A POLITICA DA CÃIBRA
Existe um motivo muito forte para você engajar-se a um Partido Político: a ideologia.
De acordo com os ideais que regem os estatutos da Agremiação, você dispõe-se a perfiliá-los, a juntar suas forças à quele ideário cívico e lutar com garra e altruísmo pra propagar e elevar, cada vez mais, as siglas que o representam.
O meu motivo teria sido a cãibra. Não foi erro da impressora, não. Teria sido "cãibra" mesmo, das legítimas, dessas que pegam um cristão desprevenido e retorce um pedaço dele, com ganas de arrancar fora. E geralmente atacam à traição, nas horas mais impróprias (pensando bem, qual seria a hora própria par se ter cãibra, hein?). Eu acompanhava um casal de amigos à sede de seu Partido para que fizesse presença à reunião que seria abrilhantada pela oratória de um influente visitante. O auditório estava repleto. Três lugares nos foram oferecido, junto à mesa - que o marido da minha amiga é militante assíduo e assaz importante. De imediato o orador foi apresentado à assembléia e, com ligeira curvatura, um sorriso gentil, começou a falar com ênfase e foi num crescendo, usando termos incisivos, gestos de força e firmeza, demonstrando pleno conhecimento linguístico e eloquência. A platéia, em silêncio, escutava-o, hipnotizada.
Foi daí que me deu a cãibra. O "pai-de-todos" do meu pé direito resolveu embicar para o lado do "seu-vizinho", que se viu na contingência de empurrar para fora o "dedo-mindinho",numa violência incontrolável, num vai-ou-racha abestado, querendo rasgar o meu pisante em dois. Sem que os entusiasmados presentes percebessem, tirei o sapato e vi que meu pé se abria num exagerado V da vitória. Desesperada de dor, arrebitei os dedos contra o chão frio, pressionado-os com força. Percebi um certo alívio e relaxei os músculos. Nesta altura eu já não seguia, nem sequer entendia patavina da oratória.
No momento em que o figurão fez uma pausa para molhar a garganta, o meu dedo foi de vez para o lado de lá, os tendões se esticaram como cordas de viola e a barriga da perna endureceu, toda, num bolo só, porque quis e eu que me danasse. Situação insuportável! Soltei um "ãi" nasalado, sofrido e num ímpeto pus-me de pé. O orador, de copo na mão, ficou aguardando o meu aparte. Tomada pela surpresa da confusão,sufoquei a dor, disfarcei o ar angustiado com um sorriso amarelo e com o mesmo ímpeto com que havia me levantado, afirmei em voz alta e vibrante que, se o País fosse governado por pessoas com tal poder de comunicação, nós estaríamos melhores informados. No meio da ovação geral e dos efusivos agradecimentos do orador eu me sentei, de pernas cruzadas, com o pé esquerdo sobre o direito, massacrando o dedo desgarrado. Durante o longo decorrer do falatório eu me retorci nas agruras da cãibra e por mais vezes interrompi, aos saltos, o discursador e me vi na contingência de dar apartes tão laudatórios que conquistei a admiração de todos os presentes. A reação positiva foi de tal ordem que estou convicta que se frequentasse o Partido e as cãibras me fossem fieis, chegaria a vereadora e se fossem daquelas de se arrancar os cabelos e dar murros na mesa, me elegeria deputada federal
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