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Infanto_Juvenil-->SANTOS-DUMONT, NO CORAÇÃO DA HUMANIDADE -- 09/03/2003 - 11:49 (Welington Almeida Pinto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Livro: Santos Dumont, no Coração da Humanidade
Autor: Welington Almeida Pinto
Editora: Edições Brasileiras
Tema: Biografia do Pai da Aviação
Número de páginas: 80
ISBN 85-901 689 - 1 - 3
texto integral, sem ilustrações
* Reedição com texto revisado em 34 capítulos

Pela disponibilidade do livro no seu computador, que está integralmente publicado abaixo, Você vai pagar apenas os direitos autorais: R$ 2,00 (dois reais) - o preço de um maço de Marlboro. Mesmo assim, se achar que deve. Então, mande por carta em dinheiro, ticket refeição ou vale transporte, à nossa OFICINA DO LIVRO/SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA, rua Leopoldina, 836/303 – Cep 30330-230 - Belo Horizonte/MG, ou como preferir. Se pensa que nosso trabalho vale um pouco mais, a diferença Você quita com uma atitude de solidariedade à Campanha FOME ZERO: doe um quilo de alimento não perecível a uma instituição filantrópica mais próxima de sua casa.

** PAGAMENTO ESPONTÂNEO – prática usada na Europa há séculos, temos o exemplo do do escambo de jornal. Lá o jornaleiro deixa em vários pontos da cidade uma banqueta com os jornais do dia, ao lado, uma caixinha de madeira com moedas para troco. O consumidor interessado pega o jornal preferido e põe o valor correspondente na caixinha. Se tiver troco, ele mesmo faz a operação.

*** Nos momentos de tensão, alivie o stress mergulhando-se no Mundo da Filosofia, acesse o site: www.welingtonpinto.kit.net/frasescelebres


Santos-Dumont, no Coração da Humanidade
Welington Almeida Pinto

Alberto Santos-Dumont nasceu em 20 de julho de 1873, na Fazenda Cabangu, distrito de João Aires, próximo à antiga Cidade de Palmira, atual Santos Dumont, em Minas Gerais, onde o pai se instalou para construir um trecho de estrada de ferro da Central do Brasil. Consagrado o Pai da Aviação por ser o primeiro inventor na História da Aviação Mundial a levantar vôo por meios mecânicos próprios, oficialmente homologado.
Entre outras invenções, Santos-Dumont criou o Relógio de Pulso, industrializado pela Relojoaria Lecoultre com o nome de Santô e os esquis dotados de motor, aprovados por alpinistas na Suíça.
Primeiro aeronauta a possuir quatro cartas homologadas pela Federação Aeronáutica Internacional, sediada em Bruxelas, Bélgica. São elas: Piloto de Balão Livre, de Balão Dirigível, de Biplano e de Monoplano. Santos-Dumont bateu todos os recordes de velocidade até 1909, quando fez o primeiro raid da aviação reconhecido do Mundo, voando de Saint-Cyr até Buc, na França, país que também o condecorou com o grau máximo de Grande Oficial da Legião de Honra.
Eleito, em 1931, para Academia Brasileira de Letras. Autor de três livros: A Conquista do Ar (1901), Meus Balões (1903) e O Que Eu Vi - O Que Nós Veremos (1918).
Alberto Santos-Dumont passou a figurar, de forma permanente, no Almanaque do Ministério da Aeronáutica, compondo seu quadro de oficiais-aviadores, no posto de Tenente Brigadeiro. Em 23 de setembro de 1959, foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto de lei que concedia ao cientista brasileiro o posto honorífico de Marechal-do-Ar da Força Aérea Brasileira, consagrando de forma sem precedentes, o nome de quem tão alto elevou o Brasil, com o feito extraordinário do 14-Bis.
É o patrono da Força Aérea Brasileira.

2

A INFÂNCIA

Nascido na Fazenda de Cabangu, filho do engenheiro de estrada de ferro e produtor de café, Henrique Dumont, de Diamantina, e de Dona Francisca de Paula Santos, nascida em Ouro Preto. Os irmãos mais velhos eram Henrique, Maria Rosalina, Virgínia, Luis e Gabriela; depois dele, Sofia e Francisca.
Desde cedo, passou a admirar a Natureza, principalmente pela fauna alada. Passava horas e horas observando o movimento dos pássaros, mais ainda quando alçavam vôo ou cortavam o céu, com rapidez e segurança. Também era seu passa-tempo predileto assistir a subida dos pequenos balões de papel, soltos nas festas juninas. Momentos mágicos que seduziam o espírito curioso da Alberto Santos-Dumont.
Os pais, preocupados em oferecer boa educação à família, mantinham-se atentos às indagações e curiosidades dos filhos. Alberto, ativo e interessado por tudo, era o que mais perguntador:
- Pai, por que o homem não tem asas que nem os pássaros?
Henrique punha-se a rir da curiosidade de filho:
- Meu filho, o homem não foi dotado de asas, mas Deus concedeu a ele o dom da inteligência. Você queria mais? Quem sabe, usando essa preciosa graça, um dia voaremos através de uma máquina qualquer! Para os passarinhos esse poder foi ótimo, pois além de ser lindo ver um pássaro voando, mais bonito ainda é admirar um bando em revoada. Mas, o mais importante é que nesse vôo os pássaros prestam um grande serviço à Natureza.
E olhando em direção aos outros filhos em torno da mesa:
- Vocês sabem qual é essa grande tarefa?
- Eu sei - responde Virgínia. Eles comem as frutinhas e saem por aí espalhando suas sementes.
- Isso mesmo!... brada a mãe, orgulhosa.
- Não entendi - franze a testa Alberto, uma das mãos alisando os cabelos.
- Eu explico: pelo cocô - adianta o irmão mais velho, com deboche.
- O quê!... assusta-se Alberto, corado. Pelo quê?...
- Isso mesmo, seu irmão está certo - interfere o pai, sacudindo suavemente a cabeça. - É pelas fezes dos pássaros que muitas sementes de árvores são esparramadas pelos campos, garantindo a formação de florestas ricas em várias espécies de plantas; cada uma distante milhares de metros da outra.
Alberto, invadido por um desejo inquietante de saber, perguntava outra vez: até aqui.
- Pai, o homem deveria ou não voar?
- Seria tudo mais fácil, não? Entre todas as virtudes de sair por ai voando, o bom mesmo seria tornar bem mais curtas as distâncias entre cidades. Que bom, hein ?... Meu filho, voar sempre foi o sonho do homem desde o princípio do mundo. Ícaro, colou penas no corpo com cera e tentou voar, imitando as aves. Agora, inventar uma máquina para voar!... - o pai coça a cabeça, sorrindo - Isso, eu não sei!... Mas, tudo indica que um dia o homem dominará o espaço aéreo. Será !?... Quem viver, verá!.
- Quem foi Ícaro ? - indaga Alberto, curioso.
O pai aponta o dedo indicador para Dona Francisca, piscando o olho direito:
- Sua mãe pode falar melhor do que eu, ela tem mais talento para contar estórias.
- Eu!... Meu bem! Mas..., fui pega de surpresa.
Os filhos apóiam, entusiasmados.
- Conta!... Conta!... Conta!...
Tudo bem. A conversa está boa, mas já está chegando a hora de criança dormir. Assim que eu terminar de falar de Ícaro, cada um chispa para sua cama. Prometem?
Todos concordam. E silenciosos, os olhos pregados na mãe, aguardam pela história.

3
ÍCARO

D. Francisca imposta a voz.
- Ícaro era filho do Arquiteto e Escultor Dédalo, da Mitologia Grega. Um dia, por inveja, Dédalo mata um dos seus discípulos. Procurado pela Justiça, ele e o filho fugem de Atenas para Creta, onde foram contratados pelo Rei Minos para construir um enorme e misterioso labirinto. Depois de algum tempo a obra fica pronta, mas Dédalo desentende-se com o rei. Este, furioso e sentindo-se ofendido, imediatamente manda prender os dois numa ilha bem afastada do Continente, à prova de fuga.
Dédalo, inconformado de estar preso, imaginava que só poderia sair dali pelo ar. Um dia, observando os pássaros, ele sentiu que se pudessem voar seria a salvação dele e do filho. Pensou... Pensou... até que teve a idéia de construir dois pares de asas com penas de aves. Depois de prontas, Dédalo recomenda ao filho:
- Com essas asas vamos voar que nem os grandes pássaros. Olhe lá, não vá se embriagar pelas delícias do vôo e se aproximar muito do Sol. As penas foram coladas com cera. Com o calor mais forte a cera pode derreter e as penas soltarem!... Ouviu, Ícaro?
D. Francisca faz uma pequena pausa:
- O filho, super entusiasmado, jura não voar muito alto. Os dois então sobem no ponto mais alto da mais alta montanha da ilha, amarram nos ombros as asas e se lançam aos ventos. Mas... Seria uma grande fuga, se Ícaro, esquecido das recomendações do pai não voasse tão alto. Não deu outra, a cera não resiste o calor e derrete, soltando todas as penas. Desamparado no ar, Ícaro cai no mar. E no mar morreu. Gostaram ?
- Lindo, mamãe!... – aplaude Alberto com os olhos úmidos de emoção.
- Papai, - quis saber Rosalina - isso foi mesmo verdade ?
- Não - responde o pai, bocejando por baixo do sorriso. – É uma história da Mitologia Grega.
- Hein!... Explique melhor - pede Alberto.
- Mitologia é a história fabulosa dos deuses, semi-deuses e heróis da Antiguidade. A ciência dos mitos. Entenderam ?
- Uai!... Tudo de mentirinha, né?... - exclama Luis, fazendo muxoxo de pouco caso.
- Isso mesmo!... Agora, vamos todos dormir, promessa é dívida - cobra a mãe, levantando-se da cadeira.
- Só uma perguntinha mais, mamãe ?
- Uma só, Rosalina? - a mãe esfrega o nariz com uma das mãos num sinal de consentimento.
- A senhora disse que Dédalo e Ícaro construíram em Creta um labirinto, explique melhor o que é isso.
- Até aqui. Pois sim, meninos. Labirinto é uma construção cheia de caminhos e passagens, dispostos um ao lado do outro. Assim... Assim, confusamente. Um caminho que vai para lá, outro para cá. Uns têm saída; outros, não: uma tremenda confusão - Dona Francisca gesticulava com as mãos no ar tentando dar forma e imagem de um labirinto.
- Mas, e aí ? Para que o Rei de Creta queria o labirinto ? - perguntou Henrique.
- Isso é estória para outro dia, - interrompeu o pai a retorcer com os dedos a ponta da barba, bocejando.
- Ah!... pai. A gente vai dormir com esse mistério todo sem explicação!... - protestava Alberto com pesar.
- Muito bem, filhos - voltou a sentar-se a mãe. Henrique, meu filho, o Rei Minos, de Creta, mandou construir o labirinto para aprisionar um terrível monstro chamado Minotauro. O pior é que, para alimentar o monstro, todo ano, o rei mandava sacrificar sete moças e sete rapazes gregos e os dava de comer ao Minotauro. Isso fazia parte de um ritual, que não poderia ser quebrado. Caso contrário, acreditava-se que uma terrível maldição cairia sobre Creta.
- Mãe, o monstro... ia perguntar alguma coisa Henrique, mas fora imediatamente interrompido por Dona Francisca.
- O monstro, meu filho, foi desafiado por um herói filho do rei grego, chamado Teseu. Era um jovem robusto, guerreiro ágil e, apaixonado por Ariadne, filha do Rei Minos. O herói resolveu encarar o monstro perseguindo-o pelo labirinto. Só que, para não se perder, Ariadne deu ao seu amado um novelo com milhares de metros de linha, para que fosse sendo desenrolado à medida que entrasse no sinistro lugar. Teseu encontrou o monstro, lutou bravamente com ele e o derrotou com sua ferina espada. Para escapar, foi rebobinando a linha até que conseguiu sair são e salvo. Uma festa! O jovem grego, aclamado herói, desposou Ariadne, filha do Rei Minos. Ulá...lalá. Agora, todos para cama. Já-Já!.. Já-Já!.. - Dona Francisca dava sinais de impaciência.
De pé, apoiando-se ora num pé, ora no outro, como se para tapear o sono, Doutor Henrique tomou a decisão de encerrar a sessão de estórias por aquela noite. Levantou a esposa pelos ombros e, rapidamente, os dois puxaram com as mãos, um a um dos filhos, pondo-os de pé. Carinhosamente, os pais beijaram os meninos na fronte, despedindo-se. E foram dormir.
Alberto era um menino talentoso, extremamente curioso, demonstrando gosto pelas coisas raras e originais. Brincava com os irmãos pelos arredores da casa da fazenda, mas também gostava de folhear os livros da biblioteca do pai.
No campo, sua maior diversão era olhar para o céu em busca de um pássaro voando. Observava que uns batiam asas com uma velocidade incrível e havia aqueles, com suas longas e imóveis asas, que planavam por um longo tempo no ar, bem lá no alto. Isso intrigava o menino. Daí, ele começou a soltar pipas de papel. Criou vários modelos e passava horas e horas examinando, com minúcias, o comportamento de cada uma no ar, tirando suas conclusões.

V
PRIMEIROS ESTUDOS

Com dez anos, iniciou seus estudos no Colégio Culto à Sciencia, em Campinas, onde ficou até 1885. Depois, passou por vários colégios em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, encerrando suas atividades estudandis na Escola de Minas de Ouro Preto, sem ter formado em nível superior. Estudante ponderado, Alberto comentava com os colegas sobre o ensino fundamental:
- Precisamos da Escola Fundamental, pelo menos para aprender um pouco, e de tudo. O Mundo assumia complexidade tamanha, impossível de ser acompanhada por espíritos não iluminados através da cultura e da educação. Portanto, era indispensável aprender.
Na fazenda, durante a adolescência, seu lugar preferido era ficar à sombra de uma frondosa mangueira lendo um bom livro, ou estendido de costas ao pé de uma árvore, entretidamente olhando as nuvenzinhas diáfanas, que deslizavam suavemente, no firmamento infinito, repleto de idéias e desejos. Assim, consumia parte de seu tempo refletindo sobre o trecho do livro que acabara de ler, enquanto escutava a melodia magistral do canto dos pássaros, principalmente o silvo repicado dos Chapinhas, aos milhares, que coloriam de amarelo, verde e vermelho os galhos das árvores, o terreiro cevado, os mourões das cercas e currais e as cumeeiras das dezenas de casas da fazenda.
Outro local que adorava e o divertia muito era passar horas e horas na oficina mecânica da fazenda, montando ou desmontando uma ou outra peça, enquanto conversava com os mecânicos. Incomodado, o chefe da oficina perguntava-lhe:
- Não é possível entender você, Alberto. Seu pai já lhe deu os melhores e mais caros colégios do Brasil, e você sempre volta para esta oficina para sujar as mãos de graxa!... Meu patrãozinho, por quê ?
- Uai... Não entende, meu caro escocês Arthur Brown ? Vou explicar-lhe melhor - respondia Alberto com um sorriso irônico.
- Espero que me convença - disse Brown, hasteando os cílios loiros, compactos e compridos que tremiam ligeiramente ao falar, desacreditado.
Alberto assumia uma expressão séria e pronunciava:
- Os estudos regulares, em todas as escolas, em todos os países, em todos os tempos, são os que se referem ao já feito. Com eles, a gente aprende atos que os outros já praticaram, pesquisas que os outros fizeram, conquistas que os outros efetuaram, intuições que os outros tiveram, ou que os outros coordenaram. Com eles, a gente aprende sabedoria já pronta, completa em si.
- Que discurso!...Me convenceu - dizia batendo palmas o mecânico.
- Essa espécie de sabedoria que me querem incultar nada tem com minha personalidade íntima. Eu quero fantasia. E, ao mesmo tempo, quero realização. É meu pai quem manda que eu estude por essa forma. Que assim prossiga meus estudos!... - deixou escapar um risinho maroto.
- Então, você vai voltar para a Escola de Minas ?
- Para aprender, entretanto basta aprender. Simplesmente isso. Não se requer aprendizagem-prodígio. Basta a aprendizagem normal, de boa vontade.
- Você não me respondeu, patrãozinho ? - insistia o encarregado.
- Vou conversar com meu pai - franziu o sobrolho. - Mas... se ele consentir, garanto que nunca mais me dedicarei aos estudos metódicos, programáticos, curriculares. Agora, tenho que seguir o caminho de minhas pretensões futuras. Preciso de Física, Matemática, Mecânica, Eletricidade. Preciso me especializar.
- Oh!... Meu patrãozinho, entenderá assim seu pai ? Aqui na oficina, faça o que quiser. Use e abuse de tudo, estarei sempre por perto.
- Patrãozinho!... - riu da cumplicidade do amigo Brown. - Agradeço. Aprendi muito com você, Brown.
- Mocinho, esse palavreado todo cheio de palavras bonitas me convenceu. Para mim, você já é doutor em montar e desmontar máquinas. Doutor com mãos atoladas na graxa... Ah... Ah... Ah... Dos bons!... - gargalhava Brown, alegre com a amizade de Alberto.
- Você é bom no que faz, quero tê-lo sempre ao meu lado. Tiau... Vou estar com minha mãe, depois eu conto a você se volto ou não para Ouro Preto.
Alberto lia muito e, entre seus livros de cabeceira, estavam os de Júlio Verne (1828-1905), o escritor francês que antecipava muitos progressos da Ciência, narrando aventuras e conquistas futuristas. Era a leitura da rapaziada da época, empolgando a todos com suas mirabolantes idéias sobre o destino da Humanidade. Através da ficção científica, o escritor previa a invenção do avião, do submarino, da televisão, dos mísseis teleguiados e dos satélites artificiais.
As previsões de Júlio Verne encontraram na inteligência aguçada de Alberto receptividade profunda. Mexiam com seu espírito ávido de grandeza, principalmente quando o autor profetizava que: “Um dia, o homem há de voar." Entre as obras de Verne, as que mais o impressionaram foram Cinco Semanas em um Balão e Róbur, o Conquistador, narrando aventuras sobre navegação aérea.
Alberto justificava sua predileção:
- A sadia imaginação deste escritor verdadeiramente grande, atirando com magia sobre as imutáveis leis da matéria, me fascinou desde a infância. Nas suas concepções audaciosas eu via, sem nunca me embaraçar em qualquer dúvida, a mecânica e a ciência dos tempos do porvir, em que o homem, unicamente pelo seu gênio, se transformaria em um semideus.
Durante todas as férias escolares, impreterivelmente, passava seus dias mergulhado nos trabalhos da fazenda do pai, principalmente revolvendo as oficinas, o grande universo do singular e apaixonado Alberto. Rapidamente, se interressou pelo maquinário empregado no campo, dominando seu mecanismo, a ponto de desmontar e montar uma engenhoca daquela, com o domínio de quem possuía larga experiência no assunto. Uma engrenagem, sozinha ou em jogo, era capaz de roubar várias horas do rapaz. Meditava muito sobre o mecanismo dessa peça, como se fosse uma peça mágica, capaz da multiplicação de velocidade do movimento. Ficava fascinado com a ação de uma roda grande engrenada numa outra menor; a maior girava lentamente, enquanto a pequena imprimia uma velocidade brutal. Ou vice-versa.
- É Fantástico! - gritava apertando mais ainda o livro de Júlio Verne ao peito.
Chegava a comentar com o escocês Brown, encarregado da locomotiva que circulava pelos trilhos da Fazenda Dumont, que estas máquinas movidas à tração de vapor, poderiam ser o embrião do Trem Lunar, uma nave espacial imaginada por Júlio Verne para conquistar o espaço atmosférico da Terra.
Alberto era extremamente inteligente; já conhecia tudo sobre todas as máquinas instaladas na fazenda do pai: a roda dágua do monjolo, a mó de um moinho, as barras excêntricas das rodas de uma locomotiva, a roda de uma manivela de uma rudimentar máquina de costura de seu tempo. Parecia ele próprio um dínamo, corpo pequeno, mas vibrátil. Sempre atento, examinava tudo com a certeza de que muita coisa estaria para ser descoberta, aperfeiçoada. Imerso em tais pensamentos estava convencido de que "existia muito espaço para criar, inventar outras possibilidades no universo mecânico."
Certo dia, Doutor Henrique, procurou Alberto para conversar sobre seus estudos. Foi encontrá-lo sentado e lendo à sombra de um abacateiro próximo do casarão da fazenda. Ao ver o pai, levantou-se e saudou-o, carinhosamente:
- Olá, papai! Creio que veio estar comigo.
- Por quê ? - o pai passou a mão pelos cabelos.
- Ora!... Quem vai para algum compromisso mais sério não tem as passadas tão curtas - filosofou Alberto sorrindo.
- Acertou. Eu sempre sei onde encontrá-lo. Por aqui ou nas oficinas, não é ? Precisamos ter uma conversa - adiantou o pai.
- Aqui ou lá dentro ?
- Vamos aproveitar o dia que está lindo e caminhar um pouco. Concorda?
- Lógico - assentiu animado Alberto.
Saíram os dois caminhando distraidamente. Logo, o Doutor Henrique começou a falar:
- Filho, orgulha-me saber que gosta de mecânica. Está atento, observando todos os avanços nessa área. Mas, na escola!... Já estudou nos colégios Culto à Sciencia, Menezes Vieira, Morethzon, Kopke, Morton. Contratei preceptores, nacionais e estrangeiros, para facilitar seu aprendizado... Agora, soube por sua mãe que pretende largar o curso na Escola de Minas, é verdade? - indagou o pai disfarçando um sorriso nervoso nos lábios.
- Sim, papai. Estou pensando, mesmo reconhecendo seu esforço!... Quero que o senhor entenda minha vocação - respondeu Alberto com a voz acanhada, enquando coçava as costas com uma varinha, apanhada de um pé de café, para disfarçar seu nervosismo ao falar daquele assunto.
- Posso entender. Mas, não seria bom formar-se em um Curso Superior ?
- A escola é importante, muito importante... Sei disso. Aprendi um pouco de tudo. Pai, não sinto necessidade de mais aulas de Geografia, de Química, de História. Assimilei o necessário. Nunca fui um aluno prodígio, mas sempre procurei corresponder com um boletim de notas razoáveis - explicava passeando os olhos pela plantação de café, evitando encarar o pai.
- Compreendo, filho. Olhe aqui... percebo sua falta de jeito para ciências não ligadas a Física, Matemática, Mecância. Você já nasceu com uma habilidade extraordinária para desenhar e, sobretudo, é um observador dedicado, nada lhe escapa. O que você pretende fazer, se deixar a Escola de Minas ?
- Bem!... - o estudante ficou um instante pensativo e voltou a olhar o pai de frente. - Pai, meus anseios estão longe dos currículos escolares. Meu desejo de realização é imenso, pede mais coordenação de meus músculos, longe dos poucos trabalhos que as escolas me exigiram. Tudo na escola curricular é diverso do que penso, do que quero. Lutarei para efetivar o que aspiro. Tenho sonhos... Quero tirar os pés do chão - respondeu com desenvoltura.
- Hein!... Não entendi, explique melhor - pediu o pai levantando as sobrancelhas, atento.
- Tenho sonhos. Sonhos!... Muitos sonhos!... - pronunciou em voz alta, respeitosamente.
- Mas, filho...
- Isso tem razões especiais - afirmou apontando o dedo para o alto.
- Filho, você sabe bem o que está dizendo ? - Doutor Henrique meneou a cabeça em sinal de dúvida.
- Pai, quero mais. Muito mais que a escola pode me oferecer. O que já aprendi será imensamente útil. Meu cérebro ferve - declarou com obstinação.
- Não seriam influências das aventuras contadas por Júlio Verne, despertando sua jovem imaginação ? Deverá ler outros autores, os que exploram o lado romântico da vida. Na sua idade, cultiva-se muito o amor... - insistia o pai numa cordial maneira de exprimir-se.
- Não nego!... - Alberto virou os olhos para o céu, assumindo uma expressão séria. - Leio também outros autores, como Machado de Assis, Castro Alves, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Vieira, Eça de Queirós, Balzac, Flaubert, Lorde Byron, Garret, Victor Hugo...devo citar mais ?... Me divertem, adquiro cultura e experiência. São bons autores, mas...
- Preciso entender melhor você, rapaz!... - fitou o filho com um ar inquieto.
- Papai, não tem nada de errado. Só que, na sua cabeça, eu preciso ter um título de doutor. Isso é o que o senhor me passa - resmungou o filho.
- Talvez, tenha razão. Pai é assim mesmo, sempre traçando o futuro dos filhos. Não sei porque, mas achei que deveria seguir a carreira política. O Brasil respira novos ares e precisa de boas cabeças na direção política da Nação, não acha ?
- Carreira política, pai !... - censurou Alberto. - Nunca me interessei por nenhum partido. Admiro a classe, mas daí a ser um membro do Congresso é muito para mim. Me desculpe!...
- Bem, esquece o que eu disse. - Apaga, ouviu?!... - carinhosamente, bateu as mãos nos ombros do filho abrindo o sorriso. - Fale-me do que pretende, realmente.
- Assim é melhor - brincou Alberto. Papai, eu vibro mesmo é com as ciências exatas. São matérias que me absorvem inteiramente. A Mecânica, principalmente. Sinto que com um pouco de raciocínio matemático e um pouco de imaginação, posso refazer, para minha satisfação e uso, traçados e cálculos sugeridos ou resolvidos pelas obras de Júlio Verne.
- Júlio Verne!... Deve ser mesmo um gênio para sugestioná-lo tanto. Não importa. Agora, entendo melhor suas mãos sujas de graxa, seu rosto enlameado de óleo, mexendo nessa e naquela máquina com uma curiosidade de mestre. Posso dizer, com orgulho, depois de tudo que ouvi, que tenho em casa um forte candidato a cientista - brincou sorrindo Doutor Henrique, alongando os braços no vazio.
- Cientista!... Eu, pai!...O senhor está caçoando de mim! - exclamou com humor.
Os dois caíram na gargalhada, descontraidamente.
- Pai, o senhor está exagerando. Sabe como se chama isso ? Corujisse!.. Pai coruja!... Isso que o senhor é!... - brincou dando uma palmada nos ombros do velho pai.
- Meu filho, sempre fui atento aos seus movimentos. Desde Cabangu, observava que, quando olhava para as aves, você queria mais do que vê-las, queria voar. Seus olhinhos acompanhavam, uma a uma, em sua trajetória, voando de um lugar para outro. Era fácil prever que também queria voar, voar com elas. Sempre foi inconformado com o homem não voar. Quando completou quinze anos, visitamos a Feira Industrial de 1888, em São Paulo. Ficou fascinado ao ver um balão voar sobre a cidade. Não desgrudou os olhos das peripécias do aeróstato. Recorda ? - relembrava o pai com ternura especial.
- Como poderia esquecer. Naquele dia, descobri minha aptidão, tive a sensação que poderia fazer alguma coisa pela aerostação. Em Paris, durante o ano de 1891, quando acompanhamos o senhor para tratamento de saúde, pude ver mais balões voando, fiquei doido. Percebi meu destino, incontestavelmente, ligado à navegação aérea - declarou com firmeza.
- Uai!... - surpreendeu-se o pai. - E sua paixão pelo motor a petróleo da exposição do Palácio e Indústria, de Paris ?... Ficou tão entusiasmado com o auto-motor, que me fez comprar aquele Peugeot Phaeton, Type 15, da Usina Valentigney. O primeiro carro que rodou em terras brasileiras, em 1898. Por mim, já havia esquecido os balões e sentia-se feliz por ter trazido para nossa terra o primeiro automóvel.
- Oh, papai!... Qual não foi meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor a petróleo!... Pequeno, compacto e leve, com a força de 3 cavalos, funcionando! Parei diante dele, completamente, fascinado. O senhor tem razão.
- E o carro ?
- Fabuloso. Entretenho-me a estudar seus diversos órgãos e a ação de cada um. Fascina-me desmontá-lo e depois, tornar a montá-lo. Mas, o motor em si é que me atrai. Sonho alto. Na minha cabeça, alguma coisa me diz que balão e motor fazem boa parceria. Sinto que um pode ser atrelado ao outro, e o balão possa ser dirigível. Percebo que uma máquina produzindo força pode controlar a direção e o movimento dessa mesma força - Alberto falou com os olhos cheios de entusiasmo.
- Hein ? Onde você quer chegar ? - espantou-se o pai, surpreso.
- São apenas conjecturas, hipóteses. Nada mais. Eu penso que a imaginação é tão importante como o conhecimento.
- Opa!...Isso é conversa longa. Teremos muito tempo pela frente.
- Com certeza, meu velho. Que seria de mim, sem o apoio de minha família. - Alberto, animosamente, alisou os cabelos brancos do pai com uma das mãos.
- Meu filho, eu e sua mãe sempre estivemos bem pertinho de você, admirando seu interesse por tudo; seu carinho para com todos de nossa família, sua disposição e respeito para com os empregados, sua perseverança em defender seus ideais... Portanto, achamos...
Alberto interrompeu o pai, imaginando que ele ia falar sobre a volta para a Escola de Minas ou outra qualquer, para garantir seu diploma e disse com esperteza:
- Fico meditando sobre as máquinas de nossa fazenda. Gostaria de modificar seu mecanismo, sinto que podem dar mais, produzir mais, ter uma manutenção mais fácil e bem mais econômica. Mas, papai, esperar de seu filho um cientista!... Alberto expressava com admiração, rindo alto.
- E por que não !... Meu Deus, você fala como quem sabe o que quer - Doutor Henrique passou o braço no ombro do filho, e caminharam, voltando rumo à varanda da casa da fazenda. Depois revelou com um sorriso amável e cortês: - Bem, vamos rever nossos planos.
- Que planos ? - indagou o rapaz, curioso.
- Vamos mandá-lo estudar em Paris. Pensávamos que não estava mais se adaptando a Ouro Preto. Em Paris, terminaria seus estudos curriculares. Mas, diante do que conversamos, sua sabedoria convenceu-me do contrário. Na Capital da Ciência, poderá escolher o que aprender, como e da forma que melhor lhe convier.
-Verdade!... recebeu eufórico a notícia e abraçou o pai, demoradamente - É o que eu mais quero. Meu pai, você é o melhor pai do mundo. Ótimo!... Ótimo!... Vou agradecer e abraçar mamãe, sei que o dedo dela está nesta decisão.
De súbito, um zumbido forte e inesperado interrompeu a conversa dos dois deixando-os trepidamente assustados, ensaiando correr. Eram algumas abelhas desgarradas da colméia. Ambos, atrapalhadamente, apertaram os passos em direção ao alpendre, enquanto o Doutor Henrique enxotava aos gemidos uma abelha que se lhe enredara nos cabelos e outra que lhe zumbia por cima da orelha. Não perderam o humor, pondo-se os dois a rir da cena e xingar as danadinhas ao mesmo tempo.
- Ufa!... Diabo de abelhas!... disse o pai, já livre delas, trotando seus passos rumo à varanda.
Alberto também correu ao encontro da mãe, que já aguardava por eles no alpendre da casa, assistindo à comédia deles para se livrarem das abelhas. Emocionada, abraçou o filho longamente, perguntando-lhe preocupada:
- Foi picado, meu filho ?
- No braço, de leve. Papai sim, teve que lutar. Uma abelha o atacou para valer.
- Vou buscar álcool. É bom passar um pouquinho no local - prontificou a mãe,
- Que nada - adiantou Doutor Henrique - na roça a gente usa é terra mesmo. Estendeu uma das mãos até um vaso e colheu um pouco de terra esfregando-a no braço de Alberto e disse: - Isso é bom, meu filho, não deixa inchar.
- Pode inflamar, Henrique!... protestou Dona Francisca, surpresa.
- Depois ele lava com álcool. Valeu a brincadeira. Deixe eu avisar sua mãe que acertamos sua ida para Paris - falou o pai contendo o riso.
- É mesmo!... exclamou a mãe.
- Vou mesmo, mamãe. E quanto antes, melhor.
- Meu coração - disse Dona Francisca com olhos vítreos, ameaçando verter lágrimas - está batendo apertado, mas feliz porque essa decisão será para o seu bem, meu filho.
-Para o bem da Humanidade - apartou o pai orgulhosamente, e levando as duas mãos ao peito concluiu: - As fronteiras do futuro vão-se abrir pelo espírito criativo de nosso filho.
-Papai, também não é assim, seu corujão!... brincou Alberto, esfregando ligeiramente os olhos com os punhos da camisa.
-Amanhã, iremos à Capital e mando lavrar escritura de sua emancipação. Caso contrário, não poderá embarcar - disse o pai.
-Obrigado. Junto aos nossos parentes saberei me comportar em Paris - procurou Alberto tranqüilizar seus pais.
- Lembre-se que você tem pouco mais 18 anos de idade - franziu a testa o pai, cofiando os bigodes. - Saiba usar a liberdade e o dinheiro que lhe estou proporcionando. Tenho ainda alguns anos de vida, quero ver como você se conduz. Paris é um lugar perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem. Em Paris, com o auxílio de nossos parentes, conhecerá especialistas em Física, Química, Mecânica e Eletricidade. Estude essas matérias, o futuro do Mundo está na Mecânica. Você não precisa ganhar a vida, eu lhe deixarei o necessário para viver.
- Oh!... emocionou-se Alberto. Muito, muitíssimo obrigado. Saberei me comportar à altura dos Dumont.
Em seguida, chegaram os irmãos que logo se comoveram com a satisfação de Alberto e o capricho dos pais. Ali, permaneceram muito tempo fazendo os planos da viagem do ente querido.
Alberto Santos-Dumont estava preparado para sentir-se bem num país como a França. Dotado de talento e cultura, era um rapaz comedido; não fumava e só bebia socialmente, em ocasiões festivas, quando apreciava um copo de bom vinho ou de champagne. Metódico, rigorosamente aplicado aos deveres e obrigações de um bom cidadão, exercia perfeito controle sobre si. Seu maior prazer social era escolher uma braçada de flores e enviá-la, acompanhada de um cartão em que redigia frases oportunas e exatas, à destinatária cortejada. Fazia isso com a mesma elegância, correção e respeito com que beijava as mãos de uma dama ou senhora da sociedade.

5
FAZENDA DUMONT, ANTIGA ARINDEÚVA

Henrique Dumont, mineiro de Diamantina, filho de família francesa, formou-se em Engenharia na École Centrale de Arts et Métiers, de Paris, em 1853. De volta ao Brasil, tomou por empreitada a construção de vários trechos de estrada de ferro da Central do Brasil. Mas, seu verdadeiro sonho era fazer fortuna desenvolvendo a agricultura e a pecuária.
Mudando-se para Cabangu, começou explorando a terra nos moldes europeus. O terreno acidentado de Minas e a terra fraca, pouco contribuíram para o sucesso do negócio. Logo, pensou em transferir-se com a família para o Estado de São Paulo, onde corria a fama de terras mais próprias para a agricultura.
Encerrada a empreitada com a Central do Brasil, em 1879, vendeu o sítio de Cabangu. Com o dinheiro, somado às suas economias, conseguiu juntar mais de 300 contos de réis. Reuniu a família e, com 80 escravos, transferiu-se para região de Ribeirão Preto, comprando as terras da Fazenda Arindeúva.
A fazenda, rebatizada de Fazenda Dumont, era uma das mais férteis da região, onde imediatamente preparou a terra para plantio de café, dentro das mais avançadas técnicas agrícolas de que o Mundo civilizado dispunha. O solo rico, aliado ao impulso criador do novo proprietário, e uma administração arrojada, fizeram da fazenda um magnífico império do café, realizando para sua família as riquezas a que aspirava.
Antes mesmo da Lei Áurea, a Fazenda Dumont não mais trabalhava com mão-de-obra escrava, todos já haviam sido alforriados. Os trabalhadores, entre eles os imigrantes, recebiam salários pelo trabalho prestado.
Em 1890, a Fazenda Dumont atingia o seu auge, formando um colossal complexo empresarial com mais de cinco milhões de pés de café em produção, sessenta quilômetros de estrada de ferro interna, além de mais de cem quilômetros de linhas suplementares.
O sucesso era tanto que logo despertou interesse em empresas estrangeiras. Em 1891, Henrique Dumont não resistiu a oferta de uma organização financeira inglesa e vendeu a Fazenda Dumont, pela fabulosa quantia de doze mil contos de réis, o maior preço, até então, pago no Brasil por uma propriedade agrícola. Mas, com uma exigência: que o nome Dumont fosse mantido, pela projeção que o Doutor Henrique Dumont tinha no mercado nacional e internacional do café. Fundou-se então a Dumont Coffee Company.
Em 1942, a fazenda não mais produzia café. Foi loteada, surgindo no lugar o povoado de Dumont, no Município de Ribeirão Preto, elevado a Distrito, em 30 de dezembro de 1953, e a Município em 1964.

6
PARIS - FRANÇA

Em 1892, partiu Alberto Santos-Dumont, com apenas dezenove anos, para conquistar em Paris conhecimentos para sua formação. Lá, viviam os melhores mestres do Mundo moderno, desenvolvendo teorias para o progresso das ciências. A febre estava, naquele momento, concentrada na evolução da Física, da Matemática, da Eletricidade e, principalmente da Mecânica.
Logo que chegou a Paris, Alberto contratou como preceptor o Professor Garcia, francês de origem espanhola, paciente e culto, de barbicha rala. Olhos serenos, de um azul-claro, que se assomavam debaixo de uma densa e castanha sobrancelha, dando-lhe um ar paternal e fraterno. Sua voz era afável e amiga.
O motor a explosão, que estava sendo testado com grande sucesso, foi o primeiro tema que Alberto procurou desenvolver com o professor. Mostrava-se fascinado pela máquina; um motor de combustão interna, sem fornalhas para lenha ou carvão, sem caldeira ou tubos para água fervente, construído com pequenas peças. Bastava um pouquinho de gasolina para funcionar.
Mais tarde, preocupado em aprimorar seus conhecimentos, fez um curso avançado sobre Mecânica, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. De volta a Paris, mergulhou fundo no aperfeiçoamento de suas teorias sobre a Mecânica, principalmente, navegação aérea.
Naquela época, em Paris, a moda entre a rapaziada era andar de mototriciclo, automóveis que invadiam a França para substituir a tração animal. Alberto aderiu e comprou seu veículo motorizado. Divertia e tirava proveito científico e psicológico do esporte. Sobre as três rodas, testava o sentimento de liberdade e movimento, de afrontamento ao perigo e, sobretudo, conquistava a confiança em si mesmo, diante do desafio. Logo, construiu seu triciclo motorizado, mais potente e muito mais veloz.
Apesar do entusiamo pelo automobilismo, não tirava os balões aeróstatos do pensamento, imaginava que seu destino era desafiar o céu, navegando pelos ares. Era palpitante, irresistível sua atração pelas alturas. Resolveu procurar os clubes especializados em balões, onde foi desestimulado de voar.
Desapontado, resolveu dedicar-se inteiramente ao automobilismo.

7
AUTOMOBILISMO
1892
Inicialmente frustadas as tentativas de voar em um balão, Alberto reclamava com os amigos e parentes que os aeronautas mantinham um grupo muito fechado, sem o menor interesse em conduzi-lo ao universo dos balões.
Certo dia, conversando com o Professor Garcia, passou a maior parte do tempo discutindo o assunto:
- Professor, esperei encontrar em Paris balões dirigíveis. Apenas vejo os balões esféricos, como os de Charles, desde 1873! Ninguém se interessou pelos balões de Giffard, alongados e propelidos por motor térmico? Pelos balões dos irmãos Tissadier em 1883 ?
- Verdade! - confirmou o professor.
- Isto me intriga, vou retomar meu interesse pelos balões esféricos.
- Às vezes, me pergunto onde vai chegar o meu aluno Alberto, com tanta obstinação pelo vôo. Entre todos, você é o único que pensa firme no que quer. De onde vem tanta tenacidade ?
- Não posso explicar, mas desde criança eu ficava mergulhado em pensamentos curtindo as compridas tardes ensolaradas do Brasil, minado pelo zumbido dos insetos e pelo grito distante de algum pássaro. Deitado à sombra de uma varanda, eu me detinha horas e horas a contemplar o céu brasileiro e a admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E ao ver as nuvens que flutuavam alegremente à luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espaço livre. Assim, meditando sobre a exploração do grande oceano celeste, eu criava aeronaves e inventava máquinas.
- Bom!... Muito bom! Mas...
- Estou tentando realizar meu sonho, professor. Ainda ontem, folheando o Anuaire Bottin descobri o endereço de um aeronauta profissional. Fui até lá e expus a ele minha vontade de voar. Inicialmente, ele duvidou de minha coragem. Insisti e ele aceitou dizendo que seus honorários seriam de 1.200 francos. E mais, seria eu responsável por qualquer dano à tripulação, a terceiros, ao balão e aos seus acessórios - desabafou Alberto, irritado.
- Brincadeira!... zombou o professor cofiando a barbita pontiaguda. - Então, o que estava coberto pelos 1.200 francos ?
- Espere aí... não terminei. O transporte do balão também seria por minha conta e risco.
- Um absurdo, rapaz! Você topou ? - perguntou o professor, surpreso.
- Lógico que não. Pensei comigo: se arrisco 1.200 francos pelo prazer de uma tarde de vôo, obviamente julgarei se valeu a pena. Se não gostasse, teria perdido o dinheiro. Caso contrário, ficaria tentado a repetir a dose. Aí, não teria dinheiro suficiente para manter minha emoção nas alturas.
- E o Clube dos Aeronautas, desistiu deles ? - indagou o professor.
- Fui rejeitado. Evidentemente, estão decididos a guardar a aerostação só para eles, como um segredo de Estado - concluiu Alberto, irritado.
- Não entendo!... - retrucou o Professor Garcia.
- Cheguei à triste conclusão que eles evitam, a todo custo, que outros aprendam sua profissão. Isso me atazana!...
- É um tipo de defesa mesquinha, muito comum no ser humano de hoje - riu timidamente o professor.
- Tem alguma coisa errada - queixou-se o aluno aborrecido. - Exageram os riscos, os perigos, os danos. Isso me incomoda.
- Alberto, nisso eles têm razão - observou o professor.
- Nem tanto. Quero correr meus riscos, minhas perdas. É o meu sonho. Em conseqüência, me limitei a comprar um novo automóvel.
- O maior problema deve ser sua idade. Soltá-lo pelos ares ao sabor dos ventos é uma grande responsabilidade, não acha ? - indagou o mestre.
- Não importa. Não vou desistir. Outro dia tentarei de novo - o rapaz falou com firmeza, repetindo a frase de Júlio Verne - o homem voará pelos seus próprios meios. Voarei... “ainda que tardia” - aludiu à frase do Movimento da Inconfidência Mineira, de Tiradentes, estampada na Bandeira de Minas Gerais.
- Júlio Verne!... interrompeu o professor demonstrando sabedoria. - Foi ele quem profetizou isso, não foi ?
- Sim, é meu autor de cabeceira. Professor, de voar não vou desistir.
- O ser humano é um animal egocêntrico - filosofou o professor.
Alberto ao ouvir o pensamento do mestre, meneou a cabeça em sinal de aprovação, depois voltou a falar:
- Sinto que tenho energias de sobra. Preciso fazer alguma coisa, seja lá o que for. Por hora, talvez me dedique ao automobilismo. Quero movimento, ação. Quero desafio.
- E como está com o novo automóvel?
- Divirto-me à bessa. Em contrapartida, realizo minhas experiências.
- Bravo!... gosto de aluno com visões amplas - bradou o professor.
- Verá ainda o que farei, Mestre Garcia - sorriu triunfante. - Por hoje, sinto que nossa aula está no fim. Concorda, professor ?
- Como queira, amanhã veremos matéria nova.
- Até logo, disse apertando-lhe a mão com força e saiu.
Durante vários dias Alberto passou realizando corridas de mototriciclo pelas ruas tranqüilas da Cidade-Luz, despertando curiosidade a todos que assistiam ao Brasileiro dirigir seu automóvel.

