Usina de Letras
Usina de Letras
135 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62186 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22533)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50586)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->À Sombra do Jatobá - Epílogo -- 14/12/2003 - 21:14 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – Epílogo.


Januário, em seu velho Ford guiava devagar. Já não confiava em seus olhos, e muito menos em seus reflexos. De uns tempos para cá, vinha sofrendo, repentinamente, falta de ar, quando uma tosse cardíaca parecia sufocá-lo. O velho coração demonstrava o seu cansaço.

O médico vinha profundamente abalado e abatido, com o estado de saúde de Delfina.

- Hoje eu lhe fiz a última visita... Velha renitente! Mais teimosa que uma mula! Diz que vai morrer e, pelo jeito vai mesmo. Não estarei lá para chorar por ela. Não mesmo! Eu juro! Não mesmo!

Um soluço cortou-lhe os pensamentos. Sentiu um nó apertar-lhe, doloridamente, a garganta. Meio cego pelas lágrimas, encostou o carro fora da estrada, parou e, inclinando a cabeça completamente branca sobres os braços, em cima da direção, chorou profundamente, livremente. Sofreu todo o abandono do mundo, toda a solidão e amargura, todo o desencanto de uma vida de frustrações.

Enxugando os olhos e assoando o nariz, Januário deu novamente partida no carro. Desviando do caminho costumeiro, rodou mais uns quilômetros e avistou a ponte sobre o rio Curú, na saída da cidade.

- Ah! Ele já devia, há muito tempo, ter tomado este rumo – pensava Januário – vivera anos e anos acorrentado àquele lugar, detestando a vida que levava, detestando o ar que respirava e mantendo com seus moradores um simulacro de amizade. Por quê? Porque Delfina estava lá! E mesmo nos dez anos de casada e morando em Recife, ele recebia notícias dela através dos seus parentes e podia vê-la quando de suas visitas à família. Ele fora o maior espectador que se possa ter conhecimento! Havia desperdiçado a juventude, numa vida rotineira e estúpida; jogara fora oportunidades de subir em sua profissão.

De repente, o sentimento de fracasso se agigantou e o envolveu. Ela estava lá, velha, enrugada e ainda prepotente: “Vou, porque vou morrer!” Antecipara-se à Magra, recebia-a como a uma amiga, num encontro marcado, detalhadamente calculado.

Quando entrara em seu quarto naquela tarde, Delfina esperava por ele; talvez estivesse enganado, mas percebera um ar de triunfo em suas feições, um brilho malicioso no fundo de suas pupilas:

- Escuta, Januário. Escuta, pela última vez, o meu coração, esta velha máquina.

Ele respondera:

- Não fale bobagem, Delfina. Ele continua forte! – e mentalmente acrescentara – frio e duro como uma pedra!

- Não se engane nem tente me enganar, Januário. Estou de partida, você sabe disso; e olha, vá tratando de se preparar também; na nossa idade, nunca se sabe...

Foi daí que ele percebeu o quanto a odiava; foi aí que ele renegou toda a sua vida perdida, toda a sua submissão ao destino desumano que o convertera num fantoche calado, sofrido, daquela mulher. Ah, se ele tivesse um pouco de sangue nas veias, ele a sufocaria com o travesseiro, ele a chamaria de maldita... Maldita!

Não, não ficaria nem mais um instante perto dela, não suportaria nem mais um segundo ser olhado com pouco caso, nem se mostraria rastejante, a implorar que ela não se fosse... não se fosse!

Januário havia respirado fundo, erguera a cabeça e, tomando uma atitude de profissional, a aconselhara, em voz firme:

- Vá tratando de se cuidar e tomar os seus remédios. Você tem ainda muitos anos de vida. Passe bem, Delfina!

Teve a impressão de ouvi-la rir:

_ Até lá, Januário, meu velho. Até lá!

Ouvira, mesmo?

O caminho tornara-se difícil. De repente, a ponte surgiu na sua frente, com sua passagem estreita, que afunilava na cabeceira. Sentiu que o carro se desgovernava e se metia na ribanceira e foi detido, na queda, por duas árvores. Levado pelo susto, seu coração explodiu em seu peito...

Uma brisa suave tocou seus cabelos brancos, dançou em sua face lívida.

O motorista de um caminhão que passava pelo local assistiu o acidente. Correu para acudir, mas compreendeu que nada podia fazer. Dirigiu-se para a cidade e foi avisar na delegacia.

O dr. Filinto, o atual delegado, comparecendo no lugar do acidente, providenciou a remoção do corpo e, depois dos trâmites rotineiros, permitiu que Matilde o levasse para casa. Eram sete horas da noite.

----xxxx----

Toda a família, atendendo ao chamado de Miloca se dirigia para a fazenda Esperança. Manfredo, viúvo, foi o primeiro a chegar de Sobral, e sofria as despedidas de Delfina. Sim, porque ela se despedia dele a todo instante, aproveitando o único ouvinte:

- Manfredo, meu velho – dizia - vá tratando de botar por escrito as suas vontades, os seus legados. Olha que a Magra pode chegar de improviso...

- Credo, mana! Deixe de agouro!

- Agouro não! Estou indo! Já escrevi tudo que tinha de escrever, já leguei tudo o que devia legar, parto sem deixar trabalho para os vivos – depois, estalando a língua, revirava os olhinhos miúdos para o lado do irmão e continuava, conselheira – aproveita para lavar a alma dos pecados, Manfredo...

- Que pecados, Delfina? – já indignado – Eu vim para estar em sua companhia, mas se você quer me quizilar, vou embora agora!

Delfina sorriu, maliciosa:

- Deixa de besteira, Manfredo. Eu sei que você veio para assistir a minha hora e lhe sou grata, mas, já que está aqui, não vou deixar de lhe abrir os olhos. Trate de por preto no branco nos seus legados, para os filhos continuarem amigos. Herança mal dividida é briga na certa... Trate de ir limpando a consciência também, qualquer pecadinho varrido serve de alívio no fim... Aproveita a visita do padre Jesuíno, hoje à noite...

- Padre Jesuíno está mais velho que nós dois, Delfina. Acho que nem entende o que a gente fala.

- Faz mal não. É como se a gente falasse com a própria cruz do Cristo, que por ter estado bem junto do corpo Dele, se santificou. Passou de instrumento de tortura para símbolo de Fé e Santidade. Padre Jesuíno, velhinho e surdo, limpa a alma de quem chegar perto dele.

Delfina falava com certa dificuldade, mas tinha tal necessidade de se comunicar que tirava forças do velho corpo de maneira inacreditável.

Miloca, senhora de si, solteira nos seus quarenta anos e que herdara da mãe não só a beleza, mas a disposição e energia, atendia a todos e os acomodava nos numerosos quartos da fazenda. Os que chegavam já iam se inteirando da “despedida” inusitada e, ao mesmo tempo, indagavam quem ainda faltava chegar. Ana e Chico, de manhã cedo, com os filhos, haviam visitado Delfina e logo voltaram para casa; não queriam encontrar Arnaldo e Elvira, que estavam para chegar.

A chegada de Vadico produziu um verdadeiro alvoroço: Miloca correu a abraçá-lo e sentindo nele o único verdadeiro apoio, pois sabia do seu amor completo e desinteressado pela irmã, afundou o rosto no seu ombro e, pela primeira vez, deixou que o pranto corresse livre. Todos o receberam de maneira especial, como a um líder, que, pela sua conduta durante toda a vida, tinha conquistado o total respeito de Delfina.

À tarde, um táxi parou no terreiro e Elvira desceu, ajudada por Arnaldo. Foi espanto geral, pois nunca mais haviam posto os olhos no casal. Miloca havia telefonado para eles e os dois, também envelhecidos, mas rijos ainda, não titubearam em vir se despedir do esteio da família. Não titubearam em tomar o avião em Recife e vir dar adeus à irmã e amiga que os havia amparado, que os havia juntado novamente no caminho da vida. Não se preocuparam como seriam recebidos na fazenda.

Teobaldo não os reconheceu a princípio e os recebeu no topo da escada. Ao apertar a mão de Arnaldo, levou um susto tremendo: aqueles olhos verdes não o enganavam! Um calafrio percorreu seu corpo. Os dois estremeceram, ficaram indecisos e atrapalhados, por se reconheceram num aperto de mãos. Tomando consciência da situação e do momento que os unia, Teobaldo sacudiu suavemente a mão de Arnaldo e, segurando em seu braço, convidou-o para entrar na casa.

Lá no quarto Delfina se preparava:

- È este vestido não, Miloca! Eu quero aquele, com folhas de café com leite! Aquele que eu sempre reservei para meu enterro; tá esquecida, Miloca?

- Não, mamãe, estou nervosa! Não sei porque a senhora não deixa disso... Se a senhora pensa em morrer, pode pensar em viver também, por favor!

- Não me descorçoa, Miloca! Eu disse que vou, e vou! Me vista meu vestido e veja se meus pés estão bem limpos! – depois, parou um pouco de falar, respirou fundo, e logo continuou, desta vez recriminando - eu disse para você comprar o meu caixão!

- Mãe, como pode falar assim? Pensar nisto?

A voz de Delfina ia enfraquecendo. Seu olhar vivo ia se esmaecendo.

- Miloca – murmurou – já que o Arnaldo teve coragem de enfrentar a família, não deixe ele se afastar novamente. Cuide dos dois, Miloca. São nossos!

- Eu cuido, mãinha, eu cuido. Fique sossegada.

Miloca arrumava a velhinha e chorava de mansinho.

Lá na sala o silêncio era total. Quando padre Jesuíno chegou, à noitinha, foi conduzido para o lado de Delfina e todos o seguiram, para acompanhar as orações.

Devidamente vestida e apoiada em travesseiros, Delfina esperava por ele.

Elvira e Arnaldo ficaram um pouco separados dos irmãos. Miloca aproximou-os da cama de sua mãe, porque notou que seus olhos os procuravam.

Delfina olhava, um a um, os irmãos com os olhos marejados. Filó, junto à cabeceira de sua cama, beijou-a e implorou:

- Não vá, minha irmã. Não vá!

- Não me quizila, Filó! – as palavras saíram com dificuldade – eu tinha tanto a dizer... Eu pedi a Deus que me desse força para agüentar até a esta hora – esticando uma das mãos, ela segurou a mão de Miloca, beijou-a com amor e encostou-a à sua face – agora não sei o que dizer a vocês... Estou tão feliz por vocês terem vindo – falando com muita dificuldade, completou – para que eu pudesse vê-los unidos, olhar um a um...

Avistando Tobias ela sorriu e murmurou:

- Delfina, santarrona! – e voltando os olhos para Vadico, completou – Delfina carrapato...

Padre Jesuíno, ao percebê-la tão comovida, aproximou-se da cama e Manfredo trouxe-lhe uma cadeira.

- Venham todos - pediu o padre – fiquem bem juntinhos para que ela possa vê-los a todos. Rezem baixinho o Pai Nosso, enquanto eu converso com ela.

Percebendo a situação, Delfina começou:

- Os meus pecados, padre... Os meus pecados!

- Nem um, minha filha. Nem um.

- São tantos!

- Deus já os perdoou.

- A prepotência... – murmurou.

- A força de luta!

- O orgulho ...

- O caráter forte! – retorquiu junto ao rosto de Delfina, já que a sua surdez o obrigava a acercar o ouvido dos lábios da amiga.

- Padre, reze por mim...

- Estou rezando e, ao mesmo tempo, lhe pedindo que abra o meu caminho do lado de lá, Delfina – com imensa humildade, ele implorou – peça ao Cristo por mim!

Os olhos de Delfina deixaram que uma chama de alegria os iluminasse

- Estarei esperando por você, Jesuíno; esperarei, também, por Januário.

O silêncio se fez, a calma se fez, os sacramentos se seguiram, o perfume do incenso, o ciciar de palavras de amor e saudades.

-----xxx---

Miloca estava tomando as primeiras providências para o velório da mãe, quando Dr Filinto, o delegado, chegou para dar a notícia sobre o que ocorrera com Dr Januário.

Sensibilizada pela partida da mãe, esta nova notícia a traumatizou como se recebesse um verdadeiro impacto. Foi Vadico quem a despertou, fazendo com que ela retomasse o autocontrole:

- É preciso trazê-lo para cá. Matilde não pode ficar sozinha e mamãe não admitiria que Dr. Januário não estivesse ao lado dela, neste momento.

Vadico e Joaquim, a pedido de Miloca, seguiram com Dr Filinto para cumprir com a penosa tarefa de trazer Dr, Januário.

A pequena capela, junto ao açude, abrigou os dois amigos, numa solenidade de homenagem e despedida.

----xxxx----

Às quatro horas da tarde do dia seguinte o féretro, ao chegar na entrada da cidade, após a ponte sobre o rio Curú, era esperado por uma verdadeira multidão.

Os dois esquifes foram retirados dos carros fúnebres, e levados pelo povo. As prostitutas dos cabarés, as mulheres da zona – sempre atendidas por Delfina e Miloca e tratadas por Dr. Januário – lá estavam, carregadas de flores e saudades, prontas para seguir o enterro.

No cemitério, os caixões foram postos lado a lado e, enquanto padre Jesuíno os encomendava a Deus, Matilde, soluçando, foi abraçada por Miloca.

Depois do enterro, olhando para as sepulturas, quase unidas e cobertas de flores, Matilde desabafou:

- Até na morte ela me dá inveja, Miloca, até na hora do seu enterro...

Ribeira do Curú caira no silêncio do entardecer suave, enquanto os sinos badalavam a hora do Ângelus. A cidade toda parecia estar presente; a cadeia se esvaziara. Como na guerra há tréguas de paz, na consciência dos homens, criminosos e juizes, há um ponto em comum, quando fala o amor.

---xxx---

Linda manhã em Recife, espalhando domingo por todos os lados. As praias, com suas jangadas em repouso sobre a areia, enchem-se de gente. Sobre o mar, as gaivotas voam em círculos e, uma após outra, fechando suas asas, atiram-se como setas, num mergulho certeiro à busca o alimento. Pequenas aves andarilhas correm em passos miúdos na areia molhada, catando com seus bicos pontudos pequenos crustáceos e moluscos.

Da janela do seu apartamento, Elvira namora o mar. Tanto brilho, tamanha amplidão dá-lhe sensação de liberdade. Liberdade lá fora, privilégio daquela gente toda que corre, brinca e repousa sobre a areia.

O dobrar de sinos vem despertá-la de seu devaneio, de sua posição de espectadora, quando ouviu a voz do marido:

- Elvira, anda! Estamos atrasados! A missa já vai começar!

Caminhando até ao espelho ela examina o fio das meias, abotoa a gola junto ao pescoço, compõe os cabelos repuxados e dá uns passos em direção à porta. Já no corredor, ela para e, enquanto afirma, nervosa “Já vou, Arnaldo. Já vou”, volta apressada para aquele quadro de luz, de cor e alegria que há pouco admirava e, penalizada, fecha a janela:

- Sim. Arnaldo; já vou, Arnaldo; desculpe, Arnaldo...

---xxx---

O vento Aracati veio assobiando do nordeste para o sudoeste, embolando garranchos nas várzeas secas do rio Curú. Derrubando as folhas das árvores ribeirinhas, levantando poeira de um brejo, agora esturricado, soprando com carinho a lagoa calcinada.

Joaquim, que se tornara o capataz da fazenda Esperança, vem cavalgando ao lado do cavalo de Miloca e comenta, sorridente:

- A chuva envem! E o inverno vai ser bom! O joão- de-barro fez a sua casa com a porta virada para o sul e, lá pras bandas do norte, as torres estão se formando no céu. São nuvens ainda brancas, mas em grande quantidade. O inverno vai ser lindo!

Miloca retribui, com alegria, o sorriso. Já escuta o cantar da juriti, já percebe que o gado se alvoroça, erguendo os rabos e abrindo as ventas, num respirar profundo, cheirando a umidade do ar. Alguns sacodem a lombeira do corpo e ensaiam umas corridas.

Logo, com o chegar das chuvas, os rios vão descer, a lagoa criará vidas, voltarão os peixes que invernaram, socados na profundeza da lama. Haverá cum-cum dos sapos, o reco-reco das rãs e voltarão os meninos para seus banhos e golpes de cangapés.

A vida terá abundância e o homem se regozijará com a terra, ao vê-la úmida e sadia; o seu verde refeito e o gado passará a “comer no chão”, não mais esticando o pescoço para catar as últimas folhas dos arbustos ressequidos.

Que amor! Que inteiração do homem à sua terra!

Os olhos de Joaquim refletem a sua alegria e Miloca recorda a “arte” de seu avô Otávio, a girar na chuva com o pessoal da fazendo. Recordou, também, uma toada que ele sempre repetia, na sua simplicidade, na sua ingenuidade e, saudosa, se pós a cantar:

“Ai! meus canários verdes,
Ai! meus curiós”

Joaquim, emocionado, juntou-se a ela em seu canto popular:

“Ai! quem de mim tem pena,
Ai! quem de mim tem dó.

Ai! da rolinha, coitadinha,
Na mata, cantando só...”

E assim, abrindo os peitos em cantorias e aboios, os dois deram por terminada a jornada e se encaminharam para a casa da fazenda.

Chico e Ana esperavam por Miloca. Chico a ajudava, supervisionando os trabalhos da fazenda e mantendo a sociedade que Delfina havia estabelecido com Filó.

Quando Arnaldo recuperou completamente a saúde, Delfina havia comprado a parte de Elvira, para que o casal pudesse se afastar da família e se estabelecer em Recife.

A casa da fazenda só se enriquecia de risos e criava vida quando Ana e sua penca de filhos chegavam para visitá-la.

Numa dessas visitas, Ana falou à prima a intenção de Chico de apresentar-lhe o engenheiro agrônomo que o estava ajudando na sua fazenda.

Ana, sempre linda, bem arrumada e romântica, maliciosamente, acrescentou:

- Ele é muito simpático, Miloca; é viúvo e tem um casal de filhos...

Miloca abriu um amplo sorriso e perguntou:

- Você continua casamenteira, Ana?

- Ah! Miloca! É tão bom! É tão bom! Você é tão bonita, aprumada, jeitosa! Eu se fosse você, ia ao cabeleireiro, cortava os cabelos num corte bem moderno, fazia as unhas – afastando-se um pouco da prima para olhá-la melhor, concluiu – eu, se fosse você, não bobeava...

Rindo, mas sentindo o rosto afogueado, Miloca pensou um pouco, lembrou da solidão que sofria naquele casarão vazio, na falta do carinho da mãe e dos tios e, lembrando dos retratos dos seus ancestrais encarreirados nas paredes – a duquesa de bigodes e tudo – sentiu uma vontade de gritar e sacudir tanta velharia.

- Está bem – ela afirmou – sexta-feira nós duas iremos à cidade e vou passar por um banho de beleza e de lojas. Estou mesmo precisada. E vocês podem convidar o meu “pretendente” para um almoço, no domingo. Ele que traga logo os filhos, para conhecerem os “primos” – disse, jocosa.

- Não brinca não, Miloca. Não brinca não! Eu ando rezando um bocado por você.

- Para eu sair do “caritó”?

- Não, para que você encontre alguém como o meu Chico.

Olhando para a prima com carinho, Miloca perguntou:

- Será que padre Jesuíno ainda dá conta de realizar mais um casório?

Feliz, Ana se adiantou:

- Eu e Chico seremos os padrinhos. Deus, que alegria!

De fato, no domingo juntamente com Ana e seus filhos, Chico chegou com o engenheiro agrônomo – especializado em irrigação e poços profundos – e seus dois filhos.

Novamente a magia do encantamento de Delfina se repetiu em sua filha. Por questão de instantes, foram olhares que se cruzaram, que se chocaram entre fagulhas. Da mesma maneira, todos perceberam a alegria de Miloca e o enlevo do engenheiro quando, sorridente, ele segurou a sua mão e se apresentou:

- Roberto Siqueira.

O coração de Miloca se aqueceu, de vez. E juntou o pai e a mãe naquele momento de máxima emoção.

Como afirmara o Joaquim, este ano o inverno seria ótimo.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui