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Artigos-->A Insurreição do Neobarroco -- 12/07/2002 - 22:26 (Abilio Terra Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Insurreição do Neobarroco



Autor: ? (não sei quem é o autor desse texto. Se alguém souber, por favor, me comunique)



Seria o barroco a estética de uma época determinada - o século XVI, era da contra-reforma, do absolutismo, da navegação - ou é uma forma transistória que reapareceria em momentos caóticos, convulsivos? Esta questão, formulada por Néstor Perlongher, já foi debatida por críticos como Ernst Curtius, para quem o barroco é cíclico, ressurgindo em períodos de saturação de classicismo. Haroldo de Campos, entende essa ars poetica como atemporal, supra-espacial, com manifestações na Grécia helenística, na China da dinastia T ang, no Brasil-Colônia. Numa época em que "tudo é grito, tudo desordem, tudo confusão (Vieira), o terreno estaria fértil para essa arte do caos, da crise, da conturbação. Não é estranho, aliás, que tenha renascido na América Latina, continente perturbado pelas contradições entre o arcaico e o moderno, a subnutrição e a informática. Ele incorpora esse conflito em seus processos textuais, assume o caráter fragmentário, inquieto, do contexto social via linguagem, fazendo de seu tecido estético um ícone da violência e da loucura que vivemos. Nessa operação, recupera a fala do Outro, do excluído, do marginal. Alimenta-se do popular, do kitsch, do carnavalesco, do maravilhoso, mesclados a referências cultas, e mesmo enciclopédicas. Conforme observou González Echevarria, "o barroco é uma arte furiosamente antiocidental, pronta a se aliar, a entrar em misturas bastardas com culturas não-ocidentais". Lezama Lima voltou-se aos índios e negros, sacrificados na colonização. José Kozer, em seus poemas, incorpora elementos chineses e japoneses. Severo Sarduy enfoca os travestis e o submundo. O herói é o Outro, aquele que é belo porque é diferente de mim.

Conforme J. Rousset, "o barroco se alimenta, por princípio, de um gérmen de hostilidade contra a obra acabada, inimigo de qualquer forma estável; ele é impelido por seu próprio demônio a se superar sempre e a desfazer sua forma no exato momento em que a inventa, para se alçar em direção a outra forma". Uma subversão estética, no plano da macroestrutura, similar ao que ocorre a nível de linguagem: sua prosódia consegue, pela saturação de signos, romper com os limites das normas comunicativas. Esse tumulto intencional, dentro da função poética, produz labirintos verbais próprios da metalinguagem. Diluindo o significado habitual das palavras, cria novas realidades, realidades estéticas. Ou, para citarmos Irlemar Chiampi: "Um emaranhado inflacionário de estratos e camadas, de simultaneidades e sincronias que não alcançam a unificação". Não é casual que Góngora, Quevedo, Donne, tenham sido acusados de "obscuros", "herméticos", ou "metafísicos" e excluídos das antologias pela ditadura da clareza e da objetividade.

Somente no século XX, graças aos esforços de García Lorca, T. S. Eliot e Ezra Pound, é que o barroco recuperou o seu lugar de honra, após séculos de silêncio ou maledicência. No Brasil, tivemos o caso de Gregório de Matos, tirado do limbo por James Amado e Haroldo de Campos. A inquisição da crítica contra esse "artesanato furioso" (Marino) teve um forte motivo: foi o primeiro ensaio de uma linguagem poética absoluta, retomada depois no Simbolismo. O tempo é fragmentado, o movimento é paralisado, o sujeito perde-se no mar de palavras. Esse desprendimento, ou aniquilação do ego, é algo próximo do estado de gozo espiritual dos místicos e, não por acaso, fala-se em poética do êxtase e utopia do estético. Para Lezama Lima, a poesia é um "conhecimento absoluto", capaz de substituir a religião.

Todos os traços do barroco aqui citados o afastam nitidamente do classicismo e de seu avatara, o realismo, ainda forte no romance e no cinema. Tarefa mais árdua, porém, é compreender sua relação com a modernidade. A poesia, no século XX, aproximou-se dos processos industriais, dos meios de comunicação, da pesquisa científica, elegendo o "moderno" como paradigma, em oposição ao "belo". Buscou a síntese, a objetividade, a "palavra exata", incorporando a visão mecanicista de mundo projetada por Smith, Ricardo e Marx, contra o subjetivismo lírico e metafísico de românticos e simbolistas. A afirmação da poesia como arte industrial se manifestou em Maiakovski, Apollinaire, Oswald de Andrade, no concretismo. No "admirável mundo novo" da máquina e da técnica, porém, problemas sociais como a fome, a guerra, a mortalidade infantil e as epidemias - os Quatro Cavaleiros do Apocalipse - continuam a infligir dor; a reação inevitável seria questionar a idéia de progresso, em sua essência ideológica e em suas representações. O Neobarroco, com certeza, é uma resposta à modernidade.

O termo surgiu pela primeira vez em artigo de Severo Sarduy, publicado em 1972, quase meio século após a célebre conferência de Lorca, ponto de partida para a revalorização de Góngora. O movimento não é uma "escola", não possui princípios normativos como o verso livre ou as "palavras em liberdade". Para alguns, é um exercício de sensibilidade, para outros, uma postura filosófica ou tema de discussão acadêmica. Édouard Glissant o define como "uma maneira de viver a unidade-diversidade do mundo", e Néstor Perlongher o caracteriza como "um estado de espírito coletivo que marca o clima, caracteriza uma época". O Neobarroco não é uma vanguarda; não se preocupa em ser novidade. Ele se apropria de fórmulas anteriores, remodelando-as, como argila, para compor o seu discurso; dá um novo sentido a estruturas consolidadas - o soneto, a novela, o romance - perturbando-as. O ponto de contato entre o neobarroco e a modernidade está na metalinguagem, na procura de vastos oceanos de linguagem pura, assimilando neologismos, arcaísmos, paronomásias, numa polifonia verbal. Seus contrários são o minimalismo e a estética clean dos comerciais de televisão. Para alguns críticos, como Irlemar Chiampi, o Neobarroco seria um pós-modernismo, por sua ruptura com a historicidade e pelo descentramento do sujeito; para outros, há uma conexão entre o barroquismo e uma certa linha do modernismo, que inclui o Ulisses de James Joyce, a música de Stravinski, a pintura de Picasso. Há quem diga que o surrealismo é uma forma de barroco. Seria mais prudente, talvez, afirmar que há faíscas barroquizantes cintilando nas alegorias e jogos vocabulares da modernidade, mas com outro espírito, impregnado pelo estrondo das maquinarias.

Na América Latina, cuja formação histórica aconteceu no período da contra-reforma, essas faíscas iluminaram a poesia de autores do início do século XX, como Huidobro (Altazor), Girondo (En la Masmédula), Vallejo (Trilce) e, involuntariamente, talvez, Jorge Luis Borges. Entre os autores dos anos 50, os mais notáveis são os romancistas: os cubanos Lezama Lima (Paradiso), Severo Sarduy (Cobra) e Alejo Carpentier (Concerto Barroco). Cuba, aliás, é o berço histórico do Neobarroco, que irradiou no continente. No Brasil, obras como Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Galáxias (1963-73), de Haroldo de Campos, e Catatau (1975), de Paulo Leminski, têm fortes traços barroquizantes. Entre os poetas, devemos citar o uruguaio Eduardo Milán, o cubano José Kozer e o argentino Néstor Perlongher. São três poetas de invenção. Eduardo Milán, em poemas como "Estação da Fábula" e "Neval: Nervuras", trabalha com a síntese, a geometria e o espaço em branco da página, à la Mallarmé; mas o fluxo metafórico, a pesquisa vocabular e a sobrecarga imagética têm ecos de Góngora. José Kozer, em poemas como "Geometria da Água", "1953" e outros poemas mescla o passado e o presente, o Ocidente e o Oriente, numa abundante floresta de arabescos, ritmos e cores fulgurantes. Néstor Perlongher, em "O Ahuasqueiro", poema em prosa experimental, mescla o popular ao erudito, o real ao fantástico, em imagens delirantes. A produção poética do Neobarroco, porém, é iregular; ao lado de autores que pesquisam, têm consciência da linguagem, há outros que são apenas diluidores, de importância circunstancial. Se o movimento, rico em idéias, com desdobramentos no romance, no cinema (Peter Greenaway), na poesia, na música, na arquitetura, dará origem a uma escritura nova, é algo que não podemos prever; se é um sintoma da crise das vanguardas, da "decadência", ou o início de uma nova literatura, ainda é cedo para julgar. Do Neobarroco, para citar Mallarmé, pode surgir rien ou presque un art. Sem a crise, sem o caos, não pode haver criação.













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