8
PRIMEIRA CORRIDA AUTOMOBILÍSTICA DO MUNDO

O sucesso sobre as três rodas era tanto, principalmente entre a juventude da época, que logo Alberto pensou criar um evento aproveitando o momento. Reuniu parentes e amigos e revelou a eles sua intenção de promover uma grande corrida de mototriciclos em Paris, com premiação e tudo mais para fazer brilhar um belo espetáculo. Inédito e emocionante.
Apoiado por um grupo de interessados, inicialmente alugou para uma tarde de domingo o Velódromo do Parque dos Príncipes, em Paris , e promoveu a primeira competição de automóvel que se tem notícia no Mundo.
Foi um sucesso de público e de bilheteria, com excelente cobertura pelos jornais da época. Sentiu-se realizado ao perceber que a Humanidade estava ávida por avanços na Mecânica. Queria o desenvolvimento, pedia a integralização do Planeta.
Apesar do grande êxito promovendo eventos automobilísticos, aplaudido por grandes multidões, Alberto abandonou logo o empreendimento. Cada vez mais se convencia de que não teria paz interior enquanto não entrasse para a aerostação.
Tentou o iatismo e o tênis, esportes a que se entregava com imensa alegria, colocando à prova seu fabuloso potencial energético.
Rapidamente, conquistou a França. Na estrada, no mar, nos clubes esportivos, nos salões freqüentados pela alta sociedade, nos teatros, nas exposições, nos centros de recreio, Alberto Santos-Dumont era a figura de destaque, reconhecidamente um jovem bem sucedido.
Mesmo assim, resolveu voltar ao Brasil, onde passou todo seu tempo sem se envolver com balões, motores e vôos. Amargava o arrependimento por não ter insistido até conseguir a ascensão balonística, na França.

9
PARIS EM 1897, PELA TERCEIRA VEZ

Somente em 1897, pela terceira vez, reinstalou-se em Paris. Durante a travessia marítima, leu o livro recém-lançado Andrée - Au Pôle Nord en Ballon, de Lachambre e Machuron, retomando seus interesses pela navegação aérea.
Alberto Santos-Dumont desembarcou em Paris e logo se instalou num pequeno, porém muito confortável apartamento da Avenida Champs Elysées, esquina com Rua Washington, bem ao lado do Arco do Triunfo, distante poucas quadras da Torre Eiffel.
Sua intenção era permancer naquela cidade por um longo tempo e realizar todas experiências mecânicas que fervilhavam em seu cérebro. O clima social de Paris era de muita festa. A França estava mergulhada na euforia dos avanços tecnológicos do fim do Século XIX, prometendo para o próximo Século um substancial desenvolvimento, patrocinado pelas novas descobertas nas áreas de Engenharia Elétrica e Mecância.
Paris acomodava os mais influentes formadores de opinões do Mundo, entre eles grandes líderes empresariais e culturais, como os romancistas Émile Zola, Gide, Proust, Collete, Mallarmé, Valéry, Claudel, Geraudoux; músicos, como Maurice Ravel; pintores, como Auguste Renoir, Picasso e tantos outros nomes, que garantiam à França infinita capacidade criativa, para detonar uma nova revolução cultural e social no Planeta.
A Cidade era conhecida como a Capital das Novidades, das Artes, da Sabedoria e da Ciência. Uma Cidade-Luz acolhendo em seu seio tudo que fosse moderno, extravagante e progressista. A primeira experiência em lançar aos ares um balão de hidrogênio foi em Paris, em 1783, e também foi lá que, em 1852, Henri Giffard demonstrara, pela primeira vez, a possibilidade de dirigir um balão. São fatos e personalidades que febrilmente atraíram Alberto àquela terra.
Agora, com 25 anos, mais maduro e bastante seguro, estava certo de que faria tudo na perseguição de seus objetivos. Queria voar. Decididamente, viera engrossar essa corrente de modernistas. Era um jovem de gênio ambicioso, educado para conquistar um bom e definitivo espaço na aristocracia parisiense.
Da primeira vez que esteve na Capital francesa, em 1891, conheceu o motor a gasolina e observou, do chão, os primeiros vôos em balões. Da segunda vez, em 1892, aperfeiçoou seus estudos de Física, Química, Eletricidade e Mecânica. Não conseguiu voar, ficou frustado e acusou os aeronautas profissionais do Clube de Paris de podarem seu desejo.
No entanto, descobriu nos automóveis uma forma de expandir sua paixão pela mecânica. Promoveu acirradas competições de mototriciclos. Conquistou grandes multidões e ganhou as páginas dos principais jornais da Europa.
“Desta vez, voar e voar”, pensava obsessivamente. Logo, procurou os autores do livro Andrée, senhores Lachambre e Machuron, que mantinham uma oficina, bem equipada e em plena atividade nos subúrbios da Cidade.
O brasileiro apresentou-se como interessado nos balões construídos pela empresa e foi logo elogiando o livro dos construtores:
- Gostei imensamente do livro Andrée e vejo que a oficina está cheia de serviço - o rapaz virava os olhos em todas as direções do local, observando os operários montando balões.
- Obrigado pelo elogio. Mas, voar ainda é uma aventura. Estamos avançando - Lachambre abriu um sorriso esperançoso.
- Eu não tenho a menor dúvida - confirmou o brasileiro, sacudindo a cabeça.
- Você não quer entrar para o escritório ? - sugeriu Lachambre.
- Não, prefiro ficar aqui de pé sentindo o cheiro forte do óleo e ouvindo o som da bigorna - brincou Alberto.
- No Brasil, como é que estão as tentativas em navegar pelos ares? - perguntou Machuron.
- Poucas experiências, sem entusiasmo. Tímidas. - declarou Alberto.
- Muito bem, em que podemos ajudar o cavalheiro ? - perguntou Lachambre com simpatia.
- Quero voar em um de seus balões.
- Voar!... Você terá coragem de sair por aí desgovernado pelos ares da França, ao sabor do vento ? - brincou rindo Machuron.
- É o meu maior sonho - declarou Alberto com satisfação.
- Muito bem - Lachambre coçou a barba com a palma da mão - Mas, além da coragem, você terá que despender 250 francos.
- Duzentos e cinqüenta francos !... - exclamou o Brasileiro, surpreso.
- Uma ascensão de três ou quatro horas, com todas as despesas pagas, incluindo o transporte de volta do balão em caminho de ferro, custar-lhe-á apenas 250 francos. Caro ? - perguntou Lachambre.
- E as avarias ? - arrisca Alberto, apoiando-se ora num pé, ora no outro.
- Mas, - retrucou Machuron, rindo - não vamos ocasionar nenhuma avaria.
- Que bom - sentiu-se aliviado o Brasileiro.
- Fique tranqüilo. Não vamos expor ao perigo uma vida humana sem tomarmos as precauções necessárias para absoluta segurança do vôo. Tudo é checado até o último minuto da ascensão - Lachambre procurou acalmar Alberto.
- E quem sobe comigo ?
- Eu.... É o bastante para confiar, ou não é ? - brincou Machuron.
- Pago agora ou depois do vôo ? - perguntou Alberto já enfiando a mão no bolso.
- Como quiser.
- Metade agora e o resto, depois do vôo. Combinado? - sugeriu Machuron.
- Perfeitamente - concordou Alberto.
A quantia estipulada foi paga e ficou estabelecido o vôo para a manhã do dia seguinte, dependendo apenas do tempo. Satisfeito, Alberto deixou os dois construtores e caminhou para casa do Professor Garcia para anunciar o fato.
- Professor!... Professor!... - gritou Alberto ainda da porta de sua casa.
- Entre e torne a fechar a porta - recomendou o professor.
- Estou feliz, mestre. Muito feliz!...
- Que foi? - perguntou surpreso o Professor Garcia.
- Amanhã, vou realizar meu primeiro vôo de balão. Afinal, é ou não é ocasião para uma bela comemoração ?
- É claro. Claro... Mas, balão!... - o professor ficou um minuto pensativo olhando para o teto. - Você não estava meio desentendido com os aeronautas ?
- Com os profissionais do Clube, sim. Mas, no Brasil, lastimei amargamente não ter insistido no meu projeto de ascensão. Longe de todas as possibilidades, as excessivas pretensões dos aeronautas, pareciam-me de pequena monta.
- Hein!... e daí ?
- Desta vez, percebi que Paris começava a ser um centro de experimentações aerostáticas. Animei-me. Pensei comigo que não enganaria mais meus verdadeiros anseios. Voaria, custasse o que custasse. Procurei diretamente os construtores de balão. Foi ótimo. Digo, com toda sinceridade, que encontrei neles o acolhimento que desejava. Temos pensamentos e idéias parecidos. Tanto, que já decidimos para amanhã a minha primeira ascensão num balão construído pela dupla.
- Que dupla ?
- Lachambre e Machuron.
- Lach... o quê ? - titubeou o professor no nome do balonista.
- Então o mestre não conhece os dois autores mais vendidos na França? - surpreendeu-se Alberto.
- O nome não é estranho...
- Estão aí com o livro Andrée - Au Pôle Nord en Ballon fazendo o maior sucesso. Comprei um exemplar no Brasil e li durante a viagem de volta. Continuava a trabalhar em segredo, sem coragem de pôr em prática as minhas idéias. Esse livro ajudou-me a decidir, de forma irrevogável, a voar. Vou emprestá-lo a você.
- Muito bem, quero ler. Voltando aos balões, você não teme por sua vida ? Já houve tantos acidentes com mortes !...
- Com eles, até então não foi registrado nenhum acidente. São bons. Sabem como fazer o balão subir, permanecer no ar e descer com segurança. Me garantiram que não corro o menor perigo.
- Muito bem, se isso lhe faz bem !... sorriu otimista o Professor Garcia, passando serenidade ao seu aluno. - Com sua avidez de realizar modernidades, nada melhor do que isso - concluiu batendo a mão no ombro de Alberto.
- Professor, preciso tentar. Só assim saberei se meu ideal é viável. Preciso dessa ascensão. Esse é o momento..
- Desejo sucesso a você, meu jovem. Sei que é capaz - declarou o Professor Garcia com um sorriso orgulhoso. - Vou assistir a sua subida, caso não me apareça compromisso pela manhã.
- Sentirei honrado com o estímulo, professor.
- Você pode contar com meu apoio - prontificou o Professor Garcia.
- Obrigado - murmurou Alberto.
Falaram ainda um bom tempo sobre balões. Depois, Alberto retirou-se para sua casa. Estava ansioso, mergulhado em entusiasmo e alegria por ter conseguido marcar sua primeira subida de balão.

10
PRIMEIRO VÔO

O dia amanheceu em boas condições climáticas, e, logo, Alberto apresentou-se no parque de aerostação de Vaugirarde. Não queria perder nenhum detalhe dos preparativos. Somente por volta das onze horas, o balão esférico de 750 metros cúbicos de capacidade encontrava-se pronto para subir: inflado, lastro pronto, uma cestinha com comida para duas refeições, além de champagne, café, duas máquinas fotográficas, o estreante Alberto e o veterano Machuron a bordo.
Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que balançava brandamente sob o balão, enquanto Alberto esperava com impaciência o momento da partida. Ao redor da aeronave, aguardavam o sinal de partida Lachambre, auxiliares e o Professor Garcia.
- Larguem tudo! - ordenou Machuron.
E subiram aos céus, suavemente.
Alberto sorria confiante. Sem demonstrar medo, experimentava sensações inéditas de uma viagem aérea. Paris do alto mostrava-se mais bela ainda, um panorama indescritível. Sua alegria estava visivelmente espelhada nos seus olhos. Faiscantes e ligeiros conferiam cada movimento do balão e, conseqüentemente do companheiro de vôo.
O dia estava ótimo. Céu limpo. Vento soprando devagar, favorecendo um excelente passeio pelos ares ao sabor da leve corrente aérea.
O balão atingiu mais de 3 mil metros de altura. Silêncio total. Alberto deleitava-se com a viagem, tudo era novo, “absolutamente fantástico”, pensava o Brasileiro, fotografando tudo, acompanhando, minuciosamente, as manobras do piloto.
- Machuron - chamou Alberto pelo companheiro que olhava distraidamente para o lado de fora da barquinha.
- Oi!... respondeu virando-se para Alberto com uma das mãos protegendo os olhos.
- Nosso lanche! Já podemos aproveitar a solenidade do céu e fazer nosso piquenique nas alturas, longe dos terráqueos - brincou com ar sereno.
- Pensa em tudo, meu caro Alberto. Você acaba de lembrar ao meu estômago que estou com fome. Afinal, estamos voando há mais de duas horas.
- Como nunca dantes no céu feito, prepare-se para participar do primeiro piquenique no espaço. Celebraremos o passeio no melhor estilo - falou Alberto satisfeito.
- Meu Deus!... Brasileirinho esperto! Mas, o que tem de gostoso nesse cesto ? - perguntou o astronauta num gesto guloso.
- Ovos cozidos - Alberto abriu o cesto.
- Só ovos!... - supreendeu-se o francês.
- Já seria um sucesso comer ovos entre as nuvens e degustar o prazer de ver cá de cima os acidentes geográficos do território francês. Apontar o dedo lá para baixo e dizer: como é lindo o serpentear do Rio Sena, ou do Rio Loire. Não!?... Fique animado, pois aqui tenho carne de vaca, frango assado, queijo, frutas e doces - gritava entusiasmado, retirando do cesto um sanduíche para Machuron.
- Isso é muito bom ! - exprimiu o francês, que depois, passou a assobiar uma toada alegre do popular Can-Can.
Deixaram de lado as máquinas fotográficas e, com o prazer da gula, saborearam aquele inesperado e gostoso piquenique. Livres e leves. Soltos no ar. Depois, abriram o champagne e celebraram a conquista do espaço.
O jovem Alberto não se continha diante da beleza natural do panorama, sem esquecer de aproveitar o momento como uma grande experimentação aeronáutica, atento em lucrar-se com a valiosa experiência de navegação. Observava as correntes de ar, as nuvens, os nevoeiros, as mudanças de temperatura, enfim, todos os fenômenos atmosféricos, tomando nota e registrando tudo, passo a passo. Depois justificou-se:
- Homem nenhum realiza uma grande obra sem estudos, observação, decisão e valentia para driblar as dificuldades e os perigos.
- Você não sentiu vertigem hora nenhuma ? - perguntou o piloto.
- Em nenhum momento. Nem medo. Acho que nasci mesmo para voar - respondeu Alberto sorridente.
Após um cafezinho, concluíram a refeição e retomaram à sessão de fotografias, registrando imagens da exuberante topografia francesa. Lá embaixo a avenida Champ-Elysées, o Louvre, o prado de Bragatelle, a Notre-Dame, os bairros novos, coches parados ou em movimento, gente em dimensão de formigas... Dali, do balão, ele sentia-se um gigante, dominador. A paisagem parisiense pertencia-lhe, lá embaixo tudo parecia de brinquedo.
Permaneceram no ar por três horas e, então, resolveram descer. Para a aterrissagem, escolheram um recanto do parque do Castelo de La Ferrière, então propriedade do senhor Afonso de Rothschild, que, ao perceber a descida do balão em suas terras, reuniu a família, amigos e servidores para receber os balonistas.
- Ora viva, quem me aparece por estas bandas, o pequeno Santô!... Que prazer!... - cumprimentou-o o Senhor Afonso, que o aguardava de pé, de mãos estendidas.
- Ufa!.. Foi esse o primeiro vôo do moço do mototriciclo. Aterramos bem, senhor ? - adiantou Machuron ao ser também abraçado pelo Barão.
- Muito bem!... Muito bem!... - falava entusiasmado o Senhor Afonso.
- É um prazer conhecê-lo e sua digníssima família - Alberto, num sorriso elegante, foi cumprimentando a todos: - Sinto-me imensamente feliz por ter feito meu primeiro vôo e tê-los como testemunhas da segurança e tranqüilidade da descida.
- Ora, o prazer é nosso. Convido-os a tomar um lanche em nossa casa, enquanto mando meu pessoal juntar tudo com o devido cuidado, acondicionar todos o apetrechos numa charrete e, depois deixá-los na estação - ofereceu o nobre.
- Não precisa se incomodar tanto, senhor. Mas, aceitaremos com prazer, será um brinde à nossa aventura - agradeceu Alberto, bem disposto.
Aos dois balonistas, recebidos como gente de coragem por uma família da mais fina estirpe francesa, foi motivo de incentivo, principalmente para Alberto. Conversaram muito e depois partiram para a Estação na condução oferecida pelo generoso senhor. Rapidamente, embarcaram no trem-de-ferro e partiram contentes de volta a Paris.
Depois de certa distância percorrida, Alberto comentou:
- Machuron, achei simpática a família do senhor Afonso de Rothschild.
- Muito - respondeu Machuron distraidamente, olhando a paisagem pela janela do carro.
- O que você está pensando ? - interrogou Alberto curioso.
- O quanto sobrevoamos. Calculo que distanciamos mais de cem quilômetros do ponto de partida.
- Será!... - admirou-se Alberto.
- Pode registrar: como primeira viagem, foi um sucesso. Logicamente, já brindada. No ar e na terra - Machuron brincou, passando a língua nos lábios.
- Magnífico!... Magnífico para a primeira viagem - tornava-se animar Alberto.
- E agora, pretende fazer novas ascensões ? - indagou Machuron.
- E com sua equipe - confirmou o Brasileiro com serena convicção.
- Estamos prontos.
- Amigo, meu entusiasmo não tem limites. Já ando matutando um novo empreendimento. Quero construir um balão para meu uso. Um balão menor, no máximo com cem metros cúbicos. O que acha?
- Cem metros!... - surpreendeu-se o construtor de balões. - É muito pequeno. Pode ter problemas com a estabilidade.
- E Lachambre, será que vai pensar como você ?
- Com certeza, a gente pesquisa balões há bastante tempo. Já pensamos construí-los com a esfera menor. Calculamos ser o projeto arriscado, impossível.
Alberto ergueu os olhos, fitou o piloto e disse, com segurança:
- Nada é absolutamente impossível, Machuron.
- Bem!... - Seria um balão extremamente instável no ar. O aspecto físico de um balão é impossível de ser modificado - explicava o construtor.
- Machuron, me descreve um balão com todos seus detalhes - pediu em tom perspicaz, demonstrando apurado senso investigativo.
- Ora !... Ora, um balão !... Bem, nossos balões são construídos com a mais alta técnica. Usamos ar quente ou gás mais leve que o ar para encher a esfera, que leva presa através de cordas a barquinha para os tripulantes, capaz de suportar até duas pessoas. Nossos balões dispõem de duas únicas manobras. Para subir mais, solta-se o lastro. Para descer, abre-se a válvula que deixa escapar o gás. Simples, não ? - concluía o construtor, sorridente.
- Prometo pensar, parafusar mais a idéia. Depois darei um retorno. Se possível, contrato sua oficina para a construção do meu balão.
- Ah!... Balãozinho de cem metros!... - Machuron olhou para ele com expressão crítica e riu, irônico.
Chegando a Paris, fatigado e muito excitado pela bem sucedida experiência de ascensão, Alberto foi descansar em casa.
No dia seguinte, procurou o Professor Garcia. Discutiram a construção do balão de cem metros cúbicos que havia idealizado. Traçaram vários e vários projetos em busca de ângulos para assegurar a estabilidade de um balão esférico de pequeno porte.
- Professor, - anunciou pensativo Alberto - Machuron me disse que o equilíbrio de um balão pequeno poderá ser perturbado facilmente, porque o seu centro de gravidade está localizado muito perto do bojo. Isto é, da esfera que constitui o próprio balão. Aqui comigo, imagino transferir o centro de gravidade mais para baixo.
- Mas, como ? - inquiriu o professor, recolhendo sua barbicha na palma da mão.
- Isso!...Como ?... Como modificar as condições naturais de uma lei natural ? - questionava seriamente Alberto ao professor e a si mesmo.
- Eis a questão!...
- Podemos aumentar o comprimento das cordas de suspensão da barquinha - esclareceu Alberto coçando o nariz.
- Mas... - ia perguntar o professor, quando Alberto interrompeu-o concluindo seu raciocínio:
- Nesse caso, a barquinha vai operar como se fosse um pêndulo, aqui em baixo de um relógio que seria o corpo esférico do balão, lá em cima - Alberto gesticulava com as mãos tentando desenhar no ar o que imaginara.
- Eureka!... exclamou o professor. Você achou o ponto de estabilidade. Essa é a fórmula para colocar em pé o ovo de Colombo!... - brincou com Alberto batendo com uma das mãos nos seus ombros, rindo. Depois calou-se de repente, pensou e disse: - Não podemos mais perder tempo.
. - Isso, professor ! - confirmou Alberto com ardor. - Vamos desenhar o projeto, efetuar os possíveis cálculos físicos e matemáticos e tentar convencer os construtores a confeccionar meu balão de cem metros cúbicos.
- Bem, só provamos se a teoria é boa, servindo da mesma para ultrapassá-la. Você é uma águia que voa alto, jovem Alberto!... Bravo, solucionado o problema.
- Obrigado pelo elogio. Preciso ter certeza do que estou dizendo.
- Alberto, mudando de assunto, até para aliviar um pouco o raciocínio. Há dias li uma pequena notícia sobre uma tentativa de assassinato do Presidente de seu país.
- Hein!... Tentativa!... onde está o recorte do jornal ?
- Está por aí, vou achá-lo. Não se preocupe. Ele saiu ileso, mas o seu Ministro da Guerra foi esfaqueado pelo agressor e morreu. Imagine que o criminoso era um soldado!... - admirou-se o professor.
- Naturalmente, devia ter queixas do Presidente Prudente de Morais. Muito bem, obrigado pela notícia.
- O Presidente Prudente foi prudente - brincou o professor fazendo trocadilho.
- Certamente!... A vida continua. Professor, tenho que ir - disse e segurou as mãos do mestre nas suas, apertando-as com força, agradecidamente. Depois, dirigiu-se para porta de saída e, ao fechá-la atrás de si, abanou uma das mãos, despedindo-se: - Até amanhã, professor. Vai dar certo!... gritou.
Passados vários dias, o projeto do novo balão ficou pronto. Com ele nas mãos, Alberto procurou a oficina de Lachambre e Machuron, munido também de todos os cálculos possíveis para defender sua idéia. Sem argumentos contrários, os construtores foram convencidos e aceitaram a encomenda para construir um balão esférico de mais ou menos 100 metros cúbicos, elaborado com a resistente seda japonesa, devidamente testada no dinamômetro, a pressão por dentro e por fora.
Alberto, mesmo sem ser engenheiro, sabia encontrar as respostas mais originais e amalucadas para soluções de seus projetos. Não se desencorajava diante dos obstáculos.


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BALÃO BRASIL
O meu primeiro balão,
O menor, O mais lindo
O único que teve o nome:
Brasil.
Alberto Santos-Dumont



Em meados de maio de 1898, o balão esférico projetado por Alberto Santos-Dumont ficou pronto. Pequeno como imaginara, de fácil manobra e bem equilibrado nas cordas de sustentação da barquinha, bem mais longas.
Nascia o Balão Brasil, com 6 metros de diâmetro, usando pela primeira vez a seda japonesa envernizada, que tornava o balão mais leve e com capacidade de suportar uma tensão bem maior.
Dia 4 de junho de l898, diante de uma multidão de curiosos reunidos no Jardim da Aclimação, jornalistas e membros de uma comissão oficial do Aeroclube da França, Alberto realizou a primeira subida aos céus da Cidade-Luz, em um balão trazendo novidades: menor e mais prático.
Ao descer declarou:
- O Brasil é muito manejável no ar e muito dócil. É, além do mais, fácil de embalar após a descida: foi com razão que espalharam que eu o carreguei numa maleta. Para se ter idéia do que é esse balãozinho em comparação com os outros, basta dizer-se que tem 113 metros cúbicos de capacidade, pesando o invólucro somente 3 quilos e meio, que, acrescido das camadas de verniz, davam-lhe um peso de 14 quilos. A rede, que geralmente pesava 50 quilos, não passou de 1.800 gramas. A barquinha, que era de 30, pesa apenas 6 quilos. Finalmente, a âncora, substituída por um arpéu de ferro, que pesa 3 quilos..
Até a construção do Brasil, Alberto realizou mais de 30 ascensões em balões a ele confiados para provas técnicas, ou alugados, por ele, para comprovações ou refutações de idéias que emergiam de seu cérebro.
Eram ascensões corajosas, cheias de imprevistos. Diariamente, enfrentava um constante desafio: ora um comportamento inesperado do balão, sem motivo aparente, ora uma tempestade súbita, ou aterragens distantes, muitas vezes à noite.
Enfim, problemas inevitáveis que contribuíram para aperfeiçoar seu domínio técnico de pilotagem balonística, como também para adquirir maior segurança e confiança ao assumir seus desafios. Iniciativas, quase sempre, criticadas pelas autoridades em aerostação ( a arte de construir ou dirigir balões aeróstatos - aeronáutica ainda não existia).
A tranqüilidade com que o balãozinho Brasil portou-se no céu, veio celebrar o talento inquestionável de seu projetista. O sucesso foi imediatamente reconhecido. A consagração veio com a vitória de uma prova em que participaram 12 competidores. O Brasil atingiu uma altitude superior a todos, mantendo-se no ar 21 horas e 50 minutos, antes de aterrissar no interior da França.
O Brasil foi um símbolo, uma mostra vigorosa de suas lutas futuras, devidamente enquadradas no espírito que se baseou a construção do seu primeiro balão: estudos profundos, métodos, audácia, coragem, convicção, gênio criativo e intuição especial para solução dos problemas aeronáuticos.
O êxito do seu balão determinou sua carreira de inventor e abriu espaço no seleto grupo de cientistas estabelecidos na França.
A partir daí, Santos-Dumont aprensentou vários ensaios sobre o aperfeiçoamento da aerostação, projetando balões de formas oblonga, ovóide ou charutiforme: os dirigíveis. Desenvolvia a teoria do inventor francês Henri Giffard, que, em 1852, demonstrou a possibilidade de dirigir um balão, propelido por uma hélice adaptada a um motor a gasolina.
- É um absurdo que outros inventores ainda não tenham feito o balão dirigível - criticava Alberto nas reuniões entre aeronautas.
Portanto, caberia a ele colocar em prática as hipóteses defendidas por Giffard, seria o responsável pela dirigibilidade do balão de hidrogênio.

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OS DIRIGÍVEIS

Até então, uma ascensão balonística era feita sem previsão do destino do aparelho, muito menos onde aterraria, totalmente dependente dos fenômenos atmosféricos. Até então, homem nenhum havia conseguido partir de um local, subir aos ares e retornar ao local da partida. Várias foram as tentativas pelo Mundo, todas frustadas.
Coube ao Brasileiro a tarefa de dar dirigibilidade a balões. Em setembro de 1898, ele exibiu ao público parisiense um engenho totalmente novo, de forma ovóide, mais parecido a um charuto, o Santos-Dumont Nº. 1.
Partindo da tese conhecida por Princípio de Arquimedes "...pelo qual um corpo imerso em um fluido sofre a ação de uma força de empuxo igual ao peso do fluido deslocado”, aplicando seus conhecimentos de Física, de Matemática, de Navegação Aérea e de inventor, ele construiu o primeiro dirigível.
Em sua própria bigorna, modelou um leme para governar a hélice, composta de uma pá de duas pontas torcidas, capaz de “remar no ar”, com a função de impulsionar o balão para frente, acionado por um motor movido a gasolina ( o mesmo de automóvel) leve ( 30 K ) e potente (3,5 HP ). Para testá-lo, Alberto adaptou o motor a um triciclo, reuniu seus mecânicos e foram todos para o parque Bois de Boulogne. Lá, mandou dependurar o mototriciclo num galho horizontal de uma grande árvore, fazendo-o funcionar por um bom tempo. Ficou surpreso com o resultado, ao verificar que a trepidação no ar era bem menor do que em terra.
- Nesse dia, - declarou - começou minha vida de inventor. O motor de meu triciclo ali suspenso vibrava tão agradavelmente que parecia parado.
Entre os acessórios vitais ao bom desempenho do novo balão, outro desafio estava em descobrir um local seguro para o cano de descarga do motor. Foi necessário projetá-lo invertido, encurvado para baixo, para garantir a proteção do invólucro de hidrogênio, gás altamente inflamável, que se atingido por uma fagulha poderia provocar uma explosão.
Dia 18 de setembro de 1898 Alberto demonstrou, pela primeira vez na história da aerostação, a dirigibilidade dos balões aeróstatos. Paris assistiu à subida de um aeromóvel, o S.D. 1, com 25 metros de comprimento, 3,5 metros de diâmetro, 180 m3 de capacidade e muitas inovações, principalmente a dirigibilidade através da tração de uma hélice acionada por um motor a gasolina.
O S.D. 1 chegou atingir 400 metros de altura, voando contra o vento sem perder gás. Mas, a operação não se completou. Houve falha e seu aparelho sofreu um acidente, devido à contração do hidrogênio que o inflava. O balão perdeu altura, dobrou-se lentamente e foi jogado contra as árvores do Jardim da Aclimação, no Bois de Boulogne, em Paris.
Chapéu amarrotado, puxado para trás e coberto de lama até os joelhos, o piloto saiu ileso, apesar do susto e da frustração.
O fracasso do vôo comandado ecoou como uma bomba, por Paris e toda parte do Mundo. Mas, o acidente não desanimou o Inventor. Pelo contrário, serviu de estímulo para aperfeiçoar seu invento. A queda não abalou seu prestígio, continuava sendo uma criatura aplaudida por todos.
A partir daquele dia, passou a surgir nos lugares mais cobiçados de Paris. Sempre bem vestido em traje de passeio, de smoking ou de casaca, ia em busca do calor do povo, o combustível de que precisava para avançar na busca de seu ideal, que era também o ideal do Mundo moderno: voar com autonomia.
Dias depois, consertadas as avarias, voltou a fazer evoluções nos céus de Paris, comandando a aeronave para diversas direções. Ao aterrar, informou aos jornalistas, diante de uma multidão que pouco acreditava no que via, boquiaberta:
- Sob a ação combinada do propulsor que lhe imprimia movimento do leme, que lhe permitia a direção, do guide-rope que eu deslocava, e dos dois sacos de lastro que eu fazia deslizar conforme a minha fantasia, ora para diante, ora para trás, logrei a satisfação de evoluir em todos os sentidos, da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. Trata-se de uma experiência pioneira, era a primeira vez que um motor roncava nos ares. Eu, naveguei no ar.
Meses mais tarde, apresentou o balão S.D. 2. Mas, em 11 de maio de 1899, ao tentar elevar-se, sofreu um acidente, provocado por uma inesperada rajada de vento, projetando-o sobre as árvores do Jardim da Aclimação.
Em seguida, em 13 de novembro de 1899, apresentou o S.D. 3 com uma novidade: capacitação para 500 metros cúbicos, empregando o gás comum de iluminação, cuja força ascensional é mais ou menos a metade da força do hidrogênio.
Nesse dia, a título de teste, parte do Campo de Marte, ultrapassa a Torre Eiffel e pousa no Parque dos Príncipes. Ao descer, seus admiradores, que presenciaram a façanha, dedicaram-lhe fervilhantes aplausos. Mas, o balão ainda apresentava problemas. Certo dia, desgovernado pela perda de um leme de direção, desceu em péssimas condições na planície de Ivery. No chão, abriu os braços, disfarçando o desalento, esboçou um sorriso tímido e disse aos jornalistas:
- Desta vez, ainda não deu. Mas, vou conseguir com o S.D. 4.
Santos-Dumont observava cada falha apresentada pelos balões, transfomando-a em lição ao seu espírito sagaz e vigilante de inventor. “Aperfeiçoar sempre para atingir a segurança total da dirigibilidade dos balões” - pensava.
O bom desempenho do S.D. 3 levou o Inventor a confessar:
- Reconheci que ia, para toda minha vida, dedicar-me à construção de aeronoves. Precisava ter minha oficina, minha garagem aeronáutica, meu aparelho gerador de hidrogênio e um encanamento, que comunicasse minha instalação com os condutos do gás de iluminação.
Logo depois, adquiriu em St. Cloud, próximo ao Aeroclube de Paris, um enorme terreno, onde projetou e instalou sua oficina, inaugurando o primeiro hangar do Mundo.
Construiu o S.D. 4. Maior, com um eixo de 33 metros de comprimento, capacidade para 420 m3 e um motor de 9 cavalos de força, portanto mais rápido e seguro. Leme hexagonal de 7 m2 e equipado com um selim de bicicleta, em torno do qual reunia cordas e maquinismos para todas as manobras do piloto.
Entusiasmado com o desempenho do S.D.4, Santos-Dumont convidou os membros do Congresso Aeronáutico Internacional, reunidos em Paris em 19 de setembro de 1900, para assistirem suas exibições com a aeronave no parque do Aeroclube. Todos compareceram e aplaudiram o inventor, principalmente, o célebre Professor Langley, ao vê-lo contornar a Torre Eiffel.
Depois da apresentação aos congressistas, inscreveu-se para concorrer ao Prêmio Deutsh, de 100 mil francos, instituído pelo empresário Deutsh de la Meurth, sob os auspícios do Aeroclube da França, a quem partir de St. Cloud, contornar a Torre Eiffel e retornar ao ponto de partida em 30 minutos, perfazendo um percurso de 11 quilômetros.
A prova foi realizada em 13 de julho de 1901. Outra derrota: após contornar a Torre, foi colhido de frente por uma forte corrente de vento, que prejudicou a rota do seu balão. Depois, o motor parou e o aparelho despencou-se sobre uma enorme castanheira nos jardins da casa do empresário Barão Edmond de Rothschild.
Alberto perdeu o prêmio, mas não perdeu a confiança, muito menos a pose. Sem nenhum arranhão, imediatamente ajeitou no corpo o terno, a gravata refeita no colarinho alto, recolocou na cabeça o chapéu, mesmo amarrotado, e dirigiu-se ao encontro dos jornalistas com um sorriso confiante. Deu entrevistas e foi fotografado pela imprensa que cobria o acontecimento.
Em 8 de agosto de 1901, já como o S.D.5, ao sobrevoar a Cidade, desgovernou-se e foi jogado contra a quina da platibanda do Hotel Trocadero; saiu do acidente sem maiores problemas, salvo pelo Corpo de Bombeiros, pois ficou preso numa altura de 20 metros na estrutura do prédio. Relembra o inventor:
- Salvei-me por verdadeiro milagre, pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balão, em posição incômoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris.
Mais um acidente sem perturbar o Brasileiro de apenas 28 anos, jovial e simples, em busca do domínio total da dirigibilidade do balão. Nada alteraria seus planos. Trabalhava com esse objetivo, empregando somas fabulosas de dinheiro, sem auxílio de empresas, amigos ou de Governos. Esperava realizar-se pela sua capacidade intelectual, seus acertos e enganos, ainda que lhe custasse a riqueza toda ou a própria vida. Sentia que, sobre seus ombros, pesava a responsabilidade de resolver o sonho de milhares de anos do homem: voar por meios mecânicos.
- Apesar do incidente, - declara o piloto - nesse dia, a imprensa anunciava ao Mundo inteiro que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos balões.
O prêmio Deutsch não foi conquistado, mas, o problema da dirigibilidade já era uma questão vencida. Santos-Dumont havia provado, passeando no espaço como se anda em terra ou no mar em aparelhos mecânicos. Contornou a Torre Eiffel várias vezes. A imprensa registrou tudo. A revista científica La Nature e dezenas de outros veículos de imprensa dedicaram várias páginas aos triunfos do inventor brasileiro.

13
PRÊMIO SANTOS-DUMONT

Interessado em proporcionar a outros aeronautas oportunidades para competir, como também para estimular e encorajar os pretendentes em realizar navegações aéreas, Santos-Dumont resolveu instituir o Prêmio Santos-Dumont, que seria dado a todo membro do Aeroclube da França, menos a ele, que partindo de St. Cloud, contornasse a Torre Eiffel e voltasse ao ponto de partida, sem tocar em terra e por qualquer espaço de tempo.
O concurso seria realizado de 1 de maio a 1 de outubro todos os anos. Porém, o prêmio jamais foi ganho, deixando claro que Santos-Dumont estava sozinho na dianteira dos primeiros dias da aeronáutica.


14
PRÊMIO DEUTSCH
COM O NOVO BALÃO: O NÚMERO 6

O S.D. 6 foi construído. Entre as novidades, substituiu-se a tradicional barquinha por uma quilha de 14 metros, peça de madeira que se estende na parte inferior do balão, para basear um motor de 20 cavalos, resfriado a água, o tanque de combustível, o lastro e o piloto com seu sistema de comando. E ainda, uma hélice de duas pás, com quatro metros de envergadura.
Os testes confirmaram as boas condições da máquina. Mas, o teste maior seria, novamente, tentar o Prêmio Deutsch: que premiaria quem levantasse vôo em St. Cloud, contornasse a Torre Eiffel, e depois, retornasse ao ponto de partida em 30 minutos, sem ter tocado o chão.
A prova foi marcada para 19 de outubro de 190l. Dia feio. Condições atmosféricas desfavoráveis: ventos soprando do sudeste à velocidade de 6 metros por segundo, ameaçando chuvas. Tão desfavorável que, até duas horas da tarde, hora preliminarmente fixada para início da prova, dos 20 membros da comissão de juízes, apenas 5 compareceram no Campo St. Cloud: os senhores Deutsch de la Meurthe, de Aion, de Fonvielle, Besançon e Aimé.
Alberto mostrava-se despreocupado, aguardando o início do desafio com um sorriso confiante nos lábios. Atento, andava de um lado para outro, sempre com as mãos às costas e os dedos fortemente cerrados, passando recomendações aos seus auxiliares. Em cada gesto, a certeza da vitória. “Seria ali, naquela tarde, naquele céu cinzento de Paris, com ou sem chuvas, que selaria seu encontro definitivo com o destino: navegar no ar com total domínio de seu aparelho, oficialmente reconhecido” - pensava, a todo momento dirigindo um olhar desafiante para a Torre.
Passados 30 minutos, Santos-Dumont checou com os mecânicos mais uma vez a aeronave e decidiu tomar seu lugar a bordo. O povo aguardava pacientemente.
Ao primeiro sinal da Comissão, o motor foi ligado. Rapidamente, o barulho roncoso da máquina misturou-se às exclamações de euforia dos espectadores. Alberto demonstrava, apesar de sereno, impaciência para partir e registrar na história da aviação mais uma das suas realizações. Um ar de orgulho estava estampado em seu rosto. Sentia-se brasileiro até na alma e mineiro no jeito silencioso de ser, senhor absoluto de seus atos. Sorria para o povo, mas seus olhos continuavam pregados na direção da Torre Eiffel, até que um grito do Senhor Deutsch, vindo da mesa julgadora anunciava:
- Atenção!... Atenção!... Senhor Alberto, está pronto?... Podemos dar o sinal da partida ? - o Senhor Deutsch já consultava o cronômetro.
- S i m - balançou a cabeça, já com as mãos pregadas no leme da aeronove.
Soou a hora da partida.
- Atenção!... Atenção!... J Á ! - gritou o Senhor Deutsch, simultaneamente, atirando para o ar com um revólver de pólvora seca. Depois, virou-se para mesa e ordenou, - anotem: a partida deu-se exatamente às 14 horas e 42 minutos.
O balão, imediatamente decolou. Alberto acelerou o motor e, iniciou suavemente a cortar os céus de Paris. Voou 12 minutos numa confortável trajetória linear, até aproximar-se do monumento. O vento, agora soprava mais forte, ameaçando jogar o balão contra o corpo da gigantesta torre de ferro. Alberto, com a confiança de um exímio navegador áereo, não teve medo; aplicou um decisivo e brusco golpe no leme, fazendo com que a aeronave, sem objetivar nenhum capricho, obedecesse seus comandos. Deu certo, e com a majestade de um vencedor, contornou a Torre Eiffel e tomou a linha do retorno.
A multidão lá em baixo vibrava, acompanhando o trajeto do S.D. 6 no ar. Era gente por todo lado, nas ruas, nas calçadas, nas janelas, nas sacadas. Acenando com as mãos, chapéus, boinas, bengalas, lenços de todas as cores, uma empolgação nunca antes vista, prestando homenagens a uma outra criatura humana, lá nas alturas. Sozinha e única, perto das nuvens. Voando... voando... dirigindo o seu próprio percurso.
Lá de cima, Alberto assistia a multidão, como um cordão de formiguinhas, acompanhando o trajeto do seu balão, saudando-o numa alegria contagiante. Um clamor humano indescritível. Pessoas que choravam, que se abraçavam e, num coro único, gritavam:
- Salve Petit Santô!.... Petit Santô!...
Alberto pensava: “Que bom, tenho o apoio do Mundo.”
O Brasileiro, envolvido por um forte sentimento, deixou que de seus olhos vertessem lágrimas de emoção. Com a voz engasgada, mantinha uma das mãos acenando para seu povo o lenço branco da vitória e com a outra, manobrava com perícia o S.D. 6 no caminho de volta.
O vento, agora soprava de frente, fazendo com que o motor rendesse menos. Logo em seguida, o primeiro imprevisto: o motor ameaçava falhar, rateava. Tarefa difícil. Se largasse o leme, poderia desviar muito da rota e prejudicar seu tempo de prova. Pensou rápido no que poderia ser. Não teve dúvidas em dispor de alguns minutos fora do leme e verificar a haste do carburador e a alavanca reguladora da faísca elétrica. Descobriu o defeito. Regulou as peças e o motor voltou a funcionar normalmente, recobrando a velocidade da nave.
Aliviado, retomou o leme. Olhou para baixo e observou que a multidão nada percebera, não parava de aplaudi-lo. Nesse momento, cruzava o Sena, em ótima altitude. Pouco depois, outro contratempo: o motor tornou a desacelerar, enquanto o aparelho ia perdendo altura. Alberto, rapidamente detectou e consertou o novo defeito, impelindo o balão a riscar o céu com toda velocidade ao sobrevoar o Campo de Corridas de Cavalos de Auteuil.
Lá embaixo, numa extensa e vibrante procissão, os espectadores comemoravam a vitória, acercando-se cada vez mais do ponto final da prova. O aparelho aproximava-se com o motor nos seus limites, velozmente. Mantendo a calma, o piloto preparava-se para descer, conferindo o tempo de percurso.
Exatamente às 15 horas, 11 minutos e 30 segundos Santos-Dumont, com o S.D. 6, cruzou a linha de chegada, passando pelas cabeças dos juízes numa altura de 150 metros.
_ Ufa!... consegui - Alberto festejava ao ouvir com nitidez a aclamação da multidão que o esperava lá em baixo.
A aeronave, arrastada pelo seu próprio impulso, continuou a voar mesmo depois de cruzar a linha de chegada. Santos-Dumont fez uma curva no ar e aterrissou o S.D. 6, tranqüilamente.
Sob aplausos enlouquecidos, Alberto desceu do balão, enxugando com um lenço, o rosto e os olhos umedecidos pela emoção de ver toda aquela gente se acotovelando para chegar mais próximo dele. Num gesto vibrante, levantou o punho da mão direita para cima e gritou cheio de vigor e convicção:
- Minha gente, será que ganhei a prova ?
_ Sim!... Siiiiiiim!... Viva Petit Santô - respondeu-lhe um eco entusiasmado de milhares de vozes, com intensidade de robustecer seu ego.
O povo deu o veredicto. Mas, na Comissão de Juízes, havia uma divergência: ele cruzou com 29 minutos e 30 segundos, 30 segundos a menos. Porém, numa altitude de 150 metros. Achava o piloto, e com acerto, que a redução de altitude jamais influenciaria o resultado da prova, mesmo porque não estava previsto no regulamento.
Houve juiz que quis computar o final da prova quando o Balão pousou no chão, às 15 horas, 12 minutos e 40 segundos, perfazendo o percurso em trinta minutos e 40 segundos, isto é, 40 segundos além do tempo regulamentar, ultrapassando o tempo da prova. De súbito, ouviu-se um murmúrio seco na multidão que emitia um clamor de insatisfação.
Abriu-se uma polêmica, mas o bom senso venceu. Dias após, o Aeroclube reuniu-se sob a presidência do Príncipe Roland Bonaparte. E, na votação, Santos-Dumont ganhou o prêmio.
A resposta do povo foi imediata. A alegria explodiu por todo canto de Paris, consagrando-o através de uma calorosa manifestação pública. Ainda na porta do Aeroclube, Santos-Dumont, após momentos de grande expectativa, levantou os dois braços em sinal de vitória e disse sensibilizado:
- Um homem da ciência não é só da ciência, pertence ao seu povo. Pois, é para ele que cria, inventa e torna possível o desenvolvimento de nosso Planeta. Dedico a vitória ao povo de Paris.
Em coro, a multidão voltou a gritar seu nome:
- SANTÔ !... SANTÔ !... SANTÔ !...
Poucos dias depois, o galardão do Prêmio Deutsch foi-lhe entregue na forma de 129 mil francos. Outra festa na sede do Aeroclube, abrilhantada por uma banda de música entoando La Marseillaise, o hino nacional da França, fazendo novamente vibrar o público. Depois, visivelmente comovido Santos-Dumont falou:
- Muito mais me custou receber este prêmio, que, entretanto, era coisa instituída, certa e ganha, do que contornar a Torre Eiffel, que, todavia, era tento de realização imprevisível e sem precedentes.
Imediatamente tomou a palavra Gustave Eiffel, idealizador e construtor da Torre Eiffel, um presente dos Estados Unidos à França para homenagear a Exposição Mundial de 1899. Emocionado, Eiffel soergue os claros olhos, ainda vidrados e declarou numa voz apertada:
- Disse meu particular amigo Santos-Dumont, nesse empreendimento o que mais o emocionou foi contornar a Torre Eiffel. Portanto, quero declarar para que o Mundo possa ouvir: a façanha foi marcante, me emocionou. Senhores e Senhoras, ele conseguiu contornar o extremo de nossa Torre da forma mais ambiciosa possível: Voando !... V o a n d o !
O povo, nesse momento, tomado por uma forte comoção, interrompeu o discurso do Doutor Eiffel com aplausos esfuziantes. Desistindo de concluir seu pensamento, o engenheiro abraçou, calorosamente, o Brasileiro que acabava de colocar a sociedade humana em uma nova, surpreendente e promissora era.
O anúncio do ganhador encontrou respaldo no Mundo inteiro. Jamais um empreendimento de um homem, lutando contra todas adversidades naturais, tivera tamanha repercussão. O ser humano já poderia erguer-se do chão, sustentar-se no espaço aéreo e comandar seus movimentos em todos os sentidos, todas as direções. Era a materialização de um sonho milenar da Humanidade: voar.
A imprensa internacional divulgou o fato com ênfase, popularizando mais ainda a figura de Santos-Dumont, principalmente na França. De repente, o Mundo foi tomado por uma febre delirante de entusiasmo. Nas lojas apareciam para vender cartões postais, bibelots e outros objetos de recordações, estampando os feitos do Inventor, desde as primeiras ascensões até seu último triunfo.
Dos Estados Unidos um especial telegrama do mago da luz, teve sabor especial para o gênio brasileiro, felicitando-o: “Santos Dumont, o pioneiro dos ares, homenagem de Edison."
Do Brasil, dois outros, entre milhares, encheram seu peito de orgulho, afagando-lhe o sentimento cívico: “Bravo Brasileiro, O Conquistador dos Ares - Rui” e o outro: “Agora o Céu também rende homenagens ao Brasil, por conta de um gênio brasileiro que desafiou e venceu a mágica do vôo dirigido - Machadinho." Outra mensagem, que o deixou profundamente emocionado, foi a de Júlio Verne, seu escritor de cabeceira desde a adolescência.
Considerado o gênio de todos os tempos, seguiram-se mensagens calorosas do cientista italiano Marconi, de Langley, do Presidente do Brasil, Campos Sales, da Princesa Izabel, filha de Dom Pedro II e de seu esposo, o Conde D’Eu, exilados em Paris, da Imperatriz Eugênia, do Rei Leopoldo I, da Bélgica, da soprano Maria Barrientos e da artista de Teatro Cleo de Mérode, a maior entre todos os admiradores do piloto. Dos jornalistas Georges Goursat, Gordon Bennett e Jaurès. Dos escritores russos Anton Tchekhov, Léon Tolstói,Vladimir Korolenko e outros, engrossando uma lista de milhares de congratulações manifestadas por simples admiradores anônimos e também por membros da mais elevada nata social e intelectual daquele tempo.
E para enaltecer mais ainda a glória de uma grande figura humana, ao receber os 129 mil francos, Alberto anunciou o destino do dinheiro, demonstrando profunda preocupação com o social:
- Meu maior prêmio foi vencer o desafio. Quanto à recompensa de 129 mil francos, quero que a metade seja distribuída entre meus auxiliares e o restante doarei ao chefe de polícia de Paris para que tire do penhor instrumentos de trabalho e ferramentas de operários.
Santos-Dumont, rapaz pacato e simples, com apenas 28 anos de idade, foi glorificado e endeusado pelo Mundo. O seu nome reluzia em todos os lugares. Era convidado especial para banquetes, festas, espetáculos, satisfazendo a insaciável curiosidade popular. Fotografaram-lhe o hangar, a oficina, a casa, os livros, as invenções, os motores e tudo que refletia a imagem do Inventor Brasileiro.
Após receber o prêmio foi aclamado de forma inaudita, seus admiradores passaram a carregá-lo de pé pelas ruas de Paris, até o restaurante Maxim’s, onde daria uma entrevista coletiva.
Do Governo Brasileiro, representado pelo Presidente da República Manuel Ferraz de Campos Sales, recebeu uma medalha e a quantia de 100 mil contos, votada pelo Congresso Nacional, congratulando-o pela conquista do Prêmio Deutsch. Em Paris, a colônia brasileira, ofereceu-lhe carinhosamente uma medalha com dizeres parodiando Camões: “Por céus nunca dantes nagevados."
Realmente, era a vitória definitiva do Brasileiro, que a revista La Nature assim reconheceu: "Le triomphe du 19 octobre doit rester une date mémorable dans l’histoire de l’aéronautique."
Entre as manifestações que o imortalizaram, nessa época, a do Aeroclube de Londres foi uma das mais expressivas, consagrando o gênio inventivo e a capacidade criadora de Santos Dumont, quando lhe conferiu, em 1901 o título de Primeiro Membro Honorário da Associação.
Mais tarde, em 1902, ele recebeu outra mensagem de Thomas Edison que o parabenizava pela escolha do motor usado nos dirigíveis:
"O senhor fez bem em escolher o motor a petróleo; é o único em que pode pensar o aeronauta no estado atual da indústria; os motores elétricos, tais como eram notadamente há quinze ou vinte anos, não podiam conduzir a nenhum resultado."

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ENTREVISTA COLETIVA

A entrevista coletiva organizada pelo Jornalista Jaurès, que credenciou vários repórteres de diversos órgãos de Imprensa, foi logo iniciada com os jornalistas acomodados em cadeiras alinhadas em meio círculo, todas de frente para a mesa onde estavam o Inventor Alberto Santos-Dumont e os senhores Deutsch de la Meurthe, Alexandre Gustave Eiffel, Professor Garcia e o jornalista promotor do evento, que abriu a entrevista declarando:
- Tenho a honra de iniciar essa sessão de perguntas. Antes, quero dizer que vejo em Santos-Dumont, no comando de seu dirigível, a criatura humana suprema por excelência: o Homem. Portanto, diginíssimo Homem dos Ares, qual a sensação de vislumbrar Paris lá de cima, contornar a Torre Eiffel e levar ao Mundo a certeza que, de agora em diante, o homem poderá voar dirigindo o destino do vôo?
Alberto levantou-se acenando para todos com um extenso sorriso. Em seguida, voltou a sentar-se sob fortes aplausos dos presentes. Assim que cessaram as palmas, ele começou agradecendo as palavras de Jaurès:
- Meu nobre Operário da Imprensa, sinto-me profundamente honrado com suas palavras, alegre com a presença de todos. A Imprensa é a voz e os olhos do povo. Gostaria de ser um poeta maior, para descrever com a mesma emoção o que sinto no peito ao vislumbrar Paris, lá de cima. É magnífica. Esplêndida em todos seus contornos geográficos. Tudo é muito rico. A arquitetura, o planejamento urbano, tudo. Desta vez, amigo, só via a linha de vôo à minha frente, nada mais. Mas, contornar a Torre Eiffel... - fez uma pausa e virou o rosto para o lado do engenheiro Alexandre Eiffel exibindo um ar de satisfação e, continuou a falar - ...a Torre Eiffel foi o verdadeiro prêmio. Sabia correr grande risco de vida, se acidentado. Portanto, contornar a Torre já seria o bastante para se ter a certeza que o homem é capaz de explorar, conforme sua vontade, o espaço aéreo, dirigindo com segurança o destino da aeronave.
Depois, abriu-se a sessão de perguntas aos demais jornalistas.
Repórter: - E agora, caro Inventor, o que se pode esperar do Mundo?
Dumont: - Precisaria de muito tempo para falar sobre a conquista do espaço aéreo. Estou preparando um livro detalhado sobre o tema. Posso assegurar que tudo vai mudar. A tecnologia vai avançar para muito além de nossa imaginação.
Repórter: - O senhor tem mais projetos na prancheta?
Dumont: - Lógico - respondeu o brasileiro com voz firme. Nasci para trabalhar e tornar realidade o sonho de séculos e séculos do homem: voar. Brevemente, estarei apresentando novos e mais desenvolvidos balões.
Repórter: - O senhor pode adiantar qualquer coisa?
Santos-Dumont, antes de responder, derreou os cantos da boca à maneira de quem não queria falar sobre aquele assunto. Concentrado, cheio de mistério científico, ensaiou um sorriso miúdo e negou, dissimuladamente:
Dumont: - Não. Tenho medo dos concorrentes - brincou. - Em Minas, todo filho já nasce herdando dos pais o seguinte recado: “A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro." Todos riram de uma só vez.
Repórter: - Vossa senhoria poderia dizer-nos quantos acidentes sofreu? Já pensou em desistir ? E como enfrentou a crítica negativa?
Dumont: - Ufa!... vários acidentes. Nem sei quantos, incontáveis. Alguns graves, outros até anedóticos. Mas, principalmente no meu caso; é do chão que se levanta. Minha teimosia, a força de vontade, que cultivo dentro de mim é que me faz vencer os imprevistos, saltar os obstáculos e colecionar acertos. O povo está sempre comigo, me estimulando. Quem não se lembra daquele dia, voltando para St. Cloud tive problemas com o gás ? O povo acudiu-me ajudando a rebocar o balão até minha oficina, num cortejo invejável. Diante de uma manifestação de tanto carinho, eu poderia recuar ? Desistir ? Jamais!... Voar é o meu destino, desafiando com ousadia todos os riscos, inclusive perder a vida. Quanto à crítica, repito uma frase de meu professor de Filosofia da Escola de Minas, no Brasil: "Só atiram pedras em árvores que dão frutos."
Alberto foi aplaudido de pé por todos os presentes.
Repórter: O senhor poderia dizer se já foi acometido, em pleno vôo, por uma tempestade? E como se saiu ?
Dumont - Perfeitamente. Certo dia, achava-me só, perdido nas nuvens, entre relâmpagos e ruídos de trovões, enquanto a noite se fechava em torno de mim. Eu ia, ia nas trevas. Sabia que avançava à grande velocidade mas não sentia nenhum movimento. Ouvia e recebia a procela, e era só. Tinha consciência de um grande perigo, mas este não era tangível. Uma espécie de alegria selvagem dominava os meus nervos. Como explicar isto ? Como descrevê-lo ? Lá no alto, na solidão negra, entre os relâmpagos que a rasgavam, entre o ruído dos raios, eu me sentia como parte integrante da própria tempestade. Até que a tempestade passou e pude descer com certa tranqüilidade. Mas, essas dificuldades, esses perigos constantes nunca me abateram. Ao contrário, depois de cada um, eu dizia comigo mesmo: Prosseguir, naturalmente.
Ao terminar o relato, um ar de emoção tomou conta do auditório. Levantarem-se todos ovacionando o inventor, carinhosamente.
Repórter: - O senhor perdeu o prêmio Deutsch com o S.D. 4, agora quase perdeu com o S.D. 6, como se sentiu ?
Dumont: - Em momento algum perdi a esperança. Com o S.D. 6, nunca tive dúvidas. Só não fiz o percurso com um tempo menor, porque houve dois contratempos com o motor: perdi velocidade e altura. Mas, estava com o olho fixo no cronômetro. A dúvida levantada foi em conseqüência de uma falha do regulamento que não observou se deveria cruzar a linha de chegada no ar ou no chão. Por mim, estava lógico que era no ar. Daí, atravessei a linha, como um cavalo passa adiante do disco, um iate avança depois da linha de chegada, um automóvel continua correr, diminuindo gradativamente a marcha, depois que o júri anotou seu tempo de percurso.
Repórter: - Como e quando o senhor percebeu que era agraciado de um espírito criador ?
Dumont: - Desde muito cedo. Deitado à sombra da varanda de minha casa, eu me detinha horas e horas a contemplar o céu brasileiro e admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E ao ver as nuvens que flutuavam alegremente à luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espaço livre. Assim, durante toda minha infância e juventude, meditava sobre a exploração do grande oceano celeste. Criava aeronaves e inventava máquinas. Tais devaneios, eu os guardava comigo.
Repórter: - Eu ainda quero saber mais sobre sua emoção quando fazia o percurso da vitória.
Dumont: - No trajeto para a Torre Eiffel, nem uma só vez olhei para os telhados de Paris, eu flutuava sobre o mar de branco e azul, nada mais vendo senão meu objetivo. Na volta, a um altitude de 150 metros, continuei velozmente por cima dos juízes e dos espectadores. Não tive dúvida e gritei: GANHEI ? Foi a multidão que me respondeu: S I I I I M !... - Essa foi minha maior emoção.
Repórter: - A experiência que o senhor adquiriu com os aerostáticos ajudou a vencer os desafios de manobrar um dirigível.
Dumont: - Com certeza. Quem quer que aspire navegar em aeronave deve, preliminarmente, exercitar-se em algumas aterrissagens em balões esféricos. Muito bem, ter manobrado pessoalmente balões esféricos, no meu entender, é preliminar indispensável para adquirir noção exata de tudo o que comporta a construção e a direção de um balão alongado, munido de motor e propulsor.
Repórter: - E quando o senhor teve certeza absoluta que dominara a técnica da dirigibilidade de um balão aerostático ?
Dumont: - Simples, uma vez conversando com meu pai Henrique Dumont, lá no Brasil, disse a ele que meu intento era juntar a força do motor a óleo ao balão suspenso. Daí, poderia torná-lo dirigível. Passei a estudar exaustivamente a questão. Depois de várias observações matemáticas e físicas, cheguei a um projeto viável. O balão seria ovóide, teria novos pesos para desempenhar funções de leme de profundidade e de altura. Novas válvulas, uma hélice apropriada, cano de escapamento voltado para baixo, leme de direção. Enfim, detalhes e mais detalhes que foram sendo dominados na medida que avançávamos nos estudos. Pouco descanso, muito debate com meus mecânicos, renovando sempre a certeza de glorificarmos nosso objetivo. Uma investigação constante.
Repórter: - Senhor, o hidrogênio concentrado no invólucro oferece perigo diante das fagulhas do motor ?
Dumont: - Sem dúvida, meu motor projetava chamas num raio, posso dizer, de meio metro, mas eram apenas pequenos jatos de chamas, não partículas inflamadas de combustão ainda incompletas, como as fagulhas de uma máquina a vapor. Nestas condições, como podia representar perigo o simples fato de haver tão distante do motor, uma massa de hidrogênio não misturada de ar e bem protegida por um envoltório estanque ?
Repórter: - Como o senhor está lidando com a fama ?
Dumont: - Fama!... exclamou o Inventor deixando descansar o braço direito sobre a mão esquerda, enquanto ensaiava um olhar cauteloso e puro, dirigido aos jornalistas. - Ora... essa gente está contente como também estou. Estamos resolvendo juntos um desafio: o homem erguer-se aos ares e voar. Essa gente me aplaude porque estamos intimamente felizes. Essa gente me incentiva, me conforta nos momentos de fraqueza, me energiza. Isso não é fama, é uma forma de reconhecimento, de parceria que muito me orgulha. Desfrutamos juntos a glória. Isso, é reconhecimento popular. Agradeço a todos, principalmente à cobertura da imprensa, fundamental ao meu trabalho.
Alberto levantou-se e começou a bater palmas. Logo foi acompanhado por todos, era seu jeito carinhoso e simpático de homenagear os jornalistas presentes. Assim que cessaram os aplausos, retomaram seus lugares e o próximo jornalista pôde fazer sua pergunta.
Repórter: - Ilustríssimo cientista, o mais jovem deles, em algum momento houve patrocínio de governos em seus empreendimentos?
Dumont: - Obrigado, pelo mais jovem. Riram todos. - Dinheiro de Governo !... Não. Também nunca aventurei nesse campo. Meu governo patrocinador é a casa de meus pais, no Brasil. Sempre pude contar com eles. Sempre acreditaram em mim, no meu trabalho. Financiaram minhas experiências, portanto devo a eles essa e tantas outras empreitadas aéreas. Antes que me façam uma pergunta curiosa, eu respondo. Minha família era titular de uma propriedade que ainda explora café, no Brasil. Nunca foi mau negócio. Vocês sabem o que é café ? Sei que não. Pois bem, eu explico: o café que quando se bebe é algo preto e tem a peculiaridade de, quando verde, ser vermelho. Entenderam ? - foi um riso geral entre todos.
Repórter: - Caríssimo inventor, é verdade que o senhor usa pernas-de-pau para sentar-se à mesa?
A pergunta não encontrou boa ressonância entre os presentes, ao perceberem o brasileiro franzir as sobrancelhas, apagar dos lábios o sorriso e assumir uma expressão crítica. Houve um silêncio. Alberto levou uma das mãos ao colarinho, como se o ajeitasse melhor no pescoço. Fitou a platéia com um ar investigativo, depois voltou o olhar para o repórter e disse:
Dumont: - Uso, meu caro. Minha mesa de refeição e uma das cadeiras foram dependuradas no teto, sim senhor. Isso me logra a chance de exercitar o hábito de ficar sempre alguns metros do chão.
O pequeno auditório, aliviado, voltou a descontrair-se com a inteligente resposta do cientista. Logo, o último repórter credenciado levantou-se para fazer sua pergunta:
Repórter: - Senhor Santos-Dumont, gostaria de saber se pretende natularizar-se francês ?
Santos-Dumont não estava preparado para aquela pergunta. Com a cabeça meio inclinada e batendo as pálpebras lentamente, mostrou-se surpreso, mas logo reconquistou o ar de serenidade e respondeu com elegância, envolvendo a todos com seu olhar negro e sombrio:
Dumont: - Eu amo a França. Moço ainda, efetuei em Paris minha primeira ascensão. Em Paris, encontrei construtores de aerostáticos, fabricantes de motores, mecânicos, todos tão pacientes como peritos. Em Paris, fiz todas minhas experiências. Em Paris, ganhei o Prêmio Deutsch. E agora, que possuo não somente a minha aeronave de corrida, mas também a minha aeronave de passeio, com a qual me divirto voando por sobre as árvores da Cidade. É em Paris que quero gozar, como recompensa, a doçura de ser o que uma vez me censuram de ser: um sportman de aerostação. Eu amo a França. Aqui moram parentes e amigos. Aqui encontrei mestres que me passaram conhecimentos, absolutamente necessários ao meu empreendimento. A França continuará ser minha segunda Pátria. Mas, nasci brasileiro. Lá terei que morrer. Meu coração dividirá sempre com a França minha gratidão, meu amor, minha sabedoria. Sinto-me livre para amar cada um desses países. O Brasil precisa mais de mim, para difundi-lo entre os povos do Mundo. É uma nação riquíssima em reservas e belezas naturais. Uma república nova, enriquecida por homens de grandes ideais, comprometidos com o desenvolvimento do País. Estadistas que, sem disparar um só tiro, conseguiram abolir a escravidão negra e depois, implantar uma República Democrática Representativa. Um País lindo, de poetas, de flores, de pássaros encantados, de gorjeios raros e maviosos. - Alberto pronunciava com a voz embargada pela emoção, velada pelo seu grande amor à sua Pátria. Depois, sacudiu a cabeça e esboçou um sorriso e voltou a falar: - Desculpem o discurso, mas convido todos a conhecer meu País; é riquíssimo. Vale a pena - fez uma pausa, respirou fundo e tornou a dizer - Muito bem, espero ter correspondido a todos. Finalizando, quero agradecer esta Imprensa que sempre me deu apoio e coragem para seguir adiante com meus inventos. Até outro dia.
Terminada a entrevista, Santos-Dumont foi tomar seu rotineiro café, ainda rodeado por vários amigos e admiradores, no Le Cascade, entre eles, a admiradora atriz francesa, Mademoiselle Lantelnne.

