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Contos-->CONFINS DO MUNDO, REFÚGIO DOS TEMPOS -- 14/12/2003 - 23:07 (Luiz Antonio Barbosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A professora e todos que estavam na sala de aulas surpreenderam-se naquela manhã quando a coordenadora do curso em meio ao falatório dos que se ajeitavam nas carteiras, pedia insistentemente um minuto de atenção. Quando o silêncio aproximou-se de acontecer, embora em meio a murmúrios de vozes sussurradas, nos disse que a aula daquele sábado não seria como as dos sábados anteriores, pelo menos no período da manhã não seria. Disse que havia um ônibus na entrada do prédio aguardando para levar-nos a uma fazenda a qual havia sido comprada por um dos provedores da faculdade. Teceu alguns comentários sobre o contexto histórico que a envolvia e que os prédios da citada fazenda seriam restaurados e destinados a receber hospedes e visitantes, que seria pólo para estágios dos estudantes de hotelaria e de turismo.

Contexto diferenciado. No impacto do convite, assim de súbito, a professora olhou para a sala como quem diz que não sabe o que responder, visto que o plano da aula seria leitura de textos e análises dos diferentes tópicos de crítica. A sala olhou em todas as direções, (e claro, um passeio por mais que não se saiba realmente onde vai dar, ninguém iria contra; no fim das contas professores são iguais aos seus alunos, ansiosos e ávidos por coisas que quebrem o cotidiano) olhávamos uns para os outros já levantando ante a afirmativa da professora, acompanhando a coodernadora, tomando o rumo dos corredores para a saída do Campus.

Quarenta minutos. O ônibus saiu da rodovia, entrou por uma estrada de terra. "tudo é tão comum quando se vive em meio a paisagem típica de interior paulista!". Eucaliptos. Alguns poucos se agigantam no estreito da entrada ainda de terra. O solo lamacento de relva encardida no sossego do gado preguiçando ao redor da mangueira margeada pela rua comprida com capela no final, traz cheiro de passado. O terreiro de café tem amurada rebaixando-o do nível da rua avermelhada, há sobre o calçamento feito de tijolos de cerâmica um emaranhado de trilhos quadriculando o terreiro, imitando uma ferrovia em tamanho reduzido como se um ferrorama gigantesco, trilhos retilíneos paralelos tanto de largo quanto extensos se encontram no centro num círculo levando um único par de trilhos numa rampa ao prédio com ares de estação de trem do final do século XIX.

O ônibus faz sua parada como um intruso num tempo que não o seu em frente à capela; alguns colonos com ar de curiosidade vão saindo de suas casas e assistindo ao largo a estranha invasão. Professores descem com ares sonolentos de um atípico sábado ensolarado que para dezembro era vento frio e céu manso de azul brilhante, na poça d’água o retrato da lua que se esquecera de deitar no horizonte. Horizonte de verde canavial.

Grupos se formam e saem a esmo explorando as proximidades. Um pequeno grupo entra na capelinha centenária que ainda mantém móveis de madeira envernizada com cheiro de século, com formato de história, com alma de quem desafia o tempo. Algo começa a cintilar no consciente daquele agrupado de professores que caminha pela capela, Maria Regina volta por um vão de porta de uma espécie de sacristia minúscula e nos diz que quem entra pela primeira vez na capela tem três desejos realizados se pedido com fé. Houve silêncio por alguns instantes, ninguém falou. Não pensei naquele instante que alguém estivesse jogando moedinhas num poço mágico. Fiz os três pedidos, um deles absurdo a qualquer lei do conhecimento científico. Desejei voltar no tempo, no dia da inauguração daquela capelinha que fazia final frente a comprida rua de terra vermelha. Imaginei que com um pouco de esforço, de imaginação pudesse assistir ao padre que emoldurou aquelas orações em latim e as pendurou na parede. Moldura de ferro fundido moldada antes na areia com riqueza de detalhes.

Senise, a Mestra Professora, que naquela manhã exploraria os conhecimentos analíticos da crítica literária dos seus alunos-professores, trazia semblante se alterando, abrandando tensão, iluminando o que parecia preocupação. Se já transmitia candura mesmo ante a adiversidade, naquele instante esboçava sorriso de menina que viu no Trenó com renas o Papai Noel, sorria olhando para as formas construídas que resistiam ao tempo.

Apressei o passo e alcancei o grupo que se distanciava. Do lado direito saindo da capela, um prédio tão antigo e pedindo socorro quanto a muitos daquele refúgio, de cobertura curva como se fosse um desses modernos ginásio de esportes, gritando pela descaracterização no telhado, nos aguçou a curiosidade. Tinha o piso com declive como o de um teatro, algumas poucas cadeiras de madeira parecidas com cadeiras antigas de cinema, retorcidas, empoeiradas. Em meio à poeira, olhei para o teto; arredondado, construído com engenharia para ventilação. Ao fundo um palco desenhando um cine teatro daqueles do tempo dos barões do café. Pouco adiante da entrada, ao alto, olhando para trás, um assobradado com dois buracos na parede. Ouço barulho de alguém que desce uma escada de madeira, uma voz diz algo tentando comunicar uma grande descoberta.

Sobre a entrada um piso superior ligado por uma íngreme escada de madeira envernizada leva-nos ao compartimento de projeção de filmes de um cinema. Dois velhos projetores de filmes, cansados, arqueados pela memória de milhares de filmes que alegraram os finais de semana dos colonos de uma fazenda fincada na boca do sertão, dobrados por segredos tão calados na inércia de um amontoado de ferros com cara de gigantes robustos que olharam do alto, por anos, tantas mãos procurando-se no escuro do passado acender corações palpitantes, arrebatados por sementes de paixões que foi capaz de criar na magia de contar historias e gravou em colorido as esperanças de multidões de mocinhas e rapazes apaixonados que já nem existem mais.

Olhando do alto, as cadeiras retorcidas pelo balançar das teias de aranhas que rendavam na poeira espargida pelo chão, arqueavam lado a lado como querendo recostar a cabeça no ombro do fantasma do tempo que beijava o solo. Por um instante os cabelos brancos esvoaçante como teia da reminiscência permeante dos contos ao redor do fogão de lenha em dias de inverno pela avó, conta o subconsciente que o primeiro nome dado àquela fazenda teria sido o de um político e barão do café das antigas, o Coronel LUIZ PINTO.

Um filme aconteceu em minhas lembranças barulhando poesias ritimadas pela música das rodas de ferro nas linhas de aço, melodia insistente que a infância gravou nos vais e vens de uma saga nascida de berço de palha que Maria fumaça apitou na curva uma saudade trazendo de volta da cidade grande o vozeirão do chefe do trem.

_ Próxima parada, Luiz Pinto, Ipauçu. Próxima estação, Luiz Pinto Ipauçu.

O cheiro de terra apagada pela chuva da madrugada misturada com o gosto da saudade desenhava o colo da avó que dava uns merréis pra comprar puxa-puxa da dona Vina e saltava o olhar insone de uma aventura viajada andando pelos vagões do Trem de Luxo que ia despejando gente nas Marias fumaças destes confins da média Sