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Contos-->PÁSSARO URBANO -- 18/11/2003 - 19:10 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PÁSSARO URBANO
Autor: Edson Campolina

O vapor do asfalto quente distorcia as imagens mais distantes. Era o primeiro dia de sol daquela primavera carioca. Sentado no banco do carro sob a sombra da figueira, vidros abertos permitindo sentir a brisa, observava as rolinhas roxas a bicar migalhas no chão e os pardais saltitando sem direção, disputando os grãos em meio às folhas secas caídas. Num instante desta espera, aquela observação o transportou para o quintal da sua Vó Cota, onde de dentro do grande galinheiro cresceu uma mangueira e um pé de laranja d’água proibido para os netos.

Os galhos da mangueira e seus frutos foram divididos entre os quatro irmãos que já conseguiam nela subir. Os galhos do norte, do sul, do sudeste e do oeste, repartidos, foram tomados como propriedade da molecada, e todo o espaço aéreo abaixo. Ali, Eurico, franzino, cabelos castanhos queimados pelo sol, moreno, pés descalços, canelas russas, passava as tardes quentes. Olhar longínquo, a observar o teto da vizinhança, a escola distante, as crianças a correr pelos pátios, os verdes grotões das montanhas mineiras e, em silêncio, filosofava sua infância. Quando maduravam os frutos da laranjeira, subia uma vara de bambu com uma lata vazia amarrada em uma das pontas e de cima da mangueira roubava as laranjas da avó. Em pouco tempo os galhos da mangueira se coloriam com o amarelo das cascas em espiral das laranjas roubadas. Contava com a limitação física da avó que nunca observaria a mangueira de baixo, sob pena de um torcicolo ou se desequilibrar caindo para trás.

Certa feita treinava uma forma rápida de descer da árvore, se preparando para um possível flagrante, e teve a sensação de flutuar do galho até o chão. Enchia os pulmões e saltava. Chegava a fechar os olhos. Nunca esqueceu tal sensação, se via em câmera lenta. Como se os segundos do salto se tornassem longos minutos. Somente experimentaria coisa semelhante nos pesadelos de queda que nos vêm acompanhados do desespero por não sabermos de onde, nem para onde a cair estamos.

Punha-se a imaginar um pássaro que voa alto para alcançar a brisa fresca. Despreocupado do rumo, tinha toda a imensidão do céu. Abrigo à escolha em qualquer árvore. Sem escola, sem afazeres nem deveres, sem perturbações hormonais, apenas liberdade de voar, voar para onde quiser, quando quiser e pousar. Alimentar-se em qualquer parte e cantar. Tentava Eurico assim fugir de suas rotinas com este ideal de liberdade. Uma liberdade que imaginava não alcançar e que hoje, numa metrópole com todos seus compromissos, mais distante ficara. Sem mangueira, sem laranjeira e sem quintal.

Aqueles pássaros urbanos também não alcançariam essa liberdade, pois estavam em meio a pedras, cimento, asfalto e máquinas, a comer restos dos homens que os ignoravam. Tinham um horizonte cinzento e enfumaçado, quando o tinham. Não cantavam, pois não eram ouvidos. Viviam nas sombras, pois a brisa fresca do alto, por máquinas era riscada. Máquinas no alto, no chão, a toda parte. Paredões, fios, poucas árvores, e infrutíferas.

No instante final comungou com aqueles pássaros. Careciam da mesma liberdade que não alcançariam aqui. Mais uma rápida lembrança da infância que o fazia melancólico. E seguiu seu rumo preto e branco, amenizado pelo afago de sua esposa, em direção ao mar que lhe enchia a visão com a imensidão da liberdade das águas a se findarem em horizontes azuis inalcançáveis.


Por: Edson Campolina
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