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Contos-->O que aconteceu com a gente? -- 19/11/2003 - 13:50 (Vanessa Zéfiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O que aconteceu com a gente? Nada, talvez. A música não era de todo ruim. Olhos azuis: I got you under my skin (feito doença). Nos amamos feito cadáveres adiados - nada aconteceu, o tempo passou (eu daqui e você daí). Desencontros. Trancados nesse mundo de mensagens a serem decifradas e metáforas mal resolvidas. Não era pra ser entendido - ou vivido, nem porra nenhuma. Era, antes de tudo, uma doença. Você sob minha pele, crescendo. Ficou em mim feito tumor benigno, sem marcas, sem grandes afetações. Mas ainda assim doença. Destruindo algo em mim, algo sem nome, sem identidade ou sentido. Acabou? Nem sequer começou. Cresceu por não ser nada. Tomou conta de mim, afetou meu campo de visão, mas não faz - nem fazia - mal. Era, só. Encardido feito doença, mas nada mortal. Era isso: o que aconteceu com a gente.

Meus olhos vazios. Sentidos opostos. O que você disse quando se foi? Não lembro - não lembramos. Era só o fim, isso que aconteceu sem acontecer. Tomou forma no vazio - geração espontânea. Conta pra mim que tudo já estava arquitetado, por favor. Assim fica mais fácil - se a culpa é sua e não da inércia dos cadáveres. Eu me lembro de ter olhado pro outro lado, ter dito algo, esse tipo de coisa. Eu me lembro dos olhos azuis, de minha pele e do som bem alto, distorcido. Eu lembro que não deu pra ver o que acontecia entre a gente. Tumor. Um dia assim, apareceu - e não havia explicação, história, apenas era. Cresceu nesse mundo de silêncios, no qual sua ausência física rigorosa deixava claro que alguém sairia perdendo. Não faz mal. Feito gripe, assim. Fácil. Ficaram quantas perguntas?

Eu pretendo esvaziar as prateleiras das suas coisas fúteis. Seus tumores e cálculos renais, restos mortais do seu corpo apodrecido. Nos amamos feito mortos vivos, comedores de cérebro. Não, não era amor, era doença e começou assim.

Desenterramos sentimentos, negamos outras histórias. Éramos violadores dos túmulos que nós mesmos fizemos. Melhor ter deixado como estava. Violados, esses sentimentos me tornaram inútil pro mundo. Incapaz de amar, senão aquele outro cadáver. Duas caveiras, como na canção. Duas caveiras que se amavam. Incapazes de levar as coisas adiante, porque éramos pra sempre adiados, pra sempre preste a, pra sempre. Cresceu sob minha pele, a olhos vistos. Não havia muito o que fazer. Aconteceu. O quê? Com a gente, isso aí. O importante é que desenterramos coisas que nunca haviam sido, quer dizer, construímos novas versões de velhos fatos, alguns até se tornaram mais importantes, mais dolorosos e cancerígenos. Corroíam docemente minha pele fodida pelos anos de reclusão, pela morte prematura. Pela morte do coração. Pela forma que você me matou pro mundo.

Aconteceu com a gente, porque éramos doentes. Túmulos violados dos nossos sentimentos. Alegoria macabra pra algo sem sabor. Repetimos a dose desse amor doentio, dessa carga violenta de campos a preencher. Aconteceu que o silêncio foi invadido por esses pensamentos - você, refeita e ampliada pelas lentes do possível amor adiado. Não faz mal. Eu, da minha parte, quero mais é que se foda. Quero mais é violar o túmulo dessas coisas, desenterrar a merda que escondemos por tanto tempo. Quero algum movimento. Quero você fora da minha vida e essa de volta. Parei, antes de começar - você está sob minha pele (feito doença). Não quero saber, só superar isso - ressuscitar , quem sabe, no terceiro dia e saber que tudo ficou pra trás. Mas acho que não dá, ficam a doença, o tumor, as pomadas e as metáforas mal feitas, mal resolvidas.

Assina a carta de despedida com seus líquidos, suas vontades. Eu não tenho medo, não mais - sobreviverei a sua doença, a nossa doença, simplesmente porque tenho a capacidade de esquecer e esquecer completamente (ou fingir, que é mais fácil). Não quero mais pensar no que aconteceu entre nós. Como se nada tivesse acontecido - e talvez isso seja verdade (e o problema, também).
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