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Contos-->De repente à beira mar -- 20/11/2003 - 14:01 (Plínio Amaro de Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ano: 2049. Local: em uma linda praia em algum lugar.
É de tarde, e estou sentado em um banco à beira-mar,
escrevendo um poema. Eu estou ali, admirando a calma do mar e a beleza da paisagem. Estou sentindo o agradável sol e a leve brisa em minha pele já um pouco desgastada pelo tempo.
Dali, eu observo meus netos brincando na areia da praia. Uma criança que eu não conheço chega e começa a brincar com eles, talvez seja coleguinha deles. Essa tal criança acena em minha direção, mas, como eu não a conheço, deduzo que não seja para mim. Então olho para trás, e uma senhora,já idosa, acena para a criança.
A tal senhora senta ao meu lado no banco, e eu continuo escrevendo. Por alguns minutos, a senhora fica olhando para a criança que acenara para ela. Meu neto então acena e sorri para Em 1997, quando eu escrevi este poema, ele não tinha muito sentido para mim, era mais ficção, e o seu final é da seguinte maneira:
mim. Eu respondo da mesma forma. A senhora ao meu lado, com simpatia, sorri e pergunta se é meu neto. Eu respondo que sim e pergunto se aquela menina que está brincando com meus netos (um casal) é sua neta. Ela responde que sim, então eu pergunto de onde eles se conhecem. Ela me diz que se mudou para o bairro vizinho faz pouco tempo com o marido, a filha, o genro e a neta. Diz também que as primeiras crianças com as quais sua neta fez amizade na nova escola foram meus netos. Eu sorrio e respondo orgulhoso:
- É... Meus netos são crianças muito comunicativas e adoram arranjar novos amiguinhos.
De repente, um relâmpago risca o horizonte. Eu então digo:
- Pelo jeito vai chover. É melhor eu ir embora. Minha filha já deve estar ficando preocupada com as crianças.
A senhora então diz:
- Vou ficar aqui mais um pouco com minha neta. Quando eu perceber que vai começar a chover, eu entro no carro e vou embora. Eu moro a uns cinco minutos daqui.
Então eu digo, já olhando para as nuvens negras que escondem o sol:
- Eu moro aqui perto. Vou andando antes que comece a chover. Não quero me molhar no caminho.
Após eu dizer isto, troveja, e então eu chamo meus netos para irmos embora. Educadamente, eu digo à senhora:
- Foi um prazer conhecê-la. A senhora é muito simpática.
Ela sorri e agradece, então eu digo:
- Meu nome é Augusto...
A senhora então levanta do banco e, ao levantar, diz baixo, antes de eu completar o que eu ia falar:
- Eu sei...
Meus netos chegam apressados querendo ir embora, dizem que não querem pegar chuva. Eu pego na mão deles e começo a andar. Olho para trás e vejo a senhora andando em direção contrária a minha, com sua neta. Então, pergunto o que eu iria perguntar quando meus netos chegaram:
- Ei, senhora! Qual é o seu nome?
Ela olha para trás e responde enigmática:
- Você sabe...
No caminho de casa, fico pensando no que ela falou. Eu não a conheço. Não entendi também porque ela disse, já de costas: “Até amanhã, amigo”.

No dia seguinte de manhã, sem meus netos, eu vou à praia e sento no mesmo banco do dia anterior. Levo um livro para ler e um poema que havia escrito no dia anterior dentro do livro. Depois de ler algumas páginas do livro, olho para o lado e vejo a senhora do dia anterior caminhando em minha direção. Ela novamente senta do meu lado e me pergunta:
- Como vai?
- Tudo bem. E você? – digo cordialmente.
Ela então olha para o papel escrito( o papel onde estava o poema estava funcionando como marcador de página, e uma parte estava visível)e para a caneta que eu seguro e pergunta surpresa:
- Você ainda escreve, Augusto??
Eu estranho um pouco, pois ela disse meu nome com uma certa familiaridade. Além disso, eu fico um pouco intrigado. Se ela perguntasse se eu escrevo, eu entenderia, ela poderia estar querendo puxar assunto. Mas ela perguntou se eu ainda escrevo. Como ela sabe que eu escrevo se eu nem a conheço? Eu respondo educadamente:
- Escrevo sim.
Ela então me pergunta o que eu estou escrevendo, e eu respondo que é um poema. Ela assim pergunta:
- Posso ler?
Eu respondo:
- Pode sim.
Ela lê o poema com um leve sorriso e, quando termina, olha para mim e diz:
- Lindo como sempre.
Eu penso: “Uma fã, ela não poderia ser, pois, se o fosse, não teria perguntado se eu ainda escrevo. Digo fã, pois eu sou escritor e já escrevi vários livros: romances, poesia... e todos fizeram sucesso”. Sendo assim, eu lhe pergunto:
- A senhora me conhece?
- Bem. Há algum tempo atrás, eu te conheci muito bem.- diz, olhando para o mar e com um ar de mistério.
- Desculpe a minha memória, mas... De onde eu a conheço?
Ela olha para mim e responde:
- Da escola.
Então eu penso: “Ela deve ter me conhecido em algumas das escolas em que eu dei aula, e há muito tempo atrás, pois ela me perguntou se eu ainda escrevo, e, no mês passado, eu publiquei um romance e, no ano passado, um livro de poesia. Fã, ela não poderia ser, pois, se o fosse, certamente saberia disto”.
Coloco a mão no queixo e olho fixamente para ela como quem tenta reconhecer uma pessoa e não consegue. Ela então, me olhando deste jeito, diz um pouco triste:
- Como você pode esquecer de mim, James Morgan?
Ouvindo isto, eu confirmo meu pensamento: “É, com certeza ela me conheceu faz muito tempo, pois este era o meu pseudônimo de quando eu era jovem.Eu parei de usá--lo quando eu tinha uns vinte e cinco anos”.Então, eu pergunto, lembrando de onde ela disse que me conhece:
- A senhora me conheceu no Santo Ângelo? – digo isto, porque foi neste colégio em que eu trabalhei pela primeira vez. No último ano da faculdade de Letras, eu comecei a lecionar Português lá. Na época, eu tinha vinte e três anos.
A senhora então sorri alegremente e diz:
- Isso!...Do Santo Ângelo! Lembra??
Eu não me lembro, mas respondo animado para não deixá-la triste:
- Claro que eu lembro!! A senhora trabalhava lá!...
Ela então diz espantada:
- Trabalhava?! Eu nunca trabalhei lá, eu estudei lá!
No início, eu pensava que ela poderia ter a minha idade. Enganei-me, deve ser, no mínimo, sete anos mais nova (melhor dizendo, menos velha). Eu tenho sessenta e oito anos, para ela ter sido minha aluna, ela deve ter uns sessenta e um. Eu lecionei no Santo Ângelo quando tinha vinte e três e fiquei lá ate os vinte e seis. Eu dava aula no primeiro ano do segundo grau, se ela estudou comigo, ela deveria ter, na época, quinze ou dezesseis anos. Para acabar com esta dúvida, eu pergunto: - Desculpe lhe perguntar isso, mas...Qual é a sua idade? - Sessenta e oito. – ela responde.
Novamente, eu faço aquela expressão de quem tenta, mas não consegue lembrar-se de alguém. Ela coloca a mão no meu ombro e diz:
- Augusto...
De novo, ela diz meu nome com uma certa familiaridade. E eu chego a uma conclusão: “Com certeza ela me conheceu há muito tempo atrás. Digo isto, pois faz um bom tempo que eu sou chamado apenas de Guto”. Antes de ela falar qualquer coisa, eu digo:
- Bem, minha senhora, trabalhar a senhora não trabalhou no Santo Ângelo?
- Claro que não. – diz um pouco irritada.
- Com essa idade, muito menos foi minha aluna.
- Aluna?!
- Então o quê?
Ela então diz calmamente:
- Augusto, veja bem...Olha bem para mim, não lembra? – ela então tira os óculos escuros, que até então escondiam seus olhos.
- Eu estou até um pouco constrangido, mas...
- Eu me formei contigo no colégio! Lembra?
Agora ela disse tudo! Como é que eu poderia me esquecer? Além de trabalhar, eu também estudei no Santo Ângelo. Eu sorrio, como quem lembra de algo, e digo:
- Ah!...Agora sim eu me lembro!
- E então? – ela pergunta apreensiva.
Ela tem olhos verdes e, apesar de alguns cabelos brancos, dá para perceber que ela é loira (e que um dia foi muito mais). Então, eu exclamo alegremente, com a certeza de tê-la reconhecido:
- Quanto tempo, Ana Clara!! Como vai você?? – Ana Clara foi uma colega minha no segundo grau, ela era uma menina loira e tinha olhos verdes, muito bonita por sinal.
Mas, em contra partida a minha alegria por pensar que eu havia reconhecido-a, ela diz:
- Ana Clara!? Eu não sou a Ana Clara!
- Como não?!
- Você sabe muito bem quem sou eu. Pára de brincar, que eu já estou ficando chateada com você, Augusto!
- Veja bem, minha senhora, eu não estou mais na idade de brincadeiras desse tipo. Afinal de contas, quem é a senhora? Ontem, a senhora falou que eu sabia seu nome, desculpe, mas eu não sei.
- Olhe para esse poema, que você descobrirá o meu nome.- diz isso e aponta para o papel onde estava escrito o poema.
- Eu não sei do que a senhora está falando...
Ela então tira um papel dobrado da bolsa, abre-o e diz:
- Por favor, Augusto, leia isto.
Eu leio. Percebo, no mesmo instante, que aquilo é uma cópia de uma carta que eu escrevi, quando estava no segundo grau, para uma garota por quem eu era apaixonado. Isto foi, se não me falha a memória, há uns cinqüenta anos atrás. Na parte destacada, estava escrito: “Você sempre estará em minha memória e em minhas poesias”. Com o papel na mão, eu começo a chorar, um frio corre pelo meu corpo, meu coração bate forte e rápido. Sem olhar para o rosto dela, eu digo, com lágrimas pelo meu rosto, já sabendo quem era aquela senhora:
- Não pode ser...
E então, eu olho para ela. Percebo que ela sorri levemente, mas também chora, mas discretamente. Olhando para o rosto daquela senhora, eu digo emocionado e espantado:
- Catarina?!
Ali estava a minha inspiração de quando jovem. A menina que me fez escrever os mais lindos poemas de amor. Ela então olha nos meus olhos. Quando éramos jovens, éramos muito amigos e, para demonstrar confiança, olhávamos nos olhos (bem, eu olhava nos seus olhos mais porque eram lindos e porque eu era apaixonado por ela do que para demonstrar confiança). Então, eu olho profundamente em seus olhos e percebo que o verde dos olhos não perdeu tanto a magia e o brilho da juventude, o brilho que me envolvia, mas não é a mesma coisa. Eu estava muito emocionado e secando as lágrimas. Ela então me abraça, um abraço não tão delicado quanto há cinqüenta anos atrás. Aquela senhora que me abraça então diz triste:
- Você mentiu para mim. Um dia você me disse que jamais ia se esquecer de mim. Eu nunca esqueci de você.
Ali estava a pessoa que, há cinqüenta e quatro anos atrás, me tornou poeta em virtude da paixão que eu sentia por ela. Ali estava a pessoa que, há muito tempo atrás, me fez sofrer e me fez sorrir. Sofrer em virtude da minha falta de coragem em me declarar. Sorrir em virtude das belas poesias que essa paixão platônica me fazia escrever. Por isto, eu digo, abraçado àquela senhora:
- Não, Catarina...- o nome dela, eu não digo com o mesmo prazer de cinqüenta anos atrás, pois não estou mais me dirigindo àquela menina.- ...Eu não me esqueci de você.
- Então, por quê?...
Antes de ela falar mais alguma coisa, eu digo em lágrimas:
- Simplesmente, eu não queria lembrar de você, pois, quando eu lembro de você, eu lembro que...
Eu iria falar que eu lembro que a amo. Mas não era aquela senhora que eu amava e que ainda me inspirava. Aquela senhora era estranha a mim. Quem eu amava era uma linda menina que eu conheci quando tínhamos quatorze anos, e, até os dezoito, tivemos contato, mas, depois disto, nem por carta. A última frase que eu ouvi de sua boca foi: “Me liga... ”. Eu liguei, mas eu lembro que o celular sempre estava desligado. Um certo dia, fui em sua casa para vê-la e conversar com ela, mas ela não morava mais lá. Fiquei triste, meses esperando por uma carta, era o único jeito de fazermos contato, eu não podia fazer nada, pois não sabia seu novo endereço.
Aos sessenta e oito anos, não sei mais se é amor o que eu sinto por aquela menina que há cinqüenta anos, desde 1999, eu não vejo. Só sei que, algumas vezes, eu sinto muita falta dela chamando meu nome, de nossas conversas. Sinto falta da paixão que eu sentia por ela, da vontade que eu tinha de acariciá-la, de beijá-la.
Daquela senhora que me abraça, a última lembrança que eu tenho é a de uma linda e alegre jovem de dezoito anos com um ar juvenil e a delicadeza de uma pétala de rosa. É por isto que eu choro: por saber que “A menina que eu amava se foi”*. Pensando bem, ela não se foi, ela ficou num lugar que eu sei onde é, e até já estive lá, mas isso faz muito tempo, e não posso mais voltar. Este lugar se chama “Passado”.
Na verdade, eu não sei se era amor o que eu sentia, talvez fosse paixão adolescente. A única certeza que tenho é que eu desejava seus lábios, sua pele, sua voz e, inspirado nela, eu escrevia lindos poemas. Eu não devia ter ficado tanto tempo sem ver aquela que era e, que se a visse constantemente, poderia continuar sendo a minha melhor inspiração. Poderia ser até que aquela paixão de jovem se adequasse com o tempo.
Mas, com certeza, aquela imagem juvenil continua me fazendo chorar e me fazendo sorrir. E hoje, aos sessenta e oito anos, chego a uma conclusão: O maior inimigo das paixões adolescentes é o tempo. Quando a paixão termina, restam as boas lembranças da juventude, no meu caso, as lembranças boas de nossa amizade. Mas, quando não termina por completo, além das lembranças, deixa dores e arrependimentos de desejos não realizados.
Sempre usei pseudônimos ingleses para meus poemas, talvez porque sempre tive um fascínio pelo mundo britânico. Mas hoje eu tenho um sentimento que apenas na minha língua, o Português, existe uma palavra que o exprime, que é “saudade”.
E hoje, em 2049, eu percebo o sentido de alguns versos que eu escrevi há mais de cinqüenta anos em um poema chamado “Lembranças”**, que está no meu primeiro livro.

Em 1997, quando eu escrevi este poema, ele não tinha muito sentido para mim, era mais ficção, e o seu final é da seguinte maneira:
“E hoje
Me pergunto:
- Será que rosas vermelhas te ressuscitarão?”

E hoje, em 2049, cinqüenta e dois anos depois, ele tem sentido para mim. Olhando para Catarina de hoje e lembrando da minha Catarina, eu reescrevo os versos finais deste poema da seguinte maneira:
“E hoje
Me pergunto:
- Minha linda jovem Catarina, será que rosas vermelhas te ressuscitarão?”.




* Frase dita por Humbert Humbert, referindo-se à Dolores Haze(Lolita), no filme “Lolita”(2ª versão/1997), de Adrian Lyne. Filme baseado no livro homônimo do escritor russo Vladimir Nabokov(1899-1997), que foi publicado pela primeira vez em 1955.
** Por coincidência ou não, este poema é meu mesmo e está no meu primeiro livro de poesia: “Os campos poéticos de Lord Andersen”(1999).



*Um dos quatro contos do livro "Antes de abrir os olhos", publicado mais recentemente no segundo semestre de 2002.
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