16
DITADOR DE MODA EM PARIS

Apesar de aparentar, tanto no ar como em terra, um jovem de atitudes frias, calculadas, Santos-Dumont tinha sempre um sorriso estampado no rosto, projetando naturalmente uma expressão terna e límpida a todos que se acercavam dele.
De pequena estatura, fora dos padrões atléticos, tinha 1 metro e 55 de altura, pesando apenas 50 quilos. Trajava com elegância ternos bem cortados, chapéu panamá mole e caído.
Santos Dumont era um homem de aguçada inteligência inventiva, cheio de coragem e um irrestrito e imensurável poder de força de vontade, tornando-o um figura carismática, sedutora.
Com seu prestígio, passou a influenciar a moda masculina da época. Por ser baixo, ele procurava realçar seu porte por meio de sapatos de sola grossa e saltos ligeiramente elevados, ternos com listas verticais, que, por efeito de ótica, fazem parecer mais elevada a estatura das pessoas.
Também usava colarinhos altos e empinados, dobrados sobre si mesmos, que ficaram conhecidos como colarinhos a La Santô.
Mantinha cabelos repartidos no meio da cabeça, até então moda somente adotada pelas mulheres. Rapazes de toda parte do Mundo aderiram ao estilo, repartindo os cabelos no meio da cabeça. Isso confirmava a influência do Brasileiro, não só no meio científico, mas também no fechado e aristocrático universo de normas que dominava o mundo social até o princípio do Século XX.
Endeusado por todos, passou a ser notável imitar Santos-Dumont. Tudo nele era apreciado e copiado.

17
A GARAGEM DE MÔNACO, NO MEDITERRÂNEO

Após a conquista do Prêmio Deutsch, o Príncipe de Mônaco ofereceu a Santos-Dumont um grande hangar diante da Praia de La Condamine, no Mediterrâneo. Longe da agitada Paris, poderia dedicar-se com mais tranqüilidade à construção de seus futuros dirigíveis. Assim declarou ao tomar posse da nova oficina:
- Nada melhor poderia ter acontecido neste momento, o local é magnífico. Defendido por trás, contra o vento e o frio, pelas montanhas, e, de cada lado, contra a brisa do mar, pelas eminências de Mônaco e de Monte Carlo, a pequena Baía de Mônaco me oferecia um campo de manobras muito abrigado.
O piloto realizou dezenas de ascensões às margens do Mediterrâneo a título de experiências. Toda vez que saía na direção do horizonte, sob o vento forte do grande mar europeu, uma multidão reunia-se na praia para aplaudi-lo. No mar, desfilavam iates, principalmente de amigos e de admiradores, que seguiam seu aparelho com receio de acidentes. Lá estavam o Príncipe de Mônaco, o Engenheiro Eiffel, o Jornalista americano Gordon Bennet entre várias personalidades, que, vigilantes e cuidadosos, acenavam para o aeronauta, lá em cima acomodado ao leme do dirigível.
As ascensões, felizes nos primeiros ensaios, tiveram um fim desagradável com o naufrágio do S.D. 6 na Baía de Mônaco, onde ele defendia o uso do aparelho como posto de observação para localizar submarinos.

18
O PRIMEIRO AEROPORTO DO MUNDO

O Gênio não parou. Volta a Paris, onde inicia a construção de um aeródromo para seus aparelhos. Com uma fúria criadora invejável, passou a trabalhar em marcha acelerada, na ânsia de devassar o futuro com todas as suas auroras.
Edificada por Santos-Dumont, começou a funcionar a primeira estação para aeronaves do Mundo, em um extenso terreno da Rua Longchamps, em Neuilly. O objetivo era oferecer um local estruturado para o aperfeiçoamento das aeronaves e criar facilidades para o desenvolvimento da navegação aérea. Ao inaugurá-la, ele confessou:
- Tal qual se acha instalada, esta primeira estação de aeronaves do futuro pode alojar sete aparelhos cheios, em estado de largarem ao primeiro sinal. Esforcei-me para que ela correspondesse a todas as necessidades. E entretanto, quanto é exígua e atravancada, se se pensar no que serão as grandes estações, luxuosamente organizadas, dos tempos que virão, com suas altas e espaçosas plataformas de aterrissagem, onde as aeronaves virão pousar tranqüila e comodamente, tais grandes pássaros, em procura de seus ninhos sobre a superfície das rochas!

19
NOVOS BALÕES

Do S.D. 6, construiu o S.D. 7, 9 e 10. Quanto ao 8, não há registros, todos construídos e guardados em sua Estação. Sobre o S.D. 7, ele falou:
- O Número 7, que eu chamo de minha aeronave de corrida, o reservo para as provas importantes, pois só as despesas de seu enchimento com hidrogênio elevam-se a mais de 3.000 francos. É verdade que uma vez cheia, posso guardá-la durante um mês, com uma despesa diária de 50 francos para a substituição do hidrogênio, que me faz perder, em cada 24 horas, o jogo das condensações e dilatações. Sua capacidade de gás, que é de 1.257 metros cúbicos, dá-lhe duas vezes a força ascensorial do número 6, ganhador do Prêmio Deutsch. E tal é o peso necessário do seu motor de 60 cavalos, de 4 cilindros e resfriamento a água, tal também é o peso proporcional da maquinaria, que não precisarei tomar, com este modelo, mais lastro do que se exigia do Número 6.
Mas, foi com o balão S.D. 9, conhecido por Balladeuse, o menor de todos, mais ágil, leve e prático com que Santos-Dumont cometia ousadias incríveis. Era o meio de transporte do inventor. Com ele, ia de um lado a outro, a serviço de sua oficina, visitando amigos, ou às recepções e, à tarde, costumava fazer passeios no Bois de Boulogne, justamente à hora elegante do footing , deixando a população boquiaberta.
Sobre o S.D. 9 Santos-Dumont declarou:
- Foi assim que construí o Número 9, o menor dos dirígeis possíveis, e apesar de tudo, muito prático. A princípio, a capacidade do meu balão não era senão de 220 metros cúbicos, e eu só podia carregar a quantidade de lastro inferior a 30 quilos. Voei nele nestas condições durante semanas. Mesmo quando elevei essa capacidade a 261 metros cúbicos, o balão Número 6, herói do Prêmio Deutsch, cubava quase 3 vezes esse número e o balão Ônibus, o Número 10, era, folgadamente, oito vezes maior. Como já disse, meu motor Clément, de 3 cavalos, pesa 12 quilos. Não se pode esperar grande velocidade de semelhante máquina: minha valente Balladeuse, não obstante, não me fornece menos, de 20 a 30 quilômetros por hora, sobre o Bosque, apesar de sua forma oval, que parecia não a predispor para fender o ar.
Dia 23 de junho de 1903, a bordo do dirigível, o piloto deixou o hangar e resolveu tomar um café em casa. Ao descer, entre curiosos e jornalistas foi logo explicando:
- Não estou fazendo nada de mais. Respeitei todas as regras de trânsito, vim pela mão certa, fiz o balão contornar o Arco de Triunfo e entrei na Rua Washington, onde moro.
Outra vez, ao sobrevoar o Rio Sena, o motor do balão começou a pegar fogo. Sem outro recurso, abafou as pequenas labaredas com seu chapéu, que ficou todo sovado e chamuscado. Ao aterrar em Puteaux, desembarcou com o mesmo chapéu na cabeça, sem se preocupar. Foi fotografado por vários jornalistas e sua foto, com o chapéu amassado, saiu em todos os jornais. Semanas depois, seu traje virou moda. Admiradores de várias partes do Mundo passaram a usar chapéu panamá de copa amarrotada, em ponta para cima, e de abas caídas para baixo.
Ao leme do Balladeuse, em 14 de julho de 1903, para dar maior brilho às comemorações ao dia da Tomada da Bastilha, Santos-Dumont sobrevoou a parada militar realizada por mais de 50 mil militares perfilados no Hipódromo de Longchamps. De seu balão, lá no alto, felicitou, com uma salva de 21 tiros de festim, o Presidente da França, Émile Loubet.
Dias antes, em 26 de junho de 1903, levou a passear o menino norte-americano de sete anos, Clarkson Potter. Também foi no Balladeuse que a cubana Aída da Costa, a primeira mulher a pilotar sozinha um dirigível, monitorou um longo passeio pelos céus da França, cuja rota foi acompanhada pelo Brasileiro, de carro. Momento raro na historia do inventor, pois ele não permitia nem mesmo que seus assessores diretos tivessem acesso ao dirigível.
Em 1º de agosto de 1903, recebeu uma carta da Condessa d’Eu, ex-Princesa Imperial Regente no Brasil, expressando o seguinte: “Envio-lhe uma medalha de São Benedito, que protege contra acidentes. Aceite-a e use-a na corrente do relógio, na sua carteira ou no pescoço. Ofereço-lhe pensando na sua boa mãe e pedindo a Deus que lhe socorra sempre e lhe ajude a trabalhar para a glória de nossa Pátria."
Outros balões foram apresentados por Santos-Dumont, cada vez mais aperfeiçoados em suas funções. De número em número, o inventor construiu até o balão S.D. 14, já numa nova fase mundial em que a tecnologia anunciava tentativas de o homem elevar-se aos ares numa máquina mais pesada que o ar.

20
OS DIRIGÍVEIS E A DEFESA

Durante a parada militar em Longchamps, em 14 de julho, Santos-Dumont compareceu com seu S.D. 9, a convite de oficiais do Exército Francês, que aceitou após relutar muito. A intenção do vôo, no dia da reunião das tropas, causou grande sensação entre os militares, nascendo aí, a idéia do emprego das aeronaves em campanha de guerra entre países da Europa.
Em entrevista, declarou logo em seguida:
- Pus à disposição do Governo da República, em caso de hostilidade com um país qualquer que não fosse das duas Américas, a minha flotilha aérea. Assim agindo, eu não fazia mais que dar uma fórmula escrita ao que eu considerava um dever, se as circunstâncias previstas pela minha carta dirigida ao Ministro da Guerra se produzissem durante minha estada na França. Foi na França que encontrei todos os encorajamentos; foi na França, e com material francês, que realizei todas as minhas experiências, e a maior parte dos meus amigos são franceses. Excetuei as duas Américas, porque sou americano. Ajuntei que, no caso impossível, duma guerra entre a França e o Brasil, eu me julgava obrigado a oferecer os meus serviços ao país que me viu nascer e do qual sou cidadão.
A proposta foi solenemente aceita pelo Ministro da Guerra, Général André.
Santos-Dumont defendia a realização de reconhecimentos militares através de balões, em altitude elevada e fora das fronteiras de determinado país. Também mostrava as vantagens do uso de uma aeronave em defesa marítima:
- Nada impede, enfim, a aeronave de destruir um submarino, dirigindo-lhe longos projéteis carregados com dinamite e capazes de penetrarem na água à profundidade que a artilharia não pode atingir de bordo dum couraçado.
Mais tarde, em 1917, desembarcando no Brasil, vindo de comemorações na Argentina e no Chile, ainda sob o eco das aclamações carinhosas, Santos-Dumont chamou a atenção do Governo Brasileiro que ainda não havia manifestado interesse em adotar a aviação como Örgão de Estado. Após redigir duas correspondências ao Presidente da República, cobrando interesse no assunto, ele declarou aos jornais:
- Aproveito esta ocasião para fazer um apelo aos senhores dirigentes e representantes da Nação para que dêem Asas ao Exército e à Marinha Nacional. Hoje, quando a aviação é reconhecida como uma das armas principais de guerra, quando cada nação européia possui dezenas de milhares de aparelhos, quando o Congresso Americano acaba de ordenar a construção de 22.000 destas máquinas e já está elaborando uma lei ordenando a construção de uma nova série, ainda maior; quando a Argentina e o Chile possuem uma esplêndida frota aérea de guerra, nós, aqui, não encaramos ainda esse problema com a atenção que ele merece.
Em outro artigo, ele continua defendendo o uso do aeroplano como aparelho de defesa indispensável a qualquer país:
- O aeroplano prova a sua importância suprema nos reconhecimentos. De seu bordo, podem-se locar as trincheiras inimigas, observar os seus movimentos, o transporte de tropas, munições e canhões. De bordo do aeroplano, por meio de telegrafia sem fios, ou de sinais, pode-se dirigir o fogo das forças. Por meio de informações transmitidas pelo telégrafos sem fios, grandes peças de artilharia podem precisar seus tiros contra as trincheiras e baterias inimigas. A aviação demonstrou-se a mais eficaz arma de guerra tanto na ofensiva como na defensiva. Desde o início da guerra, os aperfeiçoamentos do aeroplano têm sido maravilhosos. Quem, há cinco anos, acreditaria na utilização de aeroplanos para atacar as forças inimigas? Que os projéteis de canhões poderiam ser lançados com efeitos mortíferos de alturas inacessíveis ao inimigo?
E conclui, chamando atenção para o perigo:
- Imaginai o poder deste terrível fogo lançado de um aeroplano!
Mais tarde, impressionado pelo estrago que um avião é capaz de realizar numa guerra, Santos-Dumont passou a condenar, veementemente, o emprego do aeroplano em campanha militar.

21
14 BIS, O APARELHO MAIS PESADO DO QUE O AR

Um das maiores emoções de Santos-Dumont era o prazer intelectual de antever o futuro com suas glórias. Pensando assim, trabalhava sem trégua para aperfeiçoar cada vez mais seus aparelhos.
Entre 1903 e 1906, Alberto Santos-Dumont permaneceu mais afastado dos debates científicos que se realizavam em Paris. Fez algumas viagens, incluindo Estados Unidos da América, onde foi recebido como herói e visitou o cientista Thomas Edison. Esteve também no Brasil, na Inglaterra e outros países que lhe deram honras de herói.
Quando estava em Paris, trabalhava arduamente, aprofundando-se nos estudos de aerodinâmica para absoluto aproveitamento no seu mais arrojado e audacioso projeto, o 14 Bis, um aparelho mais pesado que o ar, constituído de asas e um motor a gasolina, sem balão, nem gás.
Construído com armações de bambu e junturas de alumínio, revestidos com seda japonesa, o aparelho foi equipado com um motor de 50 HP. Pesava apenas 160 quilos. Tinha 10 metros de comprimento e 12 metros de asas duplas para gerar a força de sustentação. Isto é, na decolagem, o empuxo do motor desloca para frente da aeronave o fluxo de ar resultante sobre as asas gera uma força de sustentação maior do que seu peso total.
As primeiras experiências de vôo, foram feitas acoplando o aparelho ao dirigível S.D. 14, que se erguia ao espaço carregando o aeroplano. No ar, Santos-Dumont testava a eficiência dos comandos e, sobretudo, aprendia a manobrar esse desengonçado engenho. Por essa razão, recebeu o número, ou melhor, o nome de 14 Bis.
Depois, dominando a nova máquina, resolveu desligá-la do balão e passou a tentar um vôo legítimo, partindo do chão, inicialmente puxado por um burrico. Seguiram-se várias tentativas frustadas, até que consolidou a capacitação inicialmente desejada: erguer-se do chão por seu próprio impulso e voar.
Um dia declarou:
- O ponto fraco nos aeroplanos era o leme. Dei sempre a maior atenção a essa peça e seu comando, para os quais sempre empreguei cabos de aço de primeira qualidade, os que são usados pelos relojoeiros em relógios de igreja. Lutei, a princípio, com as maiores dificuldades para conseguir a completa obediência do aeroplano. Neste meu primeiro aparelho, coloquei o leme à frente, pois era crença geral, nessa época, a necessidade de assim fazer. A razão que se dava era que, colocado ele atrás, seria preciso forçar para baixo a popa do aparelho, a fim de que ele pudesse subir. Não deixava de haver alguma verdade nisso, mas as dificuldades de direção foram tão grandes que tivemos de abandonar essa disposição do leme. Era o mesmo que tentar arremessar uma flecha com a cauda para frente.
Confirmada a eficiência do novo engenho, Santos-Dumont inscreveu-se em duas provas de capacitação da aviação: a Taça Archdeacon, de 3 mil francos, para o primeiro vôo controlado de 25 metros de distância, com aparelho mais pesado que o ar; e o Prêmio do Aeroclube da França, de 1.500 francos, para o primeiro vôo de, no mínimo 100 metros, realizado por um aparelho mais pesado que o ar.
Dia 23 de outubro de 1906, data da primeira prova no Campo de Bagatelle. O 14 Bis, por problemas mecânicos, ali mesmo solucionados, não conseguiu decolar na primeira tentativa. Somente às quatro horas da tarde, deu-se o novo sinal de partida. Imediatamente, a multidão deixou a pista livre, impondo um breve silêncio. Santos-Dumont põe em marcha seu aparelho e decola por seus próprios meios, realizando o primeiro vôo mecânico do Mundo, oficialmente reconhecido pela comissão do Aeroclube da França.
O aeroplano voou aproximadamente 60 metros, atingindo uma altura que variava entre 2 e 3 metros, durante 7 segundos no ar. Depois, o aparelho tocou o solo, rodou um pouco mais e parou, desengonçadamente, s’élever par ses seuls moyens du bord et a accomplir un vol plané. La performance de M. Santos-Dumont a été si belle, si incotestable, qu’il faut l’enregistrer sans littérature."
O Le Matin saiu com a manchete:
L’HOMME A CONQUIT L’AIR. M. SANTOS-DUMONT
A FAIT HIER UNE EXPÉRIENCE SENSATIONELLE
Em Londres, o The Illustrated London News, abre a edição de 3 de novembro de 1906, com o seguinte título:
THE FIRST FLIGTH OF A MACHINE HEAVER THA AIR:
M. SANTOS-DUMONT WINNING THE ARCHDEACON PRIZE
Na Itália, o L’Illustrazione Italiana circulou com manchete: L’APPARECCHIO DI SANTOS-DUMONT SI
È INALZATO COI PROPI MEZZI

Durante a prova, Santos-Dumont observou que ainda poderia aperfeiçoar sua máquina. Refez cálculos, reavaliou o contexto aerodinâmico e chegou à conclusão de que deveria utilizar os ailerões, pequenas asículas de movimentação recíproca, nos extremos das asas para equilibrar o aparelho, que seriam controlados por meio de cordas atadas nos ombros e no tronco do piloto.
No dia marcado para a outra prova, 12 de novembro de 1906, já pela manhã uma multidão de admiradores de Santos-Dumont começava a lotar o Campo de Bagatelle, onde seria realizado o novo desafio do Piloto Brasileiro em menos de 20 dias. Dia de Sol claro. Dois concorrentes: Santos-Dumont e Bleriot. O primeiro, veterano. O segundo, aspirante. Espetáculo imperdível e todos apostavam, com segurança, que o Brasileiro levaria mais esse prêmio.
Eram duas horas da tarde, quando a comissão de julgamento composta pelos senhores Besançon, Sucouf, Tissandier e Faure, fora oficialmente nomeada pelo Aeroclube da França para acompanhar a prova.
Otimista, às 4 horas e 40 minutos, Santos-Dumont avisou que já estava pronto, com o 14 Bis colocado na extremidade alta de um ligeiro aclive, de face para o vento, no relvado de Bagatelle. Fez-se um silêncio total, apenas o ruído de um motor roncava forte na ré do estrambótico veículo, com jeitão de pato.
De pé, cabeça erguida, o brasileiro deu início ao comando da aeronave, manejando suavemente o leme. O 14 Bis move-se. Rola devagar pelo gramado sobre as delgadas, graciosas e leves rodas de bicicleta. O contador de rotações já acusava 1.200 pontos por minuto. Hora de acelerar mais para a máquina ganhar volocidade. Os espectadores, quietos e atentos, iam girando os olhos para não perderem a cena. O aeroplano disparava, ainda no chão, até que, suavemente, sem nenhuma sacudida, nem choque, nem abalo, as rodas deixaram o solo de Bagatelle.
O 14 Bis levanta-se no ar e, como pássaro que também é mais pesado que o ar, prossegue desafiando a lei da gravidade. Voava. Rasgava o espaço em pleno ar. Eleva-se rapidamente. Passou dos 6 metros de altitude, sobrevoando Bagatelle. A cena despertou imediato efeito de um ciclone sobre a multidão, centenas de vozes começaram a gritar o nome do inventor euforicamente, abanando as mãos, chapéus e bengalas:
- Está voando. Viva “Santô!...”- exprimia o povo com aclamações eufóricas.
Santos-Dumont confirmava, mais uma vez, que seu aparelho voava, abria caminho para a conquista do espaço. Após 22 segundos o aeronauta havia voado 220 metros.
Os espectadores não se contiveram precipitando-se em direção à aeronave, o que força o piloto realizar uma parada brusca para evitar acidentes. O motor foi desligado e a hélice pára. O aparelho toca a terra numa aterrissagem feliz, perfeita. A multidão envolve o 14 Bis e o Brasileiro desce radiante, triunfalmente aclamado. O povo bradava, outra vez, o Siiiim!... da vitória, acenando de todos os lados. Novamente, a glória.
Enquanto isso, a comissão media o percurso coberto pelo 14 Bis. Duzentos e vinte metros numa velocidade recorde de 41 quilômetros e 292 metros por hora, isto é, exatamente 22 segundos e 1/5, a 6 metros de altura.
A Comissão Oficial do Aeroclube da França presenciou, assistiu e deu o prêmio ao vencedor: Alberto Santos-Dumont e seu aparelho mais pesado que o ar, o 14 Bis.
Duas datas memóraveis que registraram para a história um dos maiores feitos de todos os tempos: “a primeira vez que um aeroplano a motor, dirigido por um homem ergue vôo, livremente."
Desta vez, faturou dois prêmios do Aeroclube: o de 100 francos para quem voasse 60 metros e o de 1.500 francos para quem percorresse 100 metros, num total de 1.600 francos, que ofereceu aos seus auxiliares.
Na manhã seguinte, o jornal Le Matin amanheceu com a manchete de capa:

VOLE, VOLE, VOLE!...
SANTOS-DUMONT, EN AEROPLANE,
A FRANCHI HIER 220 MÈTRES


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A ATA DO AEROCLUBE DA FRANÇA
“Bagatelle, 12 de novembro de 1906. Nós, abaixo-assinados, representantes do Aeroclube da França, encarregados de controlar de visu a experiência do 14 Bis, construído pelo Sr. Alberto Santos-Dumont, de nacionalidade brasileira, formulamos a seguinte ata, isto é, o processo verbal do que vimos.
Depois da primeira experiência, às 8 horas e 40 minutos, uma segunda experiência foi executada no sentido contrário ao da primeira. Nesta tentativa, depois de um pequeno percurso de 200 metros corridos sobre o solo, o aparelho de Santos-Dumont se levantou muito nitidamente. As três rodas do aparelho deixaram de estar em contacto com o solo. O aparelho subiu a uma altura que os abaixo-assinados avaliam em 80 e 90 centímetros, e isto com um percurso de 270 metros, com uma velocidade de translação avaliada em 60 a 63 quilômetros por hora. Ass.: Pres. da Comissão do Aeroclube,
Archdeacon."

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ENTREVISTA DE SANTOS-DUMONT A UMA REVISTA APÓS OS PRÊMIOS COM O 14 BIS

Repórter: - O senhor se considera o Pai da Aviação ?
Dumont: - Para mim não existe dúvida de que fui o pioneiro em criar mecanismos para dirigir no ar um balão em 1901 e, em 1906, com um aparelho mais pesado que o ar, eu voei sobre Paris. Tudo oficialmente documentado.
Repórter: - Quanto à dirigibilidade Henri Giffard dizia, em 1852, que era possível. O senhor sabia disso?
Dumont: - Sim. Giffard defendia a tese. Quando cheguei a Paris e não vi nenhum balão dirigível fiquei admirado. Então, perguntei ao Professor Garcia: Será que ninguém se aprofundou nas teorias de Henri, após tantos anos? Pesquisei e a resposta foi não, mesmo nos meios aeronáuticos. Isso era na década de l890, então topei a parada. Estudei. Estudei. Fiz mil experiências, até que venci o Prêmio Deutsch, em 1901 com o S.D. 6. Você se lembra?
Repórter: - E o francês Clément Ader, o que me diz ?
Dumont: - Clement foi um aeronauta que também voava em balões. Um dia apareceu com um aparelho em forma de morcego a que deu o nome de avião. Não saiu do chão e foi, violentamente, acidentado na tentativa de voar.
Repórter: - O senhor disse que garantiu a dirigibilidade e a estabilidade de um aparelho no ar. E daqui para frente ?
Dumont: - Muita água vai passar por debaixo dessa ponte. Virá o aperfeiçoamento técnico por outros cientistas. O avião será um meio de transporte de fundamental importância ao Mundo moderno. O 14 Bis foi a semente. Frutificará em todos os cantos, levando progresso ao Mundo. O avião vencerá todas as barreiras da aerodinâmica, será mais veloz, prático e infinitamente utilitário, atendendo desejos da grande massa em todo o Planeta.
Repórter: - O senhor antevê ou já tem projetos nesse sentido ?
Dumont: - Digamos que estou estudando, tenho projeto para aviões menores, mais ágeis.
Repórter: - O Senhor vai patentear seu invento ?
Dumont: - Não. O inventor inventa, a Humanidade desfruta. Nada que crio me pertence. Não oculto nada. Divulgo tudo. Deixo livre o que já inventei e inventarei. Não quero nada a não ser facilitar a vida no Século XX. O homem deve sempre ser um criador de valores.
Repórter: - A Rússia também tem seu inventor do aeroplano, o que o senhor sabe sobre isso ?
Dumont: - Quase nada. Sei que lá aclamam o senhor Nikolas Jonkovski como o primeiro a voar. Quase ninguém sabe disso, não há registros. A Inglaterra também reivindica o pioneirismo na aviação, aclamando Sir Hiram Stevens Maxim, que teria voado em 1894. Mas, ninguém veio a Paris demonstrar seu invento ao Aeroclube da França, atualmente a única instituição de que se tem notícia no Mundo capaz de avaliar um feito dessa natureza.
Repórter: - A Alemanha também reivindica o nome de Karl Jatho como pioneiro em voar em 1903. Mas, pergunto: e os irmãos americanos Wilbur e Orville Wright ?
Dumont: - Quando estive nos Estados Unidos da América, logo após receber o prêmio do Aeroclube da França fui aclamado como herói, como o homem que voou pela primeira vez com um aparelho mais pesado que o ar. Jornais e revistas foram unânimes em publicar o resultado de minhas competições e mais, a sociedade científica americana reconheceu meu feito. Visitei o cientista Thomas Edison, conversamos longo tempo e ele jamais citou os irmãos americanos, como pioneiros em vôos autônomos. É tudo obscuro. Não há testemunhos ou verificação científica.
Repórter: - Mas, há testemunhos que eles voaram em 17 de dezembro de 1903 ? O que diz disso ?
Dumont: - Repito. Se voaram em Kitty Kawk, na Carolina do Norte, poderiam ter voado aqui. Poderíamos até montar uma feliz parceria, isso eu não duvido. O concurso do Aeroclube foi divulgado no Mundo todo. Por quê não vieram ?
Repórter: - Por quê ? Devolvo a pergunta ao senhor.
Dumont: - Acontece que o aeroplano deles não realizava vôo autônomo. Decolagem. Isto é, ascensão por meios próprios. Tinha que ser catapultado, arremessado por uma outra força ou lançado no espaço de um pilar. Já o 14 Bis, foi autopropelido. Em 1906, ele decolou, descolocando-se através do ar e fez a aterrissagem perfeita, tudo documentado.
Acompanhando Santos-Dumont encontrava-se o fabricante de veículos motorizados, Senhor Archdeacon, que foi alvo de uma pergunta do jornalista.
Repórter: - Senhor Archdeacon, vossa senhoria confere a Santos-Dumont o título universal de Pai da Aviação ?
Archdeacon: - Sem dúvidas. Santos-Dumont introduziu a aviação mecânica no Mundo, com atestado fornecido pelo Aeroclube da França. Santos-Dumont concluiu os percursos previstos com exatidão, realizando vôo integral com seu 14 Bis. Ergueu-se do chão por seus próprios meios, voou de forma absolutamente controlada e aterrissou seu aeromóvel com perfeição. E os Wright ? Santos-Dumont é o Pai da Aviação, indiscutivelmente. Só para terminar, que documentos foram apresentados pelos inventores norte-americanos comprovando o vôo? Nenhum, se voaram, voaram em segredo absoluto, sem provas. Tanto, que até a Federação Aeronáutica Internacional, sediada em Bruxelas, não havendo documentos a respeito do vôo dos Wrigth, atribuiu a glória do primeiro vôo do aeroplano ao nosso herói Santos-Dumont.
Repórter: - Obrigado, senhor Archdeacon. Mais uma pergunta ao nosso inventor. Por quê não apresentou o 14 Bis antes ?
Dumont: - É que o inventor, como a Natureza, de Linneu, não faz saltos: progride de manso, evolui. Comecei por fazer-me bom piloto de balão livre e, só depois, ataquei o problema da dirigibilidade. Fiz-me bom aeronauta no manejo dos meus dirigíveis. Durante anos, estudei a fundo o motor a petróleo e, só quando verifiquei que o seu estado de perfeição era bastante para fazer voar, enfrentei o problema do mais pesado que o ar. A questão do aeroplano estava, havia já alguns anos, na ordem do dia. Eu, porém, nunca tomava parte das discussões, porque sempre acreditei que o inventor deve trabalhar em silêncio. As opiniões estranhas nunca produzem nada de bom. Coisa de mineiro, como se diz no Brasil.
Repórter: - Quando voará com outra máquina.
Dumont: - Brevemente. O projeto está na prancheta já com algumas peças na funilaria. Antes devo cumprir alguns compromissos em viagens, principalmente visitando o Brasil para ver minha família. Brevemente, estarei com um novo modelo de aeronave.
Repórter: - De onde vem tanta imaginação, Sr. Santos-Dumont?
Dumont: - Talvez seria mais fácil dizer que a gente já nasce com esse dom. Comigo, o meio familiar foi-me importantíssimo. Pois, dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas. Aos 7 anos, já tinha permissão para guiar os locomóveis de grandes rodas empregados na nossa propriedade nos trabalhos do campo. Aos 12, deixavam-me tomar o lugar do maquinista das locomotivas Baldwin, que puxavam os trens carregados de café nos 60 quilômetros de via férrea assentadas por entre as plantações. Enquanto meu pai e meus irmãos montavam a cavalo para irem, mais ou menos distante, ver se os cafeeiros eram tratados, se a colheita ia bem ou se as chuvas causavam prejuízos, eu preferia fugir para a usina, para brincar com as máquinas de beneficiamento.
Repórter: - Quando o senhor sentiu que o homem poderia voar?
Dumont: - Ser-me-ia impossível dizer com que idade construí os meus primeiros papagaios de papel. Lembro-me entretanto, nitidamente, das troças que faziam de mim os meus camaradas, quando brincavam de Passarinho-Voa? O divertimento é muito conhecido. As crianças colocam-se em torno de uma mesa, e uma delas vai perguntando, em voz alta: Pombo voa?... Galinha voa?... Urubu voa?... Abelha voa?... E assim, sucessivamente. A cada chamada todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia, porém, que, de quando em quando, gritavam: Cachorro voa?... Raposa voa?... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Se algum levantasse o dedo tinha de pagar uma prenda. E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: Homem voa?... É que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: Voa! com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagar a prenda. Quanto mais troçavam de mim mais feliz eu me sentia. Tinha a convicção de que um dia os trocistas estariam a meu lado. Anos mais tarde, quando ganhei o Prêmio Deutsch, recebi uma carta de um desses amigos de infância, o Pedro, que era um dos trocistas, relembrando-me aqueles dias das brincadeiras de Passarinho voa?, dizendo que mudara o nome da brincadeira para Homem Voa? Fiquei gratamente emocionado. Satisfeito !...
Ambos levantaram-se.
- Le célèbre aeronaut brésilien, obrigado - disse o repórter apertando com força a mão de Santos-Dumont.
- Quem agradece sou eu. Até outro dia.
Despediram-se.

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OS IRMÃOS WRIGHT

Quando chegaram à França, em 1908, para exibir sua aeronave, os irmãos Wilbur e Orville Wrigth alegaram que já haviam voado em um aparelho mais pesado do que o ar em 1903, portanto antes de Santos-Dumont. Só que não tinham provas documentais. Mesmo assim, reivindicaram a glória do primeiro vôo autônomo a bordo de uma máquina tripulada.
Santos-Dumont logo contesta:
- A quem a Humanidade deve a navegação aérea pelo mais pesado que o ar? Às experiências dos irmãos Wright, feitas às escondidas (eles são os próprios a dizer que fizeram todo o possível para que não transpirasse nada dos resultados de suas experiências) e que estavam tão ignoradas do Mundo, que vemos qualificarem os meus 200 metros de um minuto memorável da história da aviação, ou é ao Farman, Blériot e a mim que fizemos todas nossas demonstrações diante de comissões científicas e em plena luz do Sol ?
E completa:
- Que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma lâmpada elétrica, telefone ou aparelho de telegrafia sem fios dizendo que os tinha contruído antes deles ?
O filósofo Micítaus Do Issás, define assim pretensão dos Wrigth:
- Os irmãos Wrigth, ao buscar em 1908, o reconhecimento do pioneirismo na aviação, tentando, mesmo sem provas, demonstrar que voaram com um aparelho mais pesado do que o ar em 1903, três anos antes do Brasileiro, estão querendo dizer que foram, neste período, acometidos de Amnésia Temporária.
Mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América, procurando um meio de sensibilizar a opinião pública mundial e, para mostrar que tinham tradição aeronáutica para combater a poderosa Lufwaffe Alemã, buscaram na sua história os irmãos Wright, imortalizando-os como heróis nacionais.
Mais tarde, uma campanha liderada pelos escritores John R Mac Mahon e Ferber, tentaram impor a comemoração do Dia da Aviação Pan-Americana na data que os irmãos Wright alegaram ter voado. Iniciativa, febrilmente combatida pelo Aeroclube do Brasil, sob incansável desempenho do seu então Presidente Coronel Ivo Borges, que conseguiu adesão unânime dos Aeroclubes da América do Sul.
Livros e filmes produzidos naquele país sempre atribuíram a invenção aos irmãos Wright. Em outubro de 1997, numa visita que o presidente Bill Clinton fez ao Brasil, declara em seus discursos que o brasileiro Santos-Dumont é mesmo o pai da aviação.
A escritora norte-americana, Nancy Winters, também empenhada em por fim à polêmica, lançou o livro entitulado O Homem Voa – A História de Santos Dumont. E numa entrevista, declara:
- Santos-Dumonte não foi precedido. Ele fez o vôo, o fato foi cronometrado, e todo o mundo ficou sabendo que ele tinha feito. Ninguém tinha ouvido falar dos irmãos Wright, e eles apareceram depois do fato.


25
DEMOISELLE

Santos-Dumont, inquestionavelmente, havia definido os dois pilares básicos da aviação: a dirigibilidade no espaço, oficialmente comprovada em 19 de outubro de 1901 com o S.D. 6, um aparelho de vôo mais leve que o ar, e a descoberta dos meios para manter o equilíbrio transversal de um aeromóvel no espaço, oficialmente comprovados pelo 14 Bis, um aparelho de vôo mais pesado que o ar, em 23 de outubro de 1906.
A partir daí, novos inventores espalhados pelo Mundo seguiram os princípios dumontianos e realizaram progressos extraordinários, sem competir ou desmerecer o trabalho inventivo do Brasileiro, baseando o aperfeiçoamento da aviação em dois momentos cientificamente históricos: quando Santos-Dumont contornou a Torre Eiffel, em 1901 e quando bateu os recordes de distância, velocidade e duração de vôo, nos Campos de Bagatelle, em Paris de 1906, com o 14 Bis.
Depois do 14 Bis, Santos-Dumont continuou a desenvolver seus projetos que sucediam um após o outro, até 1910. Foram construídos os modelos 15, 16, 17 e 18, este testado no Rio Sena, em l907, como deslizador aquático, o precursor do hidroavião.
Entre eles, o mais popular foi o Demoiselle (senhorita), também conhecido por Libellule (Libélula), apelidado assim pelos franceses por ser um avião pequeno, leve e transparente. Seguro e rápido. Foi equipado com o primeiro motor de cilindros opostos, também inventado por Santos-Dumont. De 1907 a 1909 Santos-Dumont construiu 4 versões do Demoiselle, de números 19 a 22.
De 24 a 30 de dezembro de 1909, realizou-se em Paris, no Grand Palais, a Primeira Exposição de Aeronáutica. E lá, bem no meio do salão, via-se suspenso o minúsculo Demoiselle, destacando entre imensos dirigíveis e grandes aeroplanos de Farman, Blériot, Wrigth, Delagrange e Esnault-Pelterie.
O monoplano montado em estrutura de bambu e revestido com seda japonesa tinha a hélice instalada no nariz e os lemes de direção de profundidade na cauda. Pesava apenas 110 quilos.
Com o Demoiselle Santos-Dumont fez inúmeras viagens. Em 14 de setembro de l909 bateu novo recorde: decola numa pista de apenas 70 metros e realiza o primeiro raid da aviação que se tem notícia no Mundo, indo de Saint-Cyr até Buc, numa altitude de 30 a 40 metros, em sete minutos e três segundos, realizando de estar acima das nuvens, pilotando um aparelho mais pesado do que o ar. Enfim, ser um piloto de aeronave.
O último vôo de Santos-Dumont, como piloto, deu-se em 18 de setembro de 1909.
O Demoiselle, como nenhum outro invento de Santos-Dumont teve proteção de patente. O jornal Le Matin, em 1909, divulgou: “Senhor Santos-Dumont não deseja construir aeroplanos para vender. Põe o modelo à disposição de todos.”
O Demoiselle foi o aparelho mais cobiçado da época, inicialmente, copiado pelos Estados Unidos, França, Alemanha e, depois pelo resto do Mundo, projetando o Pai da Aviação de forma universal, entre os cientistas de destaque na história das grandes realizações mundiais, o pai da maior invenção tecnológica de todos os tempos.
Com o Demoiselle Santos-Dumont encerrou a carreira de aeronauta e justificou:
- Com ele obtive a Carta de Piloto de monoplanos. Fiquei, pois, possuidor de todas as Cartas da Federação Aeronáutica: Piloto de balão livre, piloto de dirigível, piloto de biplano e piloto de monoplano. Durante muitos anos, somente eu possuía todas essas Cartas, e não sei mesmo se há alguém que as possua. Fui, pois, o único homem a ter verdadeiramente direito ao título de Aeronauta, pois conduzi todos os aparelhos aéreos. Para conseguir este resultado me foi necessário não só inventar, mas também experimentar, e nestas experiências tinha, durante 10 anos, recebido choques mais terríveis; sentia-me com os nervos cansados. Anunciei aos amigos a intenção de pôr fim à minha carreira de aeronauta - tive aprovação de todos.

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A GLÓRIA

Alberto Santos-Dumont foi o detentor dos primeiros recordes da aviação no Mundo, conforme atestados do Aeroclube da França e da Federação Aeronáutica Internacional, sediada em Bruxelas. Dois únicos institutos, até então, universalmente reconhecidos para tal fim.
Atravessou, praticamente incólume, toda a fase dirigibilística e todo o início da fase aeroplanística. Trabalhou por puro idealismo e tudo que inventou com sua inteligência, sua dedicação e recursos financeiros próprios, ofereceu de presente à Humanidade.
Em 18 de janeiro de 1911, Santos-Dumont recebeu a notícia de que nos Estados Unidos, o piloto e inventor Eugene Ely, partindo dos princípios do Demoiselle, conseguiu pousar um biplano batizado de Curtiss no Cruzador Pennsylvania, ancorado na Baía de São Francisco, na Califórnia. Feliz com essa e outras façanhas, registrou um depoimento:
- Tenho acompanhado com o mais vivo interesse e admiração, o progresso fantástico da Aeronáutica. Blériot atravessa a Mancha e obtém o sucesso digno de sua audácia. Os circuitos europeus se multiplicam. Primeiro, de cidade a cidade. Depois, percursos que abrangem várias províncias, depois o raid da França à Inglaterra, depois o tour da Europa. Devo também citar o primeiro meeting de Reims que marcou, pode-se dizer, a entrada do aeroplano no domínio comercial. Entramos na época da vulgarização da aviação e, nessa empresa, brilha sobre todos o nome de Garros. Esse rapaz personificou a audácia. Até então só se voava em dias calmos, sem ventos. Garros foi o primeiro a voar em plena tempestade. Logo depois, atravessou o Mediterrâneo. Passo a ser um entusiasta espectador dos progressos da aviação e da audácia dos experimentadores dos aparelhos mecânicos. Tudo isso, é um pouco de mim mesmo, dos meus sonhos, do meu sangue que se transfunde na eclosão das novas descobertas.
O reconhecimento definitivo como Pai da Aviação foi unânime no Mundo. O Governo Francês, em 1913, por intermédio do Aeroclube da França prestou-lhe mais uma grande homenagem, mandando erigir um monumento na praça de Saint Cloud, no Bairro de Val d’Or, em Paris, representando Ícaro alado, em bronze sobre base de granito. Ainda em 1913, subiu ao grau de Comendador da Legião de Honra, Legião à qual, desde 1904, fora condecorado como Cavalheiro. Posteriormente, em 1929, seu grau na Ordem foi elevado ao máximo de Grande Oficial.
Assim Santos-Dumont agradeceu ao monumento:
- Este Monumento mandado erigir em Saint Cloud pelo Aeroclube da França me é duas vezes grato: é a consagração de meus esforços e a homenagem que se prestou a um brasileiro, refletindo-se sobre a Pátria toda.
A utilização do avião na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) de forma arrasadora abalou cruelmente o inventor, chegando a comprometer sua saúde. Deprimido e revoltado, rasgou, queimou, inutilizou inúmeros projetos. Contudo, do que restou, destacam-se o helicóptero com 2 rotores, o avião bi-motor, o aparelho de vôo individual, o ornitóptero, avião de asas movediças, e o avião de asas em delta, que lembra os jatos de hoje. Também deixou estudos profundos sobre Meteorologia e Astronomia.
Voltou ao Brasil, onde foi recebido com muito calor, em homenagens por todo território nacional. Em 1931, eleito para Academia Brasileira de Letras, ocupou a vaga aberta com a morte de Graça Aranha. Tomou posse, mas recusou as honrarias.
Ruas, Avenidas, Praças de Cidades Brasileiras receberam a denominação de Santos-Dumont. Em Minas, a Cidade de Palmira, município que nasceu o gênio, passou a denominar-se Santos-Dumont. Sua casa, onde voltou a residir, temporariamente, a partir de 1926, após ser comprada e doada a ele pelo Governo Brasileiro, foi transformada em Museu, acomodando um precioso acervo enriquecido por centenas de cartas, documentos, livros, desenhos, fotos, artigos que escrevia ou recortava de jornais e revistas, ali encontrado e, devidamente, catalogado pelo jornalista Oswaldo Castelo Branco. Também, funciona no sítio a Fundação Casa de Cabangu, criada por Mônica Castelo Branco para preservação da memória do Inventor.
Em 1903, Santos-Dumont visitou Belo Horizonte, cidade construída e inaugurada em 12 de dezembro de 1897, que estava magistralmente preparada para receber o mineiro ilustre. Na Estação Ferroviária, em meio a uma banda de música, uma comitiva de políticos, artistas e mais de cinco mil pessoas do povo receberam o herói brasileiro, carinhosamente aplaudido. Depois, o aeronauta, o Presidente do Estado Francisco Salles e o Desembargador Torres, tio do piloto, que residia na Capital, tomaram lugar a bordo de um Landau, carruagem presidencial puxada por quatro belos cavalos, e saíram em desfile pela Cidade. Inicialmente, pararam no início da Avenida do Comércio e lá, de forma magnífica, o inventor recebeu como homenagem do povo belorizontino uma placa com o novo nome daquele logradouro público: Avenida Santos-Dumont.
No Rio de Janeiro, construíram o Aeroporto Santos-Dumont, onde foi erigido um monumento em sua homenagem pelo Escultor italiano Amadeu Zanni.
O Governo Brasileiro instituiu a Semana da Asa para ser comemorada em todo território nacional, a partir do dia 23 de outubro ou abrangendo esse dia, data da conquista do Prêmio Archdeacon que ganhou com o 14 Bis, levantando vôo no relvado de Bagatelle, dia 23 de outubro de 1906.
Em Minas Gerais, durante a Semana da Asa, o Governo do Estado premia, com a Medalha Santos Dumont, pessoas que destacaram na vida nacional prestando bons serviços ao Estado ou ao País numa homenagem cívica realizada no Sítio de Cabangu, hoje Museu Santos-Dumont.

