Usina de Letras
Usina de Letras
143 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62213 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50606)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140798)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->EuigualaVocêdiferentedeNós -- 11/12/2003 - 10:24 (Julianna Granjeia Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Acho que sei pouco de você, mas o suficiente para desconfiar da sua real existência. Como se houvesse um espaço em branco entre sua luz e o meu escuro. De nós, sei menos ainda, apenas conheço o nosso equilíbrio, entre eu e você, uma sombra.
Estou me afastando, talvez seja você indo embora e preciso que me compreenda antes que eu suma de vez. Tento ir devagar, mas você corre apressado. Eu noto que cada dia que passa você se torna mais amargo, mais triste, mais fechado, como um gato escaldado, todo arrepiado, gemendo, mas não de prazer, e sim de medo, de angústia, de sei lá o quê. Nem você sabe. Preciso tentar por ordem: me entenda, não é você que se afasta, mas algo dentro de você se afasta, te leva pra longe... Dentro de mim, eu espio seus movimentos, tento adivinhar seus pensamentos, eu observo de fora de nós. Mas não me atrevo.
Deve haver algum sentido nisso tudo ou no que virá depois. As pombas que pousam na minha janela são cinzas, os telhados intermináveis também, mas o céu tem um tom azulado insuportável, chega a ser irônico. Os ruídos são sinistros. Mas não quero me apressar.
Não choro mais. Sequei, por dentro e por fora. Chorava quando havia dor, agora não sei mais o que é sentimento. Será que você pode me responder? Acho que não, você anda tão ou mais confuso que eu.
Às vezes consigo parar, olhar além da janela, mas de dentro do trem a paisagem nunca é fixa e confunde minhas idéias ainda mais. Tudo se mistura, a árvore com o concreto, o céu e a terra, eu e você.
Daquela última vez, ficou o suor gélido nas mãos e o frio na barriga, nunca vou saber se foi bom ou não. Só sei que não quero ter mais esta sensação. Eu me apertava com as palmas das mãos molhadas sem saber se me deixava ir, se voltava ou se permanecia quieta, imóvel entre aqueles pontos alucinados de luz que giravam em volta de mim. Acho que gritei, mas você me calou.
O que virá depois? Pergunto então para você, ou para as pombas, tanto faz, e sinto que talvez exista um feito qualquer no futuro à minha espera. Faz tempo que não descanso, mas toda vez que tento me sinto culpada. Alguém me entende? Ah... não importa!
Novamente me sinto enjoada, enojada, e vomito meu desejo e o seu. Meu olhar, suas mãos, nossos corpos, tudo muito confuso. Não consigo colocar em ordem mais nada, talvez você entenda e pare pra me ouvir, talvez você não entenda e desapareça. Ou ainda você entenda e queira ir embora do mesmo jeito, com mais pressa.
Já reparou como o mundo é feito de pontas e arestas? Tudo é duro e fere. A suavidade anda escassa. Observo como tenta andar dócil, sinuoso, evitando toques para não me machucar. Tudo falso, conheço bem suas tramas e sei muito bem que todas as vezes que se esquivou, foi para se proteger e não percebeu que dessa maneira me feria violentamente.
A cada tentativa, você me pressente e me rechaça, me empurra para o fundo de si para que eu não o desmascare. E me rouba a voz, e me leva o gesto, fazendo com que me cale e me imobilize impotente entre as pontas duras das quais a gente tenta se desviar, como bailarinos equivocados capazes de quaisquer baixezas pelo solo principal. Sem testemunhas, tento desmascarar nós dois, enquanto me lavo escuto escorrer a água com que eu suponho lavar toda a sujeira impregnada em mim.
Mas não adianta. Eu te investigo, eu te busco, te suspeito cúmplice de meus crimes e pecados. Espero a tua ajuda, e insisto em perguntar, você está entendendo? Agora ou nunca?
Lembra da janela? Então, tem cacos de vidros nela, grandes e verdes, nos quais o sol reflete seus raios e cega meus olhos. Não estou bem. Você deve estar me perguntando: porque você não salta pela janela? Eu já tentei, mas a porra da janela não abre, está trancada. Será que você não tem a chave?
Sinto uma leve brisa quente tocando meus cabelos e imagino ser os seus dedos. Tenho quase certeza que sinto seu toque, seu abraço apertado. Não, não diga nada. Prefiro não saber que não, nem que sim. Você me despreza por estar aqui, assim parado? Poderíamos saltar juntos pela janela, e talvez você me tomasse pela mão e me ajudasse a levantar do chão, da queda. Sei que você me tiraria daquele quarto escuro, daquela janela, e ainda mataria uma a uma aquelas malditas pombas. E aí sim, poderíamos sentar em frente de casa, sem ninguém, só nós dois, para observar as estrelas dessa noite quente de dezembro.
Queria acreditar que é esse o sentido, que será esse o depois. Mas sei que não posso, não devo. Já faz tempo, que como hoje, em que por mais que minta eu sequer consigo ver você. Esqueci seu rosto, mas não te esqueci. Acho que isso é saudade. Você sabe o nome disso que eu estou sentindo? Acho que não, há tempos que você não se preocupa mais comigo.
Agora só escuto meus dentes rangendo e os ruídos do meu estômago. Tudo isso me perturba muito. Leve-me daqui, eu imploro. Meus dias sempre são como uma véspera de partida. Movimento-me cautelosamente entre as pontas, como uma verdadeira bailarina que eu nunca fui, como quem sabe que a qualquer momento não vai mais estar presente. As malas estão prontas, não me despedi de ninguém. Não gosto de despedidas. São mais tristes que eu. Caminhando de um lado para o outro na estação, só me resta olhar as coisas vagarosamente, mas sem nenhuma atenção, sem emoção, sem nenhuma vontade de ficar. As coisas todas se parecem a si próprias. Os bancos servem para sentar, os vasos para se colocarem flores e sua boca para ser beijada por mim. Nada vai modificar o estar das coisas, e minha partida ontem, hoje ou amanhã, não mudará coisa alguma, cada coisa se parece exatamente com que ela é, ou não. Assim eu própria, me parecendo a mim mesma, de um lado para outro, entre jornais sangrentos, cervejas amargas e a certeza de que o único fato que poderia deter minha partida seria a sua aceitação do meu convite: não quer me ajudar?
Tentei te avisar que a Lua estava passando por Escorpião, não adiantou. Você nunca acreditou nessas coisas, pra falar a verdade eu também não. Mas não deixava de ser uma explicação, um motivo, uma esperança. Sua fé que se dizia inabalável, seu Deus que resolvia tudo, começou a perder o sentido, a força. Seu fanatismo cegou sua razão e te levou pra longe. A todo momento estávamos à prova. Mas você ao invés de encarar como um homem de fé corajoso, resolveu fugir como um filho covarde.
Não sei o que gostaria que você me falasse agora. Talvez "Vai passar, está tudo bem" ou "Dorme que eu tomo conta de você". Revirando minhas coisas, buscando algo que não sei o que é, achei uma carta, uma oração, que parece feita por mim: "eu não estou esperando por esse homem que não é só esse mas todos e nenhum como uma sede do que nunca bebi sem forma de águas apenas na estreiteza do aquiagora eu espero por ele desde que nasci e desde sempre soube que na hora da minha morte misturando memórias e delírios e antevisões um pouco antes a última coisa que perguntarei seria um mas onde está mas onde esteve esse tempo todo que lanhei sem ti e para me alegrar depois quem sabe talvez enfim desista ou sorria lindo sem dentes sorria luminoso na escuridão da minha boca sorria vasto como nunca foi possível e cuspa qualquer coisa como então você esteve sempre aí uma vida de procuras sem te achar e silêncio para então morrer de morte morrida sem volta de vida gasta marcada de muitas cicatrizes de vida retalhada por muitos cortes mas nunca mortais a ponto de impedir este ridículo até na hora de minha morte amém." E tento me recompor, recompor você.
Não sei ao certo quem se afastou, se fui eu, se foi você ou se foi nós dois. Mas eu atravessava o precipício de um lado para o outro, não voltaria e nem iria em frente. Então olhei para cima e parei, o céu continuava lá zombando de mim, parei com medo abismo.
Agora posso perceber que é pelos corredores escuros de um labirinto que estamos caminhando, tateando, nós dois, à procura de uma saída. Acho que não entende. O seu labirinto em mim, o meu labirinto em você, o nosso labirinto. Também não entendo.
Preciso parar, estou cansada. Essa luz na minha cabeça, não sei se é compreensão ou loucura. É de mim, de você ou de nós esse sonho que escuto, contado por uma voz conhecida? Como se fosse eu, você sobe no meu palco, entra no meu sonho e faz o papel de alguém que não existe, que não veio, de alguém que quero esquecer. E depois me diz que nunca viu a peça, que não sabe dançar, que não leu o texto e nada sabe de marcações, de intenções e tenta me convencer que é só um sonho e que sonhos não precisam de ensaios e começa a rir e foge. Eu gritei muito alto, com toda minha força, por muito tempo, mas ninguém me ouviu, você não ouviu, ou não quis me ouvir.
E caminhamos confusos em busca de um teatro próprio para entrar em cena e desempenhar tão bem o nosso papel quanto possamos, para convencer a todos da platéia. Então procuramos uma resposta dentro de um teatro, de um labirinto, de uma ponta, através de uma janela. E tentamos não pensar, ou pensamos, sim eu penso, não sei, você não sabe e talvez ninguém saiba onde está escondido o nosso papel, ou talvez estará perdido ou ninguém decorou o texto.
Talvez nossos papéis sejam não saber qual é o nosso papel e tudo pode ser certo ou errado, a aparente desordem de todas as coisas e sentimentos é o caos girando desordenado, mas é assim que deve ser o caos, e assim eu mergulho, você mergulha, nós mergulhamos. Nossos passos desequilibrados tentam se estabilizar no fio da navalha. Mas sei, sabe, sabemos que aquela janela, lembra daquela janela das pombas?, então um dia ela será aberta e não falta muito tempo para isso. E o que teremos descobertos, o que vamos deixar? Só sei que igual ou diferente, você se afastou, eu me afastei, nós fugimos.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui