Usina de Letras
Usina de Letras
149 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62072 )

Cartas ( 21333)

Contos (13257)

Cordel (10446)

Cronicas (22535)

Discursos (3237)

Ensaios - (10301)

Erótico (13562)

Frases (50478)

Humor (20016)

Infantil (5407)

Infanto Juvenil (4744)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140761)

Redação (3296)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6163)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O PSICOPATA NATURAL -- 12/12/2003 - 08:58 (Antonio Perdizes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PSICOPATA NATURAL

Toda a vez que escuto o canto dos bem-te-vis vem a vontade de retornar a minha infância, porque hoje eu já não sei mais como acabar com eles, mas naquela época eu era criativo, meus inimigos eram os pardais e os ratos.
Os bem-te-vis invadiram a cidade e estão por toda parte, são uns metidos acabaram com o ninho do caga-sebo no pinheirinho da varanda do meu apartamento, simplesmente quando o ninho já estava pronto arrancaram tudo e levaram embora, duas vezes seguidas, acharam mais fácil pegar a palha dos ninhos prontos do que procurar a sua. Eu fui espantá-los e encarei um frente a frente ele tem o olhar de mau, de cabra safado vigarista.
Eles moram na parte mais alta, nas antenas e caixas d’água dos prédios, como que para dominar, controlar tudo e ficam dando aquele grito irritante, não é um canto ou um trinado como um passarinho normal, é um grito aporrinhador. Depois do que eles fizeram com os caga-sebos eu só penso em acabar com eles. Na minha infância eu já teria bolado um plano, uma estratégia de combate e dizimado a espécie, hoje não estou preparado para a guerra.

Os pardais viraram meus inimigos porque atacavam a horta da minha mãe, ela tão caprichosa em plantar alface e toda a espécie de hortaliças, figos, pêssegos e caquis, eles tão zelosos em atacar e destruir, bastava um figo ficar maduro e lá iam eles, o pé de alface mal brotava e já era atacado. Capturei alguns e tentei criar numa gaiola, mas eles iam murchando e em poucos dias morriam, aí eu decidi que queria todos numa panela, uma fritada de pardais, mas para isso eu deveria capturar o maior número possível no menor tempo para que eles não morressem antes.
Arrumei um sócio para a empreitada, meu amigo Roberto, não era trabalho para uma só pessoa. Comprei uma tela para construir uma gaiola grande, ou seja, uma prisão. Arrumei diversos alçapões e arapucas, fiz uma excursão pelo mato aonde retirei o visgo de uma planta e fiz umas varas de visgo para que quando eles pousassem nelas suas patas ficassem presas, coladas.
Com todo o material pronto pedi licença para usar o pátio de toda a vizinhança e parti para a guerra. Primeiro capturei diversos filhotes e os coloquei em gaiolas para servir como isca. Eles piavam de fome chamando a mãe e lá ia ela parar no alçapão e depois na prisão. Outros incautos ficavam presos nas varas grudentas e íamos fazendo a colheita, a comida espalhada embaixo das arapucas também fazia seu estrago.
Difícil era capturar um pardal macho, ele é todo pintado mais bonito do que a fêmea. Esperto e arredio, não caia em armadilhas e pressentia a presença de alguém a distancia. Para estes o segredo é não ter pressa, ganhar sua confiança, depois de muito tempo ele acabaria sendo atraído por algum filhote e cairia em algum alçapão. Desenvolvemos estratégias, táticas e nossos instintos de homem caçador e predador que se situa no topo da cadeia alimentar, foi utilizado ao máximo.

Depois de três dias já havíamos capturado mais de cem pardais e eram poucos os que ficaram livres voando pelos telhados e, então, resolvemos que havia chegado a hora de matar todos e só aí foi que verificamos o trabalho que ia dar, capturá-los foi pura diversão, mas matar, arrancar suas penas abrir o bucho para arrancar tripas e estômagos não era nada divertido, apelamos para nossas mães, elas não quiseram colaborar e ainda por cima mandaram abrir a porta do presídio.
Fiquei irredutível. Soltar aqueles bandidos? Nunca! Para tornar o fato consumado peguei um a um de dentro da gaiola pelas patas traseiras e arremessava suas cabeças de encontro a uma pedra, morriam na hora. Arrancamos suas penas e, aí, a mãe de Roberto, vendo que não tinha mais jeito, ajudou na limpeza e preparação.
Convidei a turma para a festa, não gostei do gosto de pardal, eram muito pequeninos, não era possível separar os ossos e então se comia com osso e tudo, aquilo ficou um pouco indigesto e depois de uns dois ou três, larguei meu prato e deixei aquela comida para lá, mas a turma que não havia participado da caçada devorou tudo e ainda perguntaram: Era só aquilo? Não tinha mais?

Hoje olhando para aquele bem-te-vi pousado lá no alto da antena do prédio vizinho, fora da mira de uma espingarda de pressão, fico pensando em como eu era um ótimo estrategista, na certa daria um jeito para acabar com este bem-te-vi. Eu sempre conseguia capturar outros passarinhos para criar na gaiola. Íamos para o mato, com a gaiola de alçapão, para pegar coleiros, pintassilgos, canários da terra, mas só os mais novinhos e de preferência os machos porque cantavam, não adiantava passarinho já adulto, eles não se acostumavam atrás das grades e morriam, os novinhos acabavam se acostumando, e depois de algum tempo negociava eles com algum amigo em troca de alguma outra coisa, uma revista de mulher pelada, um pião.

Somente uma vez fiquei, alguns dias, sentido por ter matado um passarinho. Estava no meio do mato, numa trilha, quando surgiu na minha frente um casal de passarinhos silvestres, destes que pouca gente sabe o nome, apontei meu estilingue e disparei acertando em cheio, peguei o pássaro na mão e ele deu uma olhada nos meus olhos antes de dar o último suspiro e morrer. Deveríamos todos passar por isto: é uma experiência enriquecedora ver sua própria vitima morrendo em suas mãos. Fiquei sentido porque eram passarinhos daqueles que não incomodavam ninguém e eu não matava este tipo de passarinho, não era minha intenção, a culpa foi dele que parou na minha frente. A fêmea ficou viúva.
Também gostava de acabar com os ratos, armar uma ratoeira era comigo mesmo, é preciso também usar de estratégia; a posição, tamanho e qualidade do queijo, tipo de ratoeira, etc.. e quando algum ficava preso só pelo rabo, ou por uma pata e continuava ali vivo me esperando para acabar com a vida dele, matava sem piedade, só achava ruim ter de limpar as marcas de sangue.
Também achava natural matar o excesso de gatinhos quando a gata dava cria, se tinha seis eu eliminava uns três ou quatro, para que tanto gato? Usava o jeito tradicional de matar gatos que é por afogamento, enfiava-os num saco plástico com pedras e jogava no rio.

Todo o animal tem o seu jeito de matar, não é a toa que se mata uma galinha torcendo o pescoço, ninguém apunhala uma galinha no coração. Matar formiga com inseticida não tem graça, o bom é vê-las queimando. O porco grita forte num misto de dor e histeria, não sei como ele pressente que vai ser morto e , então, é preciso firmeza para enfiar a faca e não desistir. Acho que é por isso que todos matam uma cobra ou um peixe sem piedade, aquilo que chamam de pescaria não é outra coisa senão uma maneira de matar peixe, eles matam sem dó porque peixe não grita, se peixe gritasse, com o bando de frouxos que existe no mundo, estariam salvos.
Outro exemplo de como é preciso saber matar foi quando meu amigo Roberto criou uns coelhos e na hora de matar me convocou. Eu nunca havia matado um, mas havia ouvido falar que coelho se mata pegando pelas orelhas e dando uma paulada na cabeça e foi o que fiz, mas o coelho não queria morrer, eu batia e ele continuava vivo, tremendo da cabeça aos pés, não podia deixá-lo assim: machucado e sofrendo, nem vivo, nem morto. Aí o Roberto apontou para o machado de cortar lenha e colocou o coelho, com a cabeça estendida, sobre um cepo de madeira eu ainda dei duas machadadas para cortar a cabeça fora. Eu não quis comer a carne deste coelho.

Fico imaginando um menino de hoje, preso numa ilha deserta só com um porco, uma galinha e uma faca, para ajudar. Ele vai morrer de fome e o porco e a galinha, que nem é carnívora, é que sobreviverão se alimentando de sua carne. Estamos perdendo nosso instinto animal, o homem transferiu esta bagagem primitiva para outras atividades, onde antes era a luta para se alimentar e sobreviver, hoje é a luta para ganhar cada vez mais dinheiro para comprar mais bens supérfluos, explorar seu semelhante e ficar mais rico para viajar para a Europa a cada seis meses.
Perseguir um cachorro a pedradas, dar uns tiros em algum animal de caça é uma coisa que está intimamente ligada a nossos instintos.
Enquanto eu escrevia surgiu uma idéia de como pegar estes bem-te-vis: vou comprar um binóculo para observar onde ficam seus ninhos e depois vou dar um jeito de chegar lá. Estou começando a ficar animado novamente.

Antonio Perdizes
antoperd@cidadeinternet.com.br






Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui