Usina de Letras
Usina de Letras
150 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62213 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50606)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140798)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Literatura: a atitude estética de Mário de Andrade -- 11/07/2002 - 10:59 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Atitude Estética de Mário de Andrade



A preocupação de Mário de Andrade com os problemas estéticos remonta aos anos 20. Um exemplo são as crônicas Mestres do Passado, os comentários sobre música feitas para Klaxon e A Escrava que não é Isaura. Mário Impôs-se, gradativamente, no cenário nacional e o fez construindo uma obra que vai culminar com a adesão incondicional à realidade e ao povo brasileiro.



A reflexão sobre a situação de impasse da arte contemporânea, conforme Eduardo Jardim de Moraes (1994, p.134), parece ser a motivação das teses de Mário de Andrade. Tal impasse remonta a um processo iniciado no Renascimento, caracterizado por um exagerado experimentalismo, “em que a arte, ao mesmo tempo em que se dessocializou, teria também inaugurado o divórcio da técnica com as exigências da matéria”.



A arte já não tem – desde o século XIX – uma integração evidente entre comunidade, sociedade, igreja e a autoconsciência do artista criador. Na Antigüidade e na Idade Média, a arte possibilitava a expressão dos valores fundamentais: articulada com a experiência religiosa, não se constituía alguma coisa independente da vida daqueles povos. Não tipos, como diria Lukács, mas a expressão artística constituía “verdadeiros protótipos”, apontados para uma idealidade superior “de ordem utilitária e de função social unitarista, unicionista, unanimista” (Andrade, 1963, p.21). Não apenas um ideal de beleza, mas também uma “beleza ideal”: “exigências espirituais do indivíduo e sua finalidade” (Id., ibid., (p.21-22). O artista do século XIX não está numa comunidade, mas cria para si uma comunidade: “traz uma nova mensagem de conciliação e, como um marginal da sociedade, paga por esta pretensão, sendo com seu fazer artístico somente um artista para a arte” (Gadamer, 1985, p.16). O que expressa com isso é a cisão entre arte como religião formativa e arte como provocação do artista moderno.



A arte, desse modo, é inflacionada do homem indivíduo: a personalidade do artista passa adiante da funcionalidade da obra. Acentuou-se, pois, o individualismo moderno: “a arte ganhou em autonomia e a beleza em si mesma passou a ser encarada como um valor”, uma desidealização da beleza. A busca da beleza passou a ser toda a finalidade da arte como resultado de um processo de dessocialização e hipervalorização (Moraes, op. cit., p.136).



Na Antigüidade-Clássica, na Idade-Média e mesmo na Renascença, em que teve princípio esse processo, não teriam compreendido a idéia do artista expressar-se por meio da sua arte. Foi a exaltação romântica do artista, combinada à prioridade à originalidade a causa disto. Os homens comuns seriam beneficiados por meio da expressão do artista-gênio. Os clássicos entendiam a palavra “expressão” como os movimentos faciais, etc. No romantismo é o próprio artista-gênio que está sendo expresso. O artista se torna o tema da obra de arte. O resultado é o virtuosismo. “Artista virtuose” será a expressão de Mário, tratando do fenômeno. Vamos citá-lo num momento de sua tese que vincula individualismo moderno e a autonomização da beleza:



“A beleza se desidealiza, a beleza se materializa, se torna objeto de uma pesquisa de caráter objetivo, ao mesmo tempo que o individualismo se acentua. Nem se pode mais decidir com clareza se nas artes plásticas pelo menos, o individualismo é uma conseqüência da materialização da beleza, ou se esta é uma conseqüência daquele, de tal forma ambos se deduzem um do outro”. (Andrade, op. cit., p.22)



Subjacente está o moderno descompromisso com as exigências materiais apresentada pelo trabalho artístico. “Está se destruindo a consciência profissional”, argumenta Mário. O “humano e coletivo” conceito da técnica perde o seu caráter intrínsico à obra de arte, tornando-se “apenas um tapejara, um mentor, um Vergilio acomodatício, que acompanha o artista na descida aos infernos das suas paixões” (Id., op. cit., p.46).



A postura sugerida por Mário de Andrade implica numa “consciência técnica profissional”. A nome da realidade brasileira dever-se-ia sintonizar sensibilidade e inteligência.



“Imagino que uma verdadeira consciência técnica profissional poderá fazer com que nos condicionemos ao nosso tempo e o superemos, o desbastando de suas fugaces aparências em vez de a elas nos escravizarmos. (..) Ora, como atividade, o intelectual por definição, não é um ser político. Ele é mesmo, por excelência, o “out-law”, e tira talvez a sua maior força fecundante justo dessa imposição irremediável da “sua” verdade”. (Id., 1974, p.193)



Isto evidencia uma cruel dicotomia de comportamento, que – alias – o atormentou durante toda a vida: defende a condição de “técnico da sua inteligência”, o que inevitavelmente o torna refém da “sua verdade”. Uma predestinação messiânica repousa subjacente, uma vez que se trata do homem público enaltecido por seguidas gerações de artistas e intelectuais. A condição de “fora-da-lei”, dentro deste quadro, é inevitável.



A saída pela arte social, valorizada por muitos na época, também, é descartada por Mário de Andrade. Opõem-se ao conceito de romance de tese, redefinindo o significado do caráter social da arte: seu dirigismo gera o individualismo próprio do ambiente moderno e se torna, por fim, num meio de que lança mão o indivíduo-artista para afirmar suas intenções subjetivas. Para Mário de Andrade, a arte social estaria apenas, mais uma vez, expressando a moderna hipervalorização da figura do indivíduo-artista em toda a sua desconsideração da objetividade da própria obra. Falta ao artista, neste caso,



“aquela humanidade, aquele retorno a mero artesão que teve no Egito e mesmo na Idade Média. Deixa de ser um artista livre e não retorna a anônimo artesão. Transformou-se essencialmente num orador de comício, mas ou menos pragmaticamente disfarçado sob a máscara da arte. Enfim, ao invés de uma atitude estética ele assume uma atitude social”. (Id., 1963, p.30)



O sentido que Mário de Andrade atribui ao conceito de técnico da inteligência é da consciência revigorada pelo conhecimento do mundo e pela prática política.



“(...) não entendo por técnica do intelectual, simploriamente o artesanato de colocar bem as palavras em juízos perfeitos. Participa da técnica, tal como a entendo, dilatando agora para o intelectual o que disse noutro lugar exclusivamente para o artista, não somente o artesanato e as técnicas tradicionais adquiridas pelo estado, mas ainda a técnica pessoal, o processo de realização do indivíduo, a verdade do ser nascida sempre de sua moralidade profissional. Não tanto o assunto, mas a maneira de realizar o seu assunto”. (id., 1974, p.193-4)



A atitude estética, proposta por Mário, implica superação tanto do ponto de vista do formalismo moderno quanto da proposta da arte social. Neste sentido, questiona a dependência dos elementos ficcionais à ideologia do romancista e anuncia o que entende por caráter propriamente social da arte. Basicamente: diminuição da interferência do autor, manifestando uma forma de ruptura desinteressada com as posições individualistas. Prega, pois, que a arte nunca deve servir como “uma arma de combate”. Neste sentido, negará “aos seus calungas aquela relativa independência em que ele, autor, é um vate, um paralógico, um paraconsciente, um ‘desumano’ ... a arte desaparece, a criação se deforma e fragiliza” (Id., 1955, p.202). A atitude estética, neste caso, define o critério que deve nortear o artista para alcançar, com a superação do individualismo, a vocação social da arte.



Aprimorando-se na teoria e na experiência da vida, o crítico torna-se um técnico de sua inteligência, cumprindo com mais objetividade e consistência o seu ofício e, sendo artista, quando mais se familiarizasse com a matéria e sua “exigências naturais que condicionam o espírito” (Id., 1963, p.25), mais expressiva e convincente a sua manifestação: “a técnica entra sim em linha de conta e é por ela que o artista prevalece.” (id., 1976, p.138).



Referências Bibliográficas



ANDRADE, M. Taxi e Crônicas do Diário Nacional. São Paulo: Duas Cidades, 1976.

ANDRADE, M. O Empalhador de passarinhos. São Paulo: Martins, 1955.

ANDRADE, M. Aspectos da Literatura Brasileira. 5. ed. São Paulo: Martins, 1974.

ANDRADE, Mário de. O Baile das Quatro Artes. São Paulo: Martins, 1963.

GADAMER, Hans-Georg.. A atualidade do belo: a arte como jogo símbolo e festa. Trad. Celeste Aida Galeão. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1985.

MORAES, Eduardo Jardim de. A estética de Mário de Andrade. In: FABRIS, Annateresa (org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado das Letras, 1994. p. 133-144.



Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui