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Contos-->Histórias de um pingüim de geladeira. -- 26/11/2003 - 09:18 (Fleide Wilian R. Alves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos







        O
pingüim sobre a geladeira observava as cenas repetidas metodicamente a anos. O
chefe da família se sentava numa cabeceira da mesa, sua esposa na outra, os dois
maiores num lado e o menor no outro, perto da mãe, sempre nos mesmos lugares. O
mais novo estava por completar quatro anos e seus irmãos tinham sete e nove. Era
uma gente de poucas visitas que prezavam sempre a mesma monotonia, as mesmas
pessoas, móveis, louças, a velha falta de ruídos e uma certa falta de calor
humano.
         Na casa não se conversava
durante as refeições, por respeito ao alimento que ali se ingeria, dizia o pai.
Homem de duros modos, de caráter rígido e moral inabalável. Ele era o próprio
modelo para a criação de seus filhos, como ele mesmo tivera por modelo seu pai,
e assim por diante. Ali, quase não haviam trocas de carícias ou até mesmo
contato físico e os diálogos resumiam-se sempre a frases secas e econômicas,
pelo menos quando o pai estava presente. A mulher, muito meiga, tinha mais
contato com os filhos, contava estórias e até cantarolava um pouco durante a
arrumação da casa e a lavagem da roupa.
    
    O olhar do homem já bastava para que as crianças soubessem o
que ele queria dizer. Seu olhar, falava mais que palavras, até com a esposa era
assim. Ele não era bravo, evitava surrar os meninos e quando batia não
exagerava. No fundo era um homem bom e carinhoso, só tinha dificuldade para
expressar seus sentimentos. E como a família girava em torno do patriarca, as
relações afetivas entre seus componentes eram
delicadas.
         A mãe era calma, quase
não se ouvia sua voz. Transmitia, por seu jeito delicado e meigo de ser, uma paz
sadia, quase zen. Ela era a âncora da família, sua opinião - baseada quase
sempre em sua intuição refinada - era sempre considerada. Amava os filhos, o
marido, gostava da casa, de sua posição. Era feliz.
    
    Aconteceu que naquele dia, no início da refeição, sem que
ninguém percebesse, um enorme besouro preto com as asas brilhosas alçou vôo de
perto da porta e se dirigiu vagarosamente - sob o lhar hipnotizado de todos - ao
centro da mesa. Das asas do inseto ecoava um som grave e estéreo que 
encantou a família. Seu vôo desengonçado e suas perninhas balançando eram
admiradas com encantamento. Só após alguns segundos de deslumbramento coletivo,
o menino do meio resolveu tomar uma atitude. Pegou a colher, esticou o braço,
levou-o atrás da orelha, mirou e... zás!
    
    A colher atingiu o bichinho de raspão, a orelha do irmão mais
velho e algumas gotas de sopa da colher - que estava suja - foram parar nos
óculos da mãe.
         O mais velho
revidou no susto, o do meio xingou. O pai, encolerizado por tamanha falta de
respeito à mesa berrou:
         -O que
está acontecendo aqui?! Onde vocês pensam que...
    
    O homem não conseguiu terminar a frase porque sua dentadura
caiu dentro do prato de sopa.
        
Todos explodiram em gargalhadas, inclusive o homem, que ficou vermelho como um
pimentão mas segurou a vergonha e permaneceu á mesa limpando a dentadura com um
guardanapo para em seguida recolocá-la em seu devido
lugar.
         De repente, uma vozinha
sobressai da muvuca:
         -Mãe, tem
gosto de cocô.
Com a bagunça, ninguém percebeu que o besouro tinha caido na
panela da sopa e que o menor o tinha comido.
O susto paralisou a família por
uns segundos. A mulher foi quem primeiro se
manifestou:
         -Menino, cospe isso!
Vamos pro banheiro agora!
         -Ah
mãe, na Índia eles comem besouro, eu vi na televisão um dia desses. Tirando o
gosto de cocô é gostoso. Tem outro alí no chão, a senhora
quer?
         A mãe ri
desapercebidamente, acompanhada pelos demais, ao reparar a inocência da
criança.
         Mais tarde, o casal a
sós, relembrou o ocorrido e concordaram que aquele havia sido o jantar mais
divertido dos últimos tempos, senão, de todos os tempos.
   
     No dia seguinte, sentaram-se todos á mesa e reiniciaram
o mesmo ritual metódico, mas quando o pai pediu salada de repolho á esposa,
advertiu:
         -Sem
besouro!
 Todos riram. O mais velho emendou:
   
     -Deixa o besouro pro maninho, mas, se tiver uma aranha
eu quero!
         Assim, com uma piadinha
puxando outra, terminaram a refeição e seguiram conversando para a sala e não
ligaram a televisão. Como uma família de verdade.
   
     Dali em diante não foi mais possível ficar em silêncio
á mesa.
         No outro dia o caçula
quis cantar a canção que a professora tinha ensinado na sala de aula. Quis e
cantou, a dos dedinhos, e pediu para o pai acompanhar, depois toda a família.
Ele hesitou um pouco, mas com insistência e acompanhado por palmas
cedeu.
         A alegria despertada no
dia em que o menininho comeu um besouro contagiou todos os outros momentos de
convivência familiar. E logo a casa se encheu de amigos, parentes e pessoas
risonhas, cheias de coisas para contar.
       
 Quem gostou do que aconteceu foi o pingüim que não suportava mais tanta
mesmice. Quanto ao besouro herói, ele teve lugar garantido na memória de todos
na família. Para sempre.

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