescente chega bem próximo de Ramiro.
Ramiro vê o Megashock e fica morrendo de medo.
Som dos raios do Megashock ampliados no ouvido de Ramiro.

RAMIRO
Não! Não! Por favor não!
Tenha pieda...

Antes de terminar sua fala, a loira aplica o Megashock bem na região genital de Ramiro. Todo o corpo de Ramiro começa a tremer e tremer intensamente.
A Loira mantém o Megashoch em Ramiro por mais de vinte segundos.
O rosto de Ramiro salta várias vezes para frente aos berros.
Ramiro grita, grita, berra...

CENA 95 – EXTERIOR/ FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Corcunda anuncia a próxima atração.

CORCUNDA
E agora, respeitável público, o nosso, o vosso, show de calouros!
E o nosso primeiro calouro é: tchan tchan tchan tchan... Clarabela Aquela!

O Corcunda aponta para trás e um forte holofote ilumina o caminhão de Clarabela.
Sobre o caminhão já está Clarabela segurando um microfone.
Após aplausos, a música “I will survive” começa a tocar e Clarabela passa a dublá-la, dançando com o ritmo. Então um pout-pourri” de várias músicas brasileiras se misturam com a canção “I will survive”.
Muitas dos presentes se aproximam do caminhão e dançam ao redor acompanhando a música.
Gritando em várias partes da apresentação de Clarabela, o Corcunda passa a jogar bananas, abacaxis e bacalhau para a platéia.

CORCUNDA
Quem quer banana? Quem quer banana?
Quem quer abacaxi? Quem quer bacalhau?

Todos aplaudem.

CENA 96 – EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
A Loira Fluorescente fica encarando Ramiro desmaiado e soltando baba pela boca.

LOIRA
(com uma voz sintetizada)
E pensar que eu já fui apaixonada por policiais!

A loira se levanta então toda poderosa.
Em seguida a imagem é captada do chão, mostrando Ramiro desmaiado e a Loira altiva com seu Megashock soltando faíscas e raios.
Close do rosto de Ramiro soltando baba.
A Loira Fluorescente vai então andando pela beira da estrada, com o Megashock soltando raios.

CENA 97 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/ NOITE
O Corcunda anuncia mais uma atração.

CORCUNDA
E agora com vocês mais um calouro. Um mágico.
Alguns dizem que ele é o maior mágico do mundo e portanto de calouro
ele não tem nada. Mesmo assim ele vai se apresentar para nós agora
E então sem mais delongas, aqui com vocês, o grande mágico Jesus Cristo.

Todos aplaudem.
Jesus Cristo se aproxima do homem corcunda e começa então a fazer sua “mágica”.
Primeiro ele aponta a mão direita para a enorme lua atrás do telhado do bar “O Fim do Mundo”. Então ele começa a movimentar sua mão direita e a lua passa a segui-la.
Toda a platéia faz OHHHHH!!!
Cristo faz a lua ir de um lado a outro do céu. Faz a lua subir e descer. Faz a lua dançar.
Todos tentam acompanhar com os olhos a dança da lua.
Por último Cristo começa a puxar a lua com a mão e ela vem vindo vem vindo, vem vindo.
Cada vez maior e maior e maior.
Então Cristo estala o dedo e a lua desaparece do céu.
A platéia faz OHHHHH!!!novamente.
Cristo então abre a mão direita.
E aí , suavemente, a lua cai pequenina e brilhante em sua mão.
Uma lua do tamanho de uma bolinha de tênis de mesa (de um lado a lua é escura, é o lado negro da lua)
Alguns se aproximam para ver a lua.
Cristo coloca a pequena lua na mão de um menino negro e este vai passando para os outros meninos... O último dos meninos passa então a lua para um dos adultos. E a lua continua sendo passada de mão em mão até o último dos adultos, o próprio Jesus Cristo.
Jesus Cristo olha então para o menino negro.

CRISTO
(Cristo fala só no pensamento de Ismael)
Ismael, venha aqui! Ismael...

Ismael vem se aproximando de Cristo.

CRISTO
Ismael...

ISMAEL
Puxa, você sabe o meu nome!
Meus pais bêbados nunca sabem o meu nome!

CRISTO
Eu sabia todos os nomes do mundo.
Agora estou tentando esquecer.
Pra mim não é fácil esquecer.

Cristo pega a mão de Ismael e coloca nela a pequena lua.

CRISTO
Agora ela é toda sua!

ISMAEL
Puxa! Eu sempre quis ter a lua só pra mim.

CRISTO
E eu sempre soube disso!

ISMAEL
Muito obrigado! Que Deus lhe dê em dobro!

CRISTO
Deus nunca dá nada em dobro.
Infelizmente ele é muito mão-de-vaca...

CENA 98 -- EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
Severino vem pedalando a bicicleta (de farol aceso).
Na garupa, Madalena segura sua bíblia inseparável.

MADALENA
Mais depressa, Severino! Mais depressa!

SEVERINO
Calma, mulher desesperada!

MADALENA
(Madalena cutucando o marido)
Que calma, nada! Mais depressa, home!

CENA 99 -- EXTERIOR/FUNDOS DO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Samuel e Santa continuam se acariciando na banheira.

SAMUEL
Meu Quindinzinho, eu te amo tanto.

SANTA
E eu te amo tanto e mais ainda.
Duvido que já tenha existido
um amor tão forte feito o nosso.

SAMUEL
Com certeza, nem mesmo o de Romeu e Julieta.

SANTA
Por você, meu Chulezinho,
eu seria capaz de passar anos na prisão mais horrenda.

SAMUEL
Aqui todas as prisões são horrendas.
Mas não vamos falar delas, pode dar azar.

SANTA
Por você meu Chulezinho, eu seria capaz de...

SAMUEL
(coloca suavemente a mão na boca de Santa)
Agora é a minha vez... Por você Quindinzinho
eu seria capaz de explodir o mundo todo.

SANTA
E onde nós iríamos morar?

SAMUEL
Na Lua!

SANTA
Por falar em Lua, cadê ela?

SAMUEL
Deve ter se escondido atrás de alguma nuvem.

SANTA
Ui! O nosso bebê deu seu primeiro chute!

SAMUEL
(coloca o ouvido na barriga de Santa)
Acho que ele vai ser jogador de futebol do Corinthians.

SANTA
Mas você nem torce pro Corinthians!

SAMUEL
Sabe que eu nem sei por que falei do Corinthians.
As palavras saíram automaticamente da minha boca.

SANTA
Talvez seja um pressagio! Um bom pressagio!

Samuel e Santa se beijam intensamente.

CENA 100 – EXTERIOR/FRENTE DO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Dois palhaços, Chiclete e Goma de Mascar (dois homens borracha) fazem malabarismos e divertem a platéia.
Ismael sorri e olha para a pequena lua brilhante em sua mão.
Fred sentado no chão sorri também.
Cristo solta sua primeira gargalhada.
Madalena e Severino se aproximam de Cristo.

MADALENA
Mas então o senhor é Jesus Cristo mesmo?!

CRISTO
O Senhor está no céu!

MADALENA
Me desculpe, eu jamais conseguiria chamar o senhor de você.

Cristo conversa com um olho em Madalena, com outro olho interessado na apresentação dos palhaços.

CRISTO
Faça um esforço que você consegue!

MADALENA
Mas Jesus, por favor! Não querendo incomodar,
e já incomodando um pouco...
Será que o senhor, quero dizer, será que você podia fazer
uma dedicatória e assinar a minha bíblia?

CRISTO
Mas por que eu?

MADALENA
Por que você é o Filho de Deus!

CRISTO
Todos somos filhos Dele.

SEVERINO
(pega no braço e fala baixinho no ouvido da mulher)
Madalena, pare com isso! Você está enchendo a paciência de Cristo!

MADALENA
Jesus Cristo! Só uma dedicatória e um autógrafo!

CRISTO
Mas não fui eu que escrevi esse livro.

MADALENA
Mas foi o seu Pai! Dá quase no mesmo!

CRISTO
Nosso Pai! Nosso Pai, Madalena!

MADALENA
Severino, ele disse o meu nome!
Severino, Jesus Cristo disse o meu nome!

CRISTO
Desculpe minha senhora, mas eu não posso assinar esse livro.
Ele foi escrito pelos homens.
E tem muitas coisas aí com as quais eu não concordo.
Muitos mataram, matam e ainda matarão em nome desse livro.
Em nome de Deus, fazem o diabo.

MADALENA
Cruz credo! Não fale essa palavra cruz!
(Madalena faz duas vezes o sinal da cruz).

CRISTO
Mas se a senhora quer tanto assim,
eu posso assinar o meu nome em um papel.

MADALENA
(tira um lenço de dentro da bíblia)
Jesus Cristo, se não for pedir muito, por favor autografe aqui
no meu lenço... E não se esqueça da dedicatória!

CENA 101-- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Cangaceiro cochila novamente na rede.
Cachacinha (um dos meniinos ressuscitados por Cristo) se aproxima e devagarinho pega o revólver “Deus és Fiel” que estava sobre a barriga do Cangaceiro.
O menino sai na ponta dos pés para não acordar o Cangaceiro.

CENA 102- EXTERIOR/RESTAURANTE/NOITE
Carros passam pela estrada em frente a um restaurante.
Dentro do restaurante, um homem tomando um copo de cerveja observa pela janela a Loira Fluorescente se aproximando com seu Megashock.
Homem toma a cerveja num gole só.
Loira Fluorescente abre a porta do restaurante.
Som dos raios do Megashock.
Visão geral das pessoas dentro do restaurante todas paralisadas diante da visão da Loira Fluorescente.
A loira caminha com seu megashock soltando raios até uma das mesas vazias e senta-se.
As pessoas continuam paralisadas.
O megashock fica descansando na mesa.
Uma garçonete toda nervosa se aproxima com uma cafeteira de café tremendo também.

GARÇONETE
(falando com dificuldade)
Ca-ca-fé, ma-da-me?

A Loira Fluorescente não diz nada e a Garçonete toda trêmula começa a virar a cafeteira com café sobre a toalha branca da mesa.

LOIRA
(com voz sintetizada)
Me traga uma xícara, por favor!

CENA 103 – INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Seu Nicolau novamente atrás do balcão limpa suas garrafas de cachaça.
Clarabela Aquela surge no balcão.

CLARABELA
Cansou do show?

SEU NICOLAU
Já sei de cor. Fico só no começo.
Minhas cachaças não podem ficar muito
tempo longe de mim. Se não...

CLARABELA
Se não???

SEU NICOLAU
Se não elas perdem o efeito.

CLARABELA
Pelo jeito o senhor esconde muitos segredos.

SEU NICOLAU
Segredos todos temos! E se os temos é
porque os escondemos também. Não é mesmo?

CLARABELA
Com certeza! Com certeza!

SEU NICOLAU
Mas mudando para um assunto mais interessante,
qual cachaça vai ser agora?

CLARABELA
Nem tenho idéia! Acho que pode ser a mesma!

SEU NICOLAU
Nunca escolha a mesma, se você tem tantas possibilidades...

CLARABELA
E o que o senhor me sugere?

CENA 104 – INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Cangaceiro dormindo coloca a mão na barriga e não sente mais o revólver.
Então ele desperta e começa a gritar.

CANGACEIRO
(Já se levantando)
Ladrão! Pega Ladrão! Um ladrão desgraçado
roubou meu DEUS-É-FIEL!

CLARABELA
Ladrão? Onde? Onde?

SEU NICOLAU
Calma! Calma! Aqui não tem ladrão não!
Tudo é de todo mundo!

105 – EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O Cangaceiro anda por entre as pessoas à procura de quem pegou seu revólver.
Passa por capoeiristas dançando com tochas acesas (todos cantam a música “Angola” de Cesaria Évora). Entre tantos sons, o Cangaceiro ouve então alguns tiros e segue na direção deles até encontrar um menino atirando no tronco de uma árvore.
O Cangaceiro se aproxima do menino Cachacinha.
Cachacinha continua mirando e atirando sem parar.
No tronco da árvore há um cartaz com a foto do cangaceiro e a seguinte legenda:
“Procurado vivo ou morto
Recompensa R$ 100.000, 00”.
O cartaz aparece já bem cravado de balas.
O Cangaceiro pega o revólver de Cachacinha.
E segura Cachacinha que passa a espernear sem parar.

CANGACEIRO
Calma! Calma!

CACHACINHA
Me solta! Me solta!

CANGACEIRO
Calma! Eu não vou te machucar!

CACHACINHA
Você já me machucou!

CANGACEIRO
Eu prometo que isso não vai acontecer de novo!

CACHACINHA
Você me matou, lembra?

CANGACEIRO
Fiz tudo em nome de Deus!

O Cangaceiro coloca então a arma na cintura e segura de frente o menino pelos braços.
Dos olhos de Cachacinha, começam a escorrer lágrimas.

CANGACEIRO
Por que você roubou minha arma?

CACHACINHA
Não queria que você matasse mais as criança!

CANGACEIRO
Vejo que é você que está me matando agora!

CACHACINHA
Só de brincadera
Pra acalmar minha raiva.
Acho que eu não seria capaz de matar alguém feito você.

CANGACEIRO
Mas eu não estou matando mais!
Além do mais, aqui no Fim do Mundo
Ninguém mata ninguém.

O Cangaceiro pega Cachacinha no colo e caminha até o bar “O Fim do Mundo”.

CENA 106 – EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Cristo caminha sozinho por entre as pessoas.
Cristo passa por Ismael e mais alguns meninos ressuscitados jogando bolinha de gude.
Cristo acaricia a cabeça de alguns deles.
Ismael joga a pequena lua brilhante contra outras bolinhas de gude.
Cristo continua andando e vai atrás do bar “O Fim do Mundo”.
Cristo passa distante de Samuel e Santa que não o vêem.
Cristo começa a ouvir várias vozes sem significado.

CENA 107 -- EXTERIOR/RUA/ESTRADA/NOITE
A loira fluorescente anda pela estrada com seu Megashoch disparando raios em uma das mãos e na outra com uma cafeteira com café pela metade.
De passos em passos, ela bebe um gole de café.

CENA 108 – INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
O diálogo entre Seu Nicolau e Clarabela continua.

SEU NICOLAU
Clarabela, que tal agora você experimentar
a cachaça da verdade?

CLARABELA
Essa deve ser perigosa!

SEU NICOLAU
Tão perigosa que eu só provei uma vez.
E vou ser sincero, não gostei do resultado.

CLARABELA
Então acho melhor eu não experimentar também.

SEU NICOLAU
Talvez em você o efeito seja diferente.

CLARABELA
Melhor não! Me veja algo menos perigoso.

SEU NICOLAU
(coçando a barba)
Vejamos então! Que tal! Que tal!
A cachaça pega mulherada?

CLARABELA
Tá loco! Dessa eu to fora!

SEU NICOLAU
Vamos ver! Vamos ver!
Acho que tenho uma cachaça mais do que especial aqui.

Seu Nicolau pega uma garrafa com cachaça transparente.
Passa a mão por toda ela e pequenos peixes aparecem nadando dentro do líquido.

CLARABELA
Eu pensei que cachaça era água
que passarinho não bebe
E água em que peixe não nada.

SEU NICOLAU
E você está certo!
Quase certo!

CENA 109 -- EXTERIOR/ESTRADA/NOITE
A Loira Fluorescente acelera os passos. Passa a correr em alta velocidade.
Sempre segurando o seu Megashock.
A Loira Fluorescente passa então por uma placa onde se lê: “Fim do Mundo a 5 km”.

CENA 110 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO UNDO/NOITE
Fred se aproxima do Flautista sentado ao lado de seu cesto.

FRED
Olá, Seu Flautista!

FLAUTISTA
Olá, tudo bom?

FRED
Mais ou menos!

FLAUTISTA
Mais ou menos, por que?

FRED
Mais ou menos até o senhor me ajudar!

FLAUTISTA
Ajudar como?

FRED
Seu Flautista, eu também tenho um desejo! Um grande desejo!

FLAUTISTA
Minha corda está descansando agora.

FRED
Eu posso voltar mais tarde!

FLAUTISTA
Mais tarde ela vai estar descansando também.

FRED
Mas, mas...

FLAUTISTA
Ok! Esse teu olhar de pedinte me convenceu.
Mas não se esqueça que certos desejos
não têm volta. E pelo jeito o seu é um deles.

FRED
Não se preocupe! É isso mesmo que eu quero!.

O Flautista pega então sua flauta e começa a tocá-la.
A corda sobe novamente até ficar dura como um ferro.
Fred sobe pela corda e toca o sino lá em cima.
Quando volta ele não é mais Fred. O que desce em seu lugar é um cachorro dálmata.

CENA 111 – EXTERIOR/ATRAS DO BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Cristo coloca a mãos nos ouvidos tentando não ouvir os insuportáveis pedidos das pessoas. Várias vozes ao mesmo tempo.

VOZES DAS PESSOAS
Cristo, eu te amo. Me dê uma casa nova!

Jesus Cristo, preciso de um emprego urgente!

Jesus Cristinho, me ajuda a encontrar um namorado honesto.

Cristo, não agüento mais minha sogra, dê um jeito nela. Mande ela pra China.

Jesus, sem você eu não sou nada. Me ajuda a comprar um carro novo.

Cristo, Cristo, Cristo, você é toda a minha vida. Por você eu faço qualquer coisa! Por favor, salve a minha mãe, não deixe ela ir embora, eu preciso mais dela do que você.

Cristo faz cara de dor e de desespero ao ouvir todas as vozes implorando sua ajuda.
Cristo se ajoelha no chão.
Sua auréola aparece de novo. Acende e pisca. Acende e pisca
E apaga-se então.
Cristo dá um grito de dor.

CENA 112 – EXTERIOR/ATRAS DO BAR O FIM DO MUNDO/ NOITE
Samuel e Santa dentro da banheira.

SANTA
Que grito foi esse, meu Chulezinho?

SAMUEL
Algum louco bêbado!

SANTA
Acho melhor a gente sair daqui!
Minha pele já está toda enrugada.

SAMUEL
Você fica ótima de qualquer jeito, meu Quindinzinho!

Santa sai nua da banheira e Samuel sai em seguida.

SANTA
(olha para o chão onde estavam jogadas as roupas)
Quindinzinho, roubaram nossas roupas!

SAMUEL
Eu mato o desgraçado que fez isso!
Só pode ter sido um daqueles favelados!
Essa gente só vive mesmo pra roubar.

Flashback - aparece então um menino engatinhando e pegando as roupas que estavam próximas a banheira.

SANTA
Calma, Chulezinho! Calma, Chulezinho!

CENA 113 -- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Seu Nicolau serve a cachaça para Clarabela.
Dois pequenos peixinhos coloridos caem dentro do copo.

CLARABELA
E agora? Eu bebo os peixinhos também?

SEU NICOLAU
Com certeza!

CLARABELA
Coitado dos peixinhos!

SEU NICOLAU
Não precisa ficar com pena deles.
Eles não são peixes de verdade.
Lembra! Os peixes de verdade também
desapareceram da face da Terra.

CLARABELA
Mas eu estou vendo dois peixinhos aqui.
Será que eu estou tão bêbado assim?

SEU NICOLAU
Esses dois peixinhos são só dois desejos.
Dois desejos que quiseram ser peixe.

CLARABELA
Dois desejos?

SEU NICOLAU
Dois desejos que podem ser seus.
Vamos! Beba tudo de uma vez só!

Clarabela bebe a cachaça.

CLARABELA
Ufa! Essa é da boa!

SEU NICOLAU
Quando você precisar de alguma coisa, realmente precisar,
faça um pedido, e se esse pedido for sincero
e verdadeiro, ele irá se realizar.

CLARABELA
Puxa! O senhor fala de um jeito que eu quase acredito!

SEU NICOLAU
Pode acreditar!

Nisso Jesus Cristo entra no bar e senta na banqueta.
As vozes agora embaralhadas continuam perturbando-o.

CRISTO
Seu Nicolau, me veja aquela cachaça que mata as vozes!

Seu Nicolau pega uma garrafa com cachaça vermelha. E serve um trago.

CRISTO
Me veja um copo dos grandes!

SEU NICOLAU
Mas assim você vai matar as vozes para sempre!

CRISTO
É isso mesmo que eu quero!

Seu Nicolau pega um copo de meio litro e enche da cachaça vermelha.
Cristo bebe tudo.
As vozes param de incomodar Cristo.

CRISTO
Estou livre! Agora estou realmente livre dos canalhas!

CENA 114 – EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Samuel e Santa caminham nus e de mãos dadas em direção às apresentações que estão acontecendo.
No caminho, a barriga de Santa começa a crescer e crescer e crescer.

SANTA
Chulezinho, minha barriga tá crescendo!

SAMUEL
Não se preocupe, deve existir uma explicação lógica para isso.

SANTA
Chulezinho, eu estou ficando com medo!

SAMUEL
Meu Quindinzinho, eu estou aqui do seu lado e sempre estarei.

A barriga de Santa fica cada vez maior.

SANTA
Meu Chulezinho, acho que vou explodir!

SAMUEL
Não vai não!

CENA 115 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Vários meninos ressuscitados jogam bolinha de gude.
Ismael joga com a pequena lua brilhante.
Duas meninas pulam corda.

CENA 116 – EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Dois palhaços saem do baú, cada um com uma pilha de roubas de palhaços.
Os dois palhaços passam a distribuí-las para as crianças e para alguns adultos.
Distribuem também narizes de palhaços.
Cristo pega também a roupa de palhaço e passa a vesti-la sobre a sua.
Cristo coloca também um nariz de palhaço.
O Cangaceiro chega perto de Cristo.

CANGACEIRO
Até tu, Cristo?

CRISTO
E por que não? Acho que também sou filho de Deus, não?

CANGACEIRO
Claro! Claro! Com certeza mais do que todos nós aqui!

CRISTO
Faz tempo que eu tenho vontade de me vestir de palhaço.

CANGACEIRO
E eu posso saber por que?

CRISTO
Acho que é porque eu já sinto um palhaço
usado pelas pessoas e pelas religiões há muito tempo.
Então já estava mais do que na hora de colocar a fantasia.

CANGACERIO
Bem, se você pensa assim, quem sou eu pra dizer contra.

CENA 117 -- EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Santa começa a sentir as dores do parto.
Deita no chão com a cabeça apoiada nos braços de Samuel.
Samuel acaricia a cabeça de Santa e a beija várias vezes.

SAMUEL
Calma, Quindinzinho! Tudo vai dar certo! Tudo vai dar certo!

Santa grita de dor.
Samuel segura a cabeça da esposa, preocupado, sem saber o que fazer.

SAMUEL
Calma! Quindinzinho! Calma!

Os gritos de Santa atraem algumas pessoas.
Cristo aparece vestido de palhaço e passa a mão na enorme barriga de Santa.
Salta se acalma.
Cristo faz o parto de Santa, sob os olhares admirados.
Nasce o bebê chorando.

ALGUÉM FALA
É um menino!
É um menino!

Santa segura o bebê sujo de sangue e o beija.
Samuel beija o filho também.
Cristo coloca o dedo no fio umbilical e este se rompe.
Surge novamente a auréola de Cristo.

CENA 118 – EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Saí do baú uma Banda de Pífaros tocando uma valsa.
Todos formam pares e começam a dançar.
Samuel pega o bebê no colo.
Santa se levanta já restabelecida do parto.
Santa e Samuel nus e com o bebê no colo se aproximam das pessoas e começam a dançar também com o bebê entre eles.
A Banda de Pífaros vai tocando e andando por entre as pessoas que estão dançando.
Clarabela dança com o Cangaceiro.
A Mulher barbada dança com o Flautista
O Corcunda dança com uma Anã.
Madalena dança com Severino.
Jesus Cristo de palhaço dança com uma palhaça.
De repente a Banda de Pífaros muda o ritmo musical para um Forró e todos passam a acompanhar.
A loira Fluorescente chega ao bar “O Fim do Mundo” com seu Megashock lançando raios. E observa tudo à distância.

CENA 119 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO
Ismael e algumas das outras crianças ressuscitadas ainda jogam bolinha de gude.
Ismael continua jogando com a sua pequena lua.

CENA 120 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/NOITE
Enquanto as pessoas estão ainda dançando, o Corcunda abre uma pequena caixa dourada de onde começa a sair uma fumaça que vai tomando conta de tudo e de todos que estão ali fora do bar “O Fim do Mundo”.
Todos (com exceção dos Saltimbancos) vão caindo no chão em sono profundo. E ficam então ali mesmo dormindo e roncando.
As crianças que jogavam bolinha de gude também caem no chão e a lua fica na palma da mão de Ismael.
Os saltimbancos entram então no baú mágico.
O palhaço amigo de Fred entra também no baú.
A Loira Fluorescente entra por último no baú mágico.
O homem corcunda fecha o baú e começa a puxá-lo até desaparecer na estrada.

CENA 121 -- EXTERIOR/FRENTE BAR FIM DO MUNDO/AMANHECENDO
O dia começa a amanhecer e muitos ainda estão dormindo em frente ao bar “Fim do Mundo”. Cristo acorda e vai andando no meio das pessoas até chegar perto do Cangaceiro que dorme abraçado à Clarabela Aquela.

CRISTO
(cutuca, sacode o Cangaceiro até acordá-lo)
Posso pegar o furgão emprestado?

CANGACEIRO
(meio sonolento, olha pra Cristo)
Humm! Cristo?!

CRISTO
Sim, eu mesmo!
Posso pegar o furgão emprestado?

CANGACEIRO
(olha para a auréola de Cristo)
Pelo jeito o seu pai lhe perdoou mais rápido desta vez.

CRISTO
Posso pegar o furgão?

CANGACEIRO
Eu prefiro você assim de auréola!

CRISTO
Posso?

CANGACEIRO
Pode! Pode! Eu vou dar um tempo por aqui mesmo.Umas férias, sabe!?
Ah! Mas cuidado, você não tem carteira, não vá matar ninguém por aí

CRISTO
Não se preocupe, isso eu deixo pra você!

Cristo (ainda vestido de palhaço) entra no furgão e sai em disparada “queimando os pneus”.
Na parte de trás do furgão há um enorme adesivo onde se lê: “Propriedade de Jesus”.
O furgão de Cristo passa por um televisor ligado que mostra o gato Garfídio dentro das grades e gritando.

GARFIDIO
Eu sou inocente! Eu sou inocente! Eu sou inocente!

Cena 122 – EXTERIOR/ BAR FIM DO MUNDO/DIA
As pessoas que estavam esparramadas dormindo começam a acordar.
O cachorro Fred caminha entre as pessoas ainda despertando.
Fred lambe o rosto de Clarabela que então acorda.

CLARABELA
Chega, Fred! Chega! Pare com isso! Eu já acordei!

Fred late e abana o rabo.

CENA 123- INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Seu Nicolau continua no bar, atrás do balcão limpando suas garrafas de cachaças mágicas.
Entra um homem maltrapilho (um morto-vivo todo sujo, rosto queimado e meio apodrecido, mãos meio podres).

SEU NICOLAU
(com o pano de limpar balcão e garrafas nas mãos)
O que vai ser, meu amigo?

O morto-vivo senta-se na banqueta e coloca os braços sobre o balcão.

MORTO-VIVO
O que o senhor tem aí?

SEU NICOLAU
Centenas de cachaças, uma melhor que a outra!

MORTO-VIVO
E o que o senhor me sugere?

SEU NICOLAU
Cachaça do amor, cachaça pra ficar invisível, cachaça pra ficar milionário, cachaça da vingança, cachaça para viver de novo. Pra você eu sugiro a cachaça pra viver de novo.

MORTO-VIVO
Mas eu não quero viver de novo!
O que eu quero é morrer em paz.
Me veja aí a cachaça da vingança!

SEU NICOLAU
Tá bom! Aqui o freguês tem sempre razão!

Seu Nicolau pega a garrafa e um copo pra pinga.

MORTO-VIVO
Sem o copo, por favor! Eu quero a garrafa toda.

Seu Nicolau coloca a garrafa no balcão.
O Morto-vivo fica olhando para a garrafa.
Seus olhos por detrás da garrafa.
De repente dentro da garrafa aparece Ramires nadando desesperado.

MORTO-VIVO
(falando consigo mesmo, olhos e boca atrás da garrafa)
Eu vou te beber todinho, seu desgraçado!

SEU NICOLAU
Isso tudo só porque ele mijou em você?

MORTO-VIVO
Mijar num morto é coisa que não se faz.
Mas como o senhor sabe disso?

SEU NICOLAU
Infelizmente eu sei de quase tudo!
E quando não quero saber, bebo uma cachaça.

O Morto-vivo pega a garrafa e começa a beber a cachaça da vingança.
A garrafa na horizontal vai mostrando Ramires nadando desesperado para não ser engolido pelo Morto-vivo.
Ramires acaba entrando na boca do Morto-Vivo.

MORTO-VIVO
Agora já me sinto bem melhor!
Cem por cento melhor!
Acho que já posso morrer definitivamente em paz.
Onde tem um cemitério por aqui?

SEU NICOLAU
Tem um há uns dois quilômetros daqui!

O morto-vivo deixa o balcão e quando já está quase na porta do bar.

SEU NICOLAU
Você não está esquecendo nada?

MORTO VIVO
(Sem se virar para o Seu Nicolau)
Ah! Me desculpe! Quanto é a conta?

SEU NICOLAU
Nada! Aqui ninguém paga pra beber!
Você esqueceu foi a sua mão!

MORTO VIVO
(vira-se para Seu Nicolau)
Que cabeça a minha!
Estou realmente precisando encontrar
uma boa cova pra descansar.

O morto-vivo volta até o balcão, pega sua mão meio podre, baba no toco do braço e cola a mão de novo.

CENA 124 – INTERIOREXTERIOR/ESTRADA/FURGÃO/DIA
Cristo liga o rádio. E vai mudando de estação.
Todas elas só noticiam o desaparecimento da Lua (em trechos diferentes, com locutores diferentes).

CENA 125 -- INTERIOR/ SACADA BAR FIM DO MUNDO/DIA
O morto vivo caminha para fora do bar.
Passa por Clarabela acariciando no colo o cachorro Fred.

CLARABELA
Até mais!
O Morto-vivo continua andando.

CLARABELA
(pensa consigo mesmo, o pensamento aparece em forma de balão,
estilo história em quadrinhos)
Sujeito mais estranho!


O Morto-vivo passa por outras pessoas, pelas crianças brincando e continua andando meio duro e desajeitado, não fala nada, nem olha para trás.


CENA 126 -- EXTERIOR/ESTRADA/FURGAO/DIA
Cristo dirige em alta velocidade.
No rádio um locutor fala.

OFF DO RADIO
Há quase dois anos todos os animais desapareceram
misteriosamente do planeta.
Já rezamos demais e nada aconteceu.
Por que Deus estará nos castigando assim?
O que nós fizemos de tão grave?
Acabar com as florestas, matar os animais,
poluir o Planeta não pode ter sido motivo suficiente para tal castigo divino,
ou será que pode?

De repente, na estrada, aparece o Forreste Gumpe Brasileiro correndo.
Cristo diminui a velocidade e acompanha Forreste Gumpe correndo.

CRISTO
Que tal uma carona?!

FORRESTE GUMPE BRASILEIRO
(falando esbaforido)
Não posso!

CRISTO
É só uma carona, pode confiar em mim, eu sou do bem!

FORRESTE GUMPE BRASILEIRO
Me desculpe, eu não posso!
Preciso bater o meu recorde mundial!

CRISTO
Mas ninguém vai descobrir!
Assim você descansa um pouco!

FORRESTE GUMPE BRASILEIRO
(mais esbaforido ainda)
Não sei não!

CRISTO
Vamos! Vamos!

O Forreste Gumpe Brasileiro pára de tão cansado.
Cristo pára o furgão.
O Forreste Gumpe Brasileiro entra no furgão.

CRISTO
Sinto que você vai bater o recorde mundial!

CENA 127 – EXTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Meninos jogando bolinha de gude com a pequena lua luminosa.
Imagens de maremotos e terremotos.

FIM
CRÉDITOS FINAIS
“OS SALTIMBANCOS NO FIM DO MUNDO”

JUNTO COM OS CRÉDITOS FINAIS APARECERÁ UMA JANELA MOSTRANDO CENAS ADICIONAIS OU QUE FORAM CORTADAS DO FILME.

CENA 128 – EXTERIOR/ESTRADAS/RUAS/DIA/NOITE
Imagens do Forreste Gumpe Brasileiro batendo com a cabeça na parede, chutando latas, jogando seu tênis para cima, tentando arrancar os próprios cabelos.

NARRACAO EM OFF
O Forreste Gumpe Brasileiro acaba de perder a possibilidade
de vencer um recorde mundial. Tudo por que ele foi visto pegando carona
e portanto ele está fora da disputa que valia o prêmio de um milhão.

CENA 129 – INTERIOR/BAR FIM DO MUNDO/DIA
Seu Nicolau dando entrevista para um canal de televisão

REPÓRTER EM OFF
Há quanto tempo o senhor tem este bar?

SEU NICOLAU
Sabe que nem mais me lembro. Ando meio esquecido.
Devo estar bebendo demais a cachaça do esquecimento.

REPORTER EM OFF
E qual a sua idade?

SEU NICOLAU
Bem, isso ainda eu sei.
Mas ninguém iria acreditar se eu contasse.

Toca então o celular de Seu Nicolau durante a entrevista.

SEU NICOLAU
Um momento!

Seu Nicolau tira o celular do bolso e atende.

SEU NICOLAU
Alô!

VOZ EM OFF NO TELEFONE
(voz sintetizada e ameaçadora)
Eu sei o que você fez semana passada!

Seu Nicolau desliga o telefone meio nervoso e se fala `a repórter.

SEU NICOLAU
Engano! Podemos continuar a entrevista!

CENA 130 – INTERIOR/MANSAO DO MILIONARIO/DIA
Genivaldo de perfil sentado em sua confortável poltrona e fumando seu charuto.
O pássaro em origami vem voando e senta-se no braço da poltrona sem Genivaldo notá-lo de imediato.

GENIVALDO
Quem colocou essa coisa aqui?

Close do pássaro em origami.
Genilvado dá um soco no braço da poltrona e amassa o pássaro de papel.
Toca o seu telefone celular e Genivaldo atende.

GENIVALDO
Alô!




LEGENDA FINAL
Se há males que vem para o bem
também há bens
que vem para o mal.




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