São muitos os motivos para questionamentos, porém, são ainda mais numerosas as razões pelas quais não devemos duvidar do fato de sermos todos anjos. Mais que isso até. O psicanalista e educador Rubem Alves introduziu em uma carta que fez ao empresário Roberto Marinho, o conceito de anjo engravidante. Na oportunidade, ele o convida a se transformar em um. A carta é lindíssima e seus argumentos são extremamente simples, embora abstratos. Segundo ele, anjos engravidantes são seres enviados por Deus para fecundar suas eleitas. Foi assim com Maria de Nazaré, por exemplo, fecundada por um anjo ao receber a notícia que seria mãe de um menino a quem deveria dar o nome de Jesus.
Naturalmente, o autor não estava pretendendo em sua carta que Roberto Marinho gerasse um novo Messias, mas apenas identificando no presidente das organizações Globo o potencial para engravidar toda uma nação com sonhos. Para ele, a palavra é o sêmen dos anjos engravidantes e seria através dela que o empresário iria inseminar nossa gente. Sendo isso verdade – como creio –, não é preciso muito para que possamos expandir o conceito original do autor e compreender que somos todos, potencialmente, anjos engravidantes. É claro que uns mais abastados que outros; de envergadura maior, dotados de mais poder ou eloqüência, mas todos detemos a capacidade de, através do sêmen da nossa palavra, fecundar a vida dos que nos cercam.
Ora, mas se possuímos, por um lado, o dom da palavra, por outro, possuímos o maravilhoso dom da escuta. E quão férteis são aqueles que utilizam esses dons com sabedoria. São esses os verdadeiros hermafroditas. Ventres livres para serem engravidados pela palavra do outro; corações, mentes e bocas, abertos para seduzir e fertilizar o saber do próximo.
Assim somos todos. Anjos. Potencialmente hermafroditas e engravidantes. E talvez por não termos consciência do poder que possuímos, nos emudecemos tantas vezes, ou simplesmente mantemos serrado o ventre dos nossos ouvidos, nos tornando, então, estéreis.
Seria bom se descobríssemos e usássemos logo esse poderio que nos foi confiado, pois que são anjos também os demônios. E são inquietos; possuidores de grande disposição para fecundar com seu verbo maldito esse enorme rebanho que é o mundo. Se quisermos, portanto, torna-lo melhor ou emprestar-lhe nossas feições, é bom que estejamos preparados e motivados para fecundar com nossos ideais, todos aqueles nos quais pudermos tocar as asas.
