Por força de minha profissão, tenho visitado grandes empresas de todos os ramos. Seja para uma entrevista coletiva ou para aquelas reuniões de negócios, onde muito se fala e nada se decide. Isto não é novidade!
O que é novo, entretanto, é o esquema de segurança destas organizações, bem diferente da época em que vivi nesta metrópole, antes de seguir o conselho de Elis Regina e viver por muitos anos em uma casa no campo com meus amigos, discos, livros e nada mais.
Estive há alguns dias em uma multinacional para um compromisso.
Sou extremamente desligado e desprovido de neurónios quando submetido aos desafios da tecnologia.
Na minha era Jurássica era só deixar o RG na portaria. Hoje? Catracas de aço gigantes, càmeras por todos os lados, detector de metais, de mentiras, de caráter, seguranças imensos, maiores que a portaria, vidros fumê Ã prova de bala para falar com uma recepcionista que não se vê, e para acionar a catraca, um bat botão.
Jamais me sentira tão James Bond! Até teria sido tudo uma grande diversão se não tivesse me atrapalhado com o ultra hiper mega equipamento. Fiz feio. Toda a equipe de segurança veio auxiliar. A CIA, o FBI e a Cruz Vermelha. Fiquei preso na catraca monstruosa, tentei passar sem apertar o botão mágico, meu paletó também ficou preso e, por fim, tropecei no degrau frente à placa da CIPA, orgulho da empresa, comunicando que ali não ocorriam acidentes há dois anos. Vão ter que começar a contar de novo! Fui ao chão.
2003, Uma Odisséia na Metrópole - O Filme. No elevador, para lá de futurista, só faltou aquele simpático robozinho de Guerra nas Estrelas. A porta fechou e eu me enrolei todo com os comandos daquela astronave. Cara de bobo frente à s càmaras daquele Big Brother solitário. Com os olhos voltados para uma das càmeras pedi clemência. A porta abriu. Uma bela e gentil mocinha, ensinou, com lousa e tudo, como fazer aquele troço andar para cima. O problema foi que tudo ali era tão inox e brilhante que ofuscou meu raciocínio. Guardei minha palha de aço, saí da panela elevadora e cheguei suando ao meu destino.
A entrevista coletiva já havia começado. Fiz aquela cara de tudo normal. Resgatei o Sean Connery que habita no mais profundo de minh´alma e adentrei ao recinto como um executivo norte americano que reside em um flat computadorizado, totalmente ambientado à s modernidades e que chegara há minutos em seu helicóptero. Sorri com prepotência, para a platéia indiferente. Pura encenação.
Na saída, mesmo com toda a segurança hollywoodiana, ainda apalermado, esqueci de devolver o crachá. E ninguém notou. Está lá em casa como souvenir.
Outra modernidade a que não me adapto de jeito algum é o celular. E olha que eu sou fanático por telefone. E-mail é impessoal demais. A única coisa boa da correspondência virtual é que dificilmente a minha gagueira aparece. Sou gago, mas só quando nervoso. Estou sempre nervoso!
Ao telefone encarno aquela voz de Paramount Pictures e mando bala. Funciona! Ao celular é diferente porque ele sempre toca quando não convém. É regra. Pelo menos comigo! Outro dia alguém ligou para o meu celular tijolo, daqueles que falam, mas não são modernos. Não tem càmera fotográfica, computador, tela colorida, vídeo game, hidromassagem, e outras inovações.
Estava dentro de um ónibus lotado à s 18:45h de uma sexta-feira, hora do rush. Eu não conseguia nem me mexer quanto mais atender ao telefone. E o toque-perfil que escolhi para o meu aparelho é bem discreto: Willian Tell, aquele da cavalaria. O celular estava na minha mala 007, a extensão do meu braço. Missão quase impossível. Empurrei uma meia dúzia de pessoas e, em um esforço sobre humano, com o aparelho berrando, abri minha inseparável bagagem. Todos no ónibus apreciando o espetáculo. Rindo da situação, lógico!
Busquei o tijolo falante no fundo daquele buraco negro sem fim! Consegui alcançá-lo! Finalmente atendi. O problema é que o interlocutor queria saber quem estava falando. Respondi enfático. - Cocom quequem o que o Sr. gostaria de falar? - Quem fala? - O sesesenhor dedeve sasaber com quequequem quer falar, fofofofofoi o senhor que ligou. Um dado técnico: a minha gagueira piora proporcionalmente à tensão nervosa. Quando ele percebeu que falava com a versão remix de alguém, desligou o telefone. Discriminação violenta. Fui aviltado moralmente.
Aparelho fixo é o melhor. Porém, entre o celular e o telefone público, fico com o orelhão, como é chamado carinhosamente em minha metrópole. Basta um cartão e pronto. Ele até recebe chamadas! Fica mais barato disseram. E o telefone público por aqui é agora uma diversão à parte. Os moradores desta cidade estão tão íntimos e sociáveis uns com os outros que estão colando etiquetas com números de seus telefones nos orelhões. Eu achei fantástico! É um progresso sociológico. O único problema é que algumas pessoas colocam detalhes demais sobre si mesmas.
Meu celular está tocando! Com licença.
Silvio Alvarez é assessor de imprensa da banda rock pop Yslauss, artista plástico de colagem e colunista. silvioalvarez@terra.com.br
Ilustrações de Bruno César: brunoartes@uol.com.br