27
SAÚDE ABALADA

Com menos de 40 anos de idade, já cansado e precocemente envelhecido, Santos-Dumont percebia que seus braços e pernas estavam fracos, dificultando a coordenação motora. O diagnóstico caiu-lhe como uma bomba, estava com Esclerose Múltipla. Assustado e infeliz, escreve aos amigos:
- Não tenho controle sobre meus nervos, sou uma pessoa estressada.
Durante a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, o Inventor resolveu deixar Paris e refugiar-se em Troville, no Sul da França. Mas, o destino traiu-lhe de forma cruel. Tomado por espião alemão, foi preso, amargando 24 horas de confinamento. Somente libertado com a interferência do Governo Francês.
Voltou a Paris em estado de choque, agravado ao ver seu invento, cruel e exageradamente usado para bombardear cidades, matando civis inocentes e pracinhas em batalha. Repensou sua utilização com fins militares, atacado por remorsos ao imaginar que, até pouco tempo, defendia e propagava o uso do avião como meio de defesa.
Era tarde. Mesmo assim, redigiu manifestos para autoridades e imprensa de todo o Mundo contra o uso de aviões em campo de guerra. Uma tragédia íntima, um verdadeiro conflito entre a criação e o criador.


28
A CASA DO ENCANTADO

Retorna ao Brasil em 1918 e procura o amigo Engenheiro Eduardo Pederneiras, a quem confia a construção de uma casa em Petrópolis, no Morro do Encantado.
Era a casa de seus sonhos, tipo chalé alpino. Cheia de novidades, como chuveiro de água quente, observatório espacial, escada íngreme e vazada, com os degraus recortados de tal forma que um lado é largo e o outro estreito, permitindo subir sem bater com os pés no degrau superior. Nela, passou boa parte de sua vida de reclusão espontânea. Retraído, repensando suas invenções e os seus engenhos. Dona Eulália, a zeladora, declarou numa entrevista:
- O Doutor Santos-Dumont passava o tempo todo estudando e trabalhando, só saindo para ligeiros passeios ou quando resolvia ir fazer fora as refeições. Madrugava e ele mesmo fazia seu café. Eu cuidava da limpeza da casa. A arrumação era ele mesmo que fazia, a seu jeito. Uma ou outra vez recebia amigos. Quase sempre ficava só, não permitindo que o interrrompessem. A noite passava horas inteiras no seu observatório, no telhado da casa.
Anos depois, com a saúde cada dia pior, mudou-se para São Paulo, a convite de seus irmãos. Em seguida, a família resolve interná-lo em uma clínica na Europa.
Foi um período triste. Descansando nas cidades, vilas e sanatórios da Suíça e da França, amargava seu recolhimento de nômade, numa infernal tragédia, que pouco poderia fazer para ajudá-lo. Sua enfermidade piorava, consideravelmente. Ele reclamava:
- Eu continuo um dia bom, outro mal com a tal doença, que não se sabe o que é, mas não desejo para ninguém. Prefiro morrer a viver assim.

29
DEBILITADO, RETORNA AO BRASIL

Em 1928, Santos-Dumont chega ao Brasil a bordo do navio Cap Arcona. Na chegada, uma homenagem aguardava-o na Baía de Guanabara. Seria feito o vôo inaugural do Hidroavião Santos-Dumont, tripulado por um grupo de aviadores comerciais da Condor e seis ilustres professores da Escola Politécnica do Rio, como passageiros. Na decolagem, o avião bate com uma das asas no mar e espatifa-se, mergulhando no oceano. Não houve sobreviventes. Sentiu-se mal. De seu rosto exausto, brotaram lágrimas de fadiga, às quais seguiram-se doloridas lágrimas de tristeza. Desgostoso declarou:
- Tenho pedido que não voem à minha chegada. O alvoroço causa grandes imprudências. Quantas vidas sacrificadas por minha humilde pessoa. Sou apenas um homem
O seu estado de saúde era, cada vez, mais precário. Esclerose em placas, doença degenerativa na medula, de difícil tratamento; minando lentamente seu otimismo e o seu bom humor.
Amparado pelo conforto no seio da família, passava os dias distraindo-se, principalmente com os sobrinhos. Não trabalhava mais, evitava entrevistas e não aceitava convites para palestras, conferências e até mesmo homenagens. Estava proibido de ler os jornais e de saber das catástrofes causadas pelos aviões, em guerra. Ele protestava, queria ler para afogar-se na culpalidade que ele mesmo se atribuía.

30
OS ÚLTIMOS DIAS EM GUARUJÁ

Ao completar 59 anos a família decidiu que ele iria passar uns dias em Guarujá. Hospedou-se no Hotel La Plage, com o sobrinho Jorge Dumont, que dedicava especial carinho ao tio.
A temporada na praia tinha um forte motivo: fugir da agitação de São Paulo, inflamada pelo Movimento Constitucionalista, desencadeado entre os paulistas rebeldes e o Poder Provisório, chefiado por Getúlio Vargas.
Santos-Dumont abominava o Movimento. Padecia com o emprego do avião no conflito entre irmãos brasileiros. Nervosamente, observava os aviões que roncavam sobre a Cidade de São Paulo, tapando os ouvidos numa delirante tentativa de não ouvir o rumor monótono e arrepiante daquelas máquinas, em guerra.
Em Guarujá, Santos-Dumont passava os dias junto ao sobrinho. Brincava com crianças nas areias da praia, observava os pássaros voando, relembrando sua infância. Era uma região de muita gaivota. De vez em quando, um ou outro avião militar cruzava aqueles ares. O ruído “era uma perseguição, uma perseguição intolerável, sufocante” - reclamava com as pessoas.
Aborrecido, seu estado de depressão se agravou. Recriminava-se. Envolto pela tragédia neurastênica, sentia-se também perseguido pela infernal tortura do remorso de ter criado o mais temível aparelho de confronto bélico. Pedia para deixar a vida e não mais ouvir o ronco terrível daquelas máquinas destruidoras. “O homem deve ter o direito de morrer, antes que a vida leve também sua dignidade. É necessário arrancar as algemas da alma humana”, pensava seu cérebro fatigado, amargo.
Até que dia 23 de julho de 1932, aproveitando a ausência do sobrinho que saíra cedo para um passeio matinal, Santos-Dumont, após refletir sobre sua doença sem cura, intolerável e seu infernal sofrimento com o avião, massacrando de forma cruel vidas humanas durante uma guerra, resolveu por fim à vida, ali mesmo. Pegou uma de suas gravatas, dirigiu-se ao banheiro, encostou a porta e, em seguida, enforcou-se com aquele pedaço de pano, três dias após completar 59 anos de vida.
Após sua morte, foi encontrado trancado numa gaveta um bilhete dizendo:
“Foi - posso dizê-lo hoje - uma prova um tanto dolorosa para mim, assistir, após os meus trabalhos sobre os dirigíveis e o mais pesado que o ar, a ingratidão daqueles que me cobriam de louvores alguns anos antes."

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HOMENAGENS APÓS MORTE

A morte de Santos-Dumont causou profunda tristeza no Mundo todo. O Brasil e a França choraram juntos o fim trágico de seu herói. Mas, o Governo Paulista, querendo derrubar Getúlio Vargas do poder, tentou explorar o fato politicamente, anunciando que Santos-Dumont havia suicidado ao saber que as Forças Armadas Brasileiras usavam o avião como arma de guerra. Getúlio, diante das circunstâncias, proibiu que no atestado de óbito constasse como causa mortis o suicídio. Decretou luto oficial por três dias e, em nome da Nação, anunciou através de seu porta-voz:
“O brasileiro Alberto Santos-Dumont, inventor da direção dos balões e do vôo mecânico, dotando a Humanidade de novos engenhos para o seu desenvolvimento, estreitou os laços entre as nações e cooperou para a paz e solidariedade entre os povos, tornando-se, assim, merecedor da gratidão do Brasil cujo nome honrou e glorificou.”
A máscara mortuária do herói foi elaborada, seu coração retirado e conservado pelo Dr. Walter Haberfeld; mais tarde, em 24 de outubro de 1944, foi doado solenemente à Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.
Ao ser sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o Governo Brasileiro decretou que lhe fossem prestadas honras de Ministro de Estado. Alberto foi enterrado no mesmo túmulo dos seus pais, onde antes mandara colocar, em homenagens a eles, a cópia do monumento erguido em Saint Cloud, doado ao governo brasileiro pelo governo francês, para as comemorações do Primeiro Centenário de nossa Independência. Centenas de homenagens foram realizadas em todo o País e no Mundo. Em 1936, a Casa da Moeda do Brasil mandou cunhar moedas metálicas do valor de 5.000 réis, trazendo no anverso o busto de perfil de Santos-Dumont e, no reverso uma asa aberta.
Morreu o herói, ficou sua obra, monumental. Herói que a História da Humanidade grifa como sendo o pioneiro, realmente o primeiro homem a erguer-se do chão manobrando a máquina que conquistou os ares. Herói que mergulhou fundo no coração da Humanidade para ser aclamado como o Pai da Aviação.
Ficou a imagem do homem apurado na inteligência, na decência pessoal e pública. Sem arrogância e humano, indiscutivelmente acolhido na Europa pela mais alta e culta sociedade daquele tempo. Admirado por reis, imperatrizes, príncipes reinantes, homens de letras e de imprensa, artistas do palco, do lápis e do pincel. Mas, também era acolhido, carinhosamente pelos parisienses anônimos e sobretudo, pelos seus colaboradores, com quem dividia momentos de dúvidas e de glórias.
Endeusado a tal ponto que os homens da época viam no seu jeito de trajar, o modelo ideal para se vestir. O Mundo adotou o seu relógio de pulso, o chapéu panamá com as abas caídas, o colarinho alto, os ternos com listas verticais e os sapatos de solado alto.

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APÓSTOLO DA PAZ

Com a Guerra na Europa, promovendo entrechoques de seus exércitos, a arma mais cruel foi o avião, usado em sangrentas batalhas. A realidade dos fatos despertou em Santos-Dumont um profundo sentimento de culpa, por ver seu invento matando de forma arrasadora milhares e milhares de pessoas.
Durante a Primeira Guerra, mesmo com os nervos abalados pela neurastenia, volta sua atenção para a América pregando a paz e mostrando a importância do avião na política de aproximação entre os povos americanos.
Acometido de profunda amargura, passou a ocupar seu tempo redigindo correspondências para dirigentes políticos e formadores de opinião da época, condenando o uso do avião numa guerra:
- Conhece-se, no entanto, do que são capazes as máquinas aéreas; suas proezas, no decurso da última Guerra, nos permitem entrever, com horror, o grau de destruição a que elas poderão, de futuro, atingir, como dispersadora da morte, não só entre as forças combatentes, mas também, e infelizmente, entre as pessoas inofensivas da zona da retaguarda. Aqueles que, como eu, foram os humildes pioneiros da conquista do ar, pensavam mais em criar novos meios de expansão pacífica dos povos, do que em lhes fornecer novas armas de combate.
Certo dia, foi abordado por um jornalista que lhe perguntou:
- Até a Primeira Guerra Mundial o senhor chegou a defender e mostrar vantagens de um país incorporar o avião em seu Arsenal de Defesa. Agora, condena. Explique melhor essa posição ?
- Ah!... Atendendo inúmeras solicitações de Ministros da Defesa de vários países, fui obrigado a responder a altura o que seria possível realizar com um aeroplano num conflito. Admito que fui até longe demais nas minhas elucidações. Mas, se recusasse, tudo teria ocorrido do mesmo jeito. Pensei comigo: se mostro um leque de utilidades, poderia o avião ser melhor pensado no uso para unir e não matar irmãos. Me enganei quanto a exacerbada maldade do ser humano numa guerra. Hoje, com a Europa ensangüentada e sendo destruída pelas máquinas que inventei, sinto-me culpado. Elas foram criadas para encurtar as distâncias entre os povos e, não para dizimá-los. Precisamos dar ao avião a utilidade que sempre pensamos existir. Ser útil à Humanidade, mais do que tudo, um mensageiro da paz entre os homens. Engajado nesta campanha, irei até o fim de meus dias, mesmo com os nervos minados pela neurastenia, pela dor do remorso que arde no meu peito ao ouvir o ronco de um avião de guerra.

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COMO O GÊNIO VIA O MUNDO

Santos-Dumont, entre as milhares de entrevistas que deu aos jornalistas de todo o Mundo, deixava muito claro seus pensamentos sobre temas que a humanidade precisava de respostas:
Sobre o Amor:
- Amei tudo com intensidade. Minha família. Meus amigos. Meus estudos. Minhas invenções. Cada momento de glória, como também de fracasso, que foram tantos. Amei a vida e tudo que ela proporciona. Não casei, mas sou a favor do casamento. Meu trabalho impediu-me de casar quando jovem. Quando acordei, já estava velho, doente e cheio de inhacas, problemas de saúde. Daí, pensei: qual mulher aventuraria casar comigo?
O Mundo:
- O Século XX já nasceu pronto para brilhar, ser o período histórico das grandes realizações. Mas, não podemos esquecer que quase tudo foi pensado, estudado e, teoricamente, projetado através dos séculos por sábios imbatíveis, pais dos primeiros embriões das Ciências. Estamos aí materializando o resultado de tantas e tantas teses defendidas e aperfeiçoadas, ano após ano, desde o princípio das civilizações. Devemos estar sempre a serviço da paz, em qualquer circunstância. A guerra não leva a nada.
O Avião:
- Esse sim. Do Balão Brasil, passando pelo S.D. 6, pelo 14 Bis e pelos vários modelos do Demoiselle que inventei, muito já foi realizado. Outros homens iluminados da Ciência estão se debruçando sobre as projeções de Júlio Verne, buscando no seu Trem Lunar a inspiração para a conquista definitiva do espaço aéreo. Quero render homenagens a todos os colegas de Paris e, fora de lá, que deram contribuições fundamentais à aviação. Essa parceria, um se preocupando com o outro, garantiu a evolução fantástica do aeroplano, cada dia apresentando novidades no Mundo todo, para garantir aos usuários uma navegação aérea mais moderna, segura e confortável. Lamentamos seu uso de forma tão cruel e arrasadora numa guerra.
A Velhice:
- Me chateia. Muito doente, fico pior a cada dia. Abala meu estado de espírito, deixando-me intolerável, rabugento. O homem deve ter o direito de escolher sua despedida física da Terra. A verdade é que somos preparados só para viver. Isso me intriga. Na África, existem tribos onde os velhos escolhem o seu dia de partir. Vão para o deserto e lá são tomados por uma fé capaz de matá-los de inanição. Sem desespero e dor. O problema maior é que o espaço do velho na sociedade, em quase todo lugar do Mundo, foi relegado ao nada, desrespeitosamente. Tudo que ele fez fica esquecido.
O Brasil:
- Amo-o, demasiadamente. Assisti a inúmeras e fortes mudanças sociais e políticas. Em 1888, aos quinze anos, pude deixar de ter vergonha de nosso País por causa da escravatura. Foi abolida. O Brasil passou a receber com entusiasmo os imigrantes, para mudar a cara de nossa Nação. Depois, em 1889, caiu o Imperador Dom Pedro II, e surge o regime republicano, nomeando Presidente Marechal Deodoro da Fonseca. Inicia-se o Governo Provisório. Depois, veio a República Nova. Tudo resolvido sem os terríveis embates bélicos. Nosso território é muito grande, o que exige do Governo Central uma política de descentralização econômica, permanente. Criar no Interior do País centros industriais, capazes de evitar a migração de grandes massas humanas para os polos econômicos, já existentes próximos ao litoral.
Precisamos ter uma política consciente para extração dos recursos naturais. Nosso subsolo é riquíssimo. Nossos recursos botânicos são os maiores do Planeta. Nossa fauna é a mais exuberante, também. São recursos renováveis, por isso temos que preservar e recompor as áreas devastadas, corrigindo erros desde a descoberta do Brasil.
Devemos ensinar a criança, ainda na escola, a ter respeito pela Natureza pois, essa criança será o adulto de amanhã que, se embasado de consciência, poderá ser um bom defensor do meio ambiente, um explorador de nossos recursos naturais de forma sustentável, sem agredir ou acabar com a densa e rica floresta que cobre nosso abençoado País.
Esse é o Brasil, de que precisamos ter orgulho e, sobretudo, lutar pelo seu desenvolvimento, sem o conflito da guerra, unido e politicamente correto.

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OUTROS BRASILEIROS PIONEIROS NA AVIAÇÃO

A paulista Anésia Pinheiro Machado, detentora do brevê internacional número 77, da Federação Aeronáutica Internacional, expedido pelo Aeroclube do Brasil, foi a primeira aviadora brasileira a conduzir passageiros em avião comercial em 23 de abril de 1943 e também, primeira a realizar um vôo transcontinental de Nova Iorque ao Rio de Janeiro, em 1951.
Dia 29 de abril de 1923, ela também registrou-se nos anais da história de Belo Horizonte, como a primeira mulher a sobrevoar a Capital Mineira.
Outro paulista, o Piloto João Ribeiro de Barros foi quem realizou a primeira travessia aérea da Europa para o Continente Americano. Partiu de Gênova, Itália, com o avião de fabricação italiana batizado de Jahu, nome em homenagem à sua cidade natal, e aterrissou em 28 de abril de 1927 no Arquipélago de Fernando de Noronha. Só que, o Brasileiro, por problemas técnicos foi obrigado a fazer escalas, no Continente Africano.
Mas, também nesse episódio os Americanos reclamam o pioneirismo pela travessia do Atlântico, consagrando o Piloto Charles Augustus Lindberg com seu monomotor Epirit of Saint Louis, que saiu de Nova Iorque e pousou no Campo de Le Bourget, de Paris, em 21 de maio de 1927. Charles voou 5.790 quilômetros, em 33 horas e meia, recebendo o prêmio de 25 mil dólares oferecido ao aviador que fizesse o primeiro vôo, sem escala, de Nova Iorque a Paris.



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O AUTOR E SUA OBRA
Welington Almeida Pinto
O Autor e sua Obra
Mineiro de São Roque. Em 1971, conclui seus estudos em Passos, Minas. Transfere-se para Belo Horizonte para trabalhar no departamento contábil de uma empresa imobiliária, sem abandonar o gosto pela leitura dos grandes clássicos da literatura universal e a prática de Escritor e Jornalista. Entusiasmado com o movimento cultural da Capital, freqüenta as reuniões da Academia Mineira de Letras e outras instituições culturais da cidade.
Em busca de novos horizontes culturais, viaja por cidades da Europa e das Américas, onde manteve produtivo contato com artistas e entidades produtoras de cultura. De 1972 a 1976, estuda no Centro de Pesquisas de Artes Plásticas da ACM, especializa-se em Publicidade e funda sua agência.
No Teatro, produz A Cela, de sua autoria. Depois adapta e monta Flicts, de Ziraldo, como peça adulta; ambas dirigidas por Luciano Luppi. Participa da equipe de produção do espetáculo A Noite dos Assassinos, de José Triana, dirigida por Paulo César Bicalho. Adapta O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupery, para teatro infanto-juvenil, com trilha sonora de Fernando Boca, direção de Noema Tedesco. Publica Aula-Viva, com 6 scripts sobre assuntos da História do Brasil para aplicação em Sala de Aula.
Eleito para o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, associa-se também à UBE – União Brasileira dos Escritores/São Paulo,SP, à ABRALE-Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos/São Paulo, SP e à AEI-LEJ - Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil/Rio de Janeiro.
Publicou contos infantis no Gurilândia, do Estado de Minas, Belo Horizonte, Zero Hora Infantil, Porto Alegre e Gazetinha, do Gazeta do Paraná, Curitiba.

Livros Publicados

Coleção Infantil Vitória Régia/Edita, 1997:
* A Águia e o Coelho
* Clin-Clin, o Beija-Flor Mágico
* Tufi, o Elefante Equilibrista
* Seu Coelhino, em Viagem ao Sol
* O Gato-do-Mato e o Preá
* A Caçada
* O Ataque do Furadentes

Literatura Adulta:
* A Cela- Helbra/1973
Poesia:
* Antologia Poética - Edita/1980

Toponímia:
* Dicionário Geográfico e Histórico do Estado de Minas Gerais – Edita, 1986
* Dicionário Geográfico e Histórico do Estado de São Paulo – Edita, 1987

Coleção Legislação Brasileira/Edições Brasileiras/1993:
* O Condomínio e suas Leis
* Licitações e Contratações Administrativas
* A Empregada Doméstica e suas Leis
* Lei do Inquilinato
* Assédio Sexual no Local de Trabalho

Coleção Infanto/Juvenil/Edições Brasileiras/1998:
* Malta, o Peixinho-Voador no
São Chico
* Santos-Dumont, no Coração da Humanidade
* A Saga do Pau-Brasil

Dramaturgia:
* A Cela – peça adulta, adaptação do livro “A Cela”
* Flicts - adaptação do livro “Flicts”, de Ziraldo.
* Pequeno Príncipe - adaptação do livro “O Pequeno Príncipe”, de Saint Exupery
* História do Brasil, em Aula Viva - adaptação de temas históricos para teatro,aplicados em sala de aula - Edita/1978.

Ver livros nos sites: www.welingtonpinto.kit.net/

www.literaturanacional.kit.net/


www.ensinofundamental.kit.net/


www.legislacaobrasileira.kit.net

www.ministeriodacultura.kit.net/


E-mail: welingtonpinto@globo.com.br

* O livro é um instrumento importante na luta pelo desenvolvimento de uma Nação –W.A.Pinto









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