O SONETO
O soneto alcançou seu ápice durante a primeira época clássica portuguesa (1527-1580): Luís Vaz de Camões (1524? -1580), sem dúvida, foi o maior sonetista em vernáculo de todos os tempos. No entanto, conforme Massaud Moisés (. A criação literária. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1971. p.93), o gênero remonta à Idade Média (século XIII). Inclinam-se os estudiosos, depois da pesquisa de G. A. Casareo, a atribuir a paternidade do soneto a Giacomo de Lentino (1180/90? - 1246 ?), siciliano, pertencente ao grupo de poetas que se reuniam na corte de Frederico II, em Palermo, e inspirava-se no trovadorismo provençal.
Dante foi o primeiro poeta eminente que compôs sonetos. No entanto, quem o difundiu por toda a Europa, e depois para todo o mundo ocidental, foi Petrarca, conferindo-lhe condições para tanto: à forma, uma estrutura definida; e ao conteúdo, um teor lírico.
Em Portugal, o soneto foi levado por Sá de Miranda, quando regressou de sua viagem à Itália, em 1527. Esta data, aliás, marca a transição para a primeira época clássica. O soneto foi uma das muitas novidades provenientes da Renascença italiana.
No Brasil, o soneto passou a ser cultivado somente no século XVII, com o grupo de poetas da Bahia: Gregório de Matos em primeiro plano.
A partir do seu “nascimento”, tanto em Portugal como no Brasil, o soneto sempre esteve em evidência. Excetuando alguns momentos de rebeldia antiformalista, como durante o Romantismo e, ainda, na fase iconoclasta do modernismo brasileiro (de 1920 a 1930), o soneto foi a forma poética mais praticada. O parnasianismo, até mesmo, “nele se fundamentou do ponto de vista formal” (Moisés, op. cit., p.94).
No século XX, o soneto persiste. A bandeira da atividade literária, sob o signo da indignação social ou mítica, não deixou de reconhecer sua validade: não em sua estrutura formal, mas no conteúdo que nele se plasma. Isto é significativo de uma tomada de consciência fundamental ao espírito de liberdade criativa: pode-se escrever poesia de valor dentro de um esquema totalmente livre.
No entanto, não se deve deixar de reconhecer que, dentro desta liberdade & 9472; até mesmo quando provida de ímpetos de renovação & 9472; pode-se encontrar, como forma propícia, que atenda a um conteúdo poético determinado (considerando, também, circunstâncias históricas e culturais), uma forma clássica como a do soneto.
Forma e conteúdo se abraçam, numa unicidade indissolúvel, de tal maneira que separá-los consiste em ferir o mecanismo da criação poética. Tal violência em nome da liberdade, mesmo como justificativa de negar um passado reacionário, nos parece inaceitável.
O fato incontestável é que o soneto sobrevive e ganha fôlego:
Talvez se possa dizer, inclusive, que o ressurgimento do soneto na modernidade venha duma como resposta ao caos e ao extremado liberalismo vigentes. Ou como se fosse a busca dum necessário retorno ao equilíbrio voluntariamente perdido, a fim de contrabalançar a dispersão que conduz a encruzilhadas ou a becos sem saída, quando não a estéreis exercícios de “liberdade criadora”. O soneto, universo fechado como um ovo, prestar-se-ia bem para esse reencontro, graças ainda à sua congênita aliança com a música. Seja por isso, seja por uma espécie de obediência a atavismos incoercíveis, seja simplesmente para variar, o certo é que o soneto continua firme nos dias de hoje. (Moisés, op. cit., p.95)
O soneto italiano, clássico, camoniano, aliás, o mais cultivado, é composto de quatorze versos, dispostos em dois quartetos e dois tercetos, geralmente decassílabos, com variável disposição das rimas:
a b b a / a b b a / c d c / d c d ;
a b b a / a b b a / c d e / c d e ;
a b a b / a b a b / c c d / c c d ; etc
De acordo com Moisés (op. cit., p.97), referindo-se aos sonetos produzidos por Camões, argumenta que ele tem o desenvolvimento de uma peça dramática: os dois quartetos apresentam uma exposição e suscitam uma expectativa; o primeiro terceto é o núcleo, uma vez que exibe a situação vigente e anuncia o devir; e o último terceto apresenta o desfecho. Tal desfecho deve proporcionar prazer, além de satisfação pela lógica da argumentação e, ainda, deve surpreender como resultado do jogo de idéias, ou pela ironia ou até & 9472; não seria exagero & 9472; pela catarse, necessariamente presente no último verso, o chamado “fecho de ouro” ou “chave de ouro”.
Dentro desse organismo fechado, em que cada elemento é imprescindível e insubstituível, a palavra, com seu abismo de significação, deve ser meticulosamente investigada, numa somatória de apreensão sentimental, emocional, racional e conceptual, em face ao interminável fluxo da consciência.
A “chave de ouro”, sendo a síntese desse processo dialético, transforma-se numa peça autônoma, numa máxima, numa verdade poética de profunda significação.
O soneto, no entanto, não seduziu somente aos grandes poetas. Sendo assim, encerro com poesia este breve comentário, apresentando uma peça de minha autoria, como exercício de sensibilidade, organização e técnica, isto é, um complemento prático às reflexões teóricas acima apresentadas.
SONETO DA ALIENAÇÃO
Ela é feita no calor do dia,
na noite escura o impressentido abraço.
Sol a sol, copo a copo, passo a passo,
nessa sua inexorável alquimia.
Protege-a ... muralhas de cansaço...
A mão do medo as fez! Quem diria!
E as brancas chagas dessa guerra fria,
e a cada fuga o imprevisível laço.
Ávida, ela sempre está comigo
e me convida ao calor do seu abrigo:
(ou) sigo o rebanho, (ou) sigo a esmo ...
Como se toda a minha parca vida
fosse somente uma nefasta ida:
eu, para mais distante de mim mesmo.
Dante Gatto
Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)
gattod@terra.com.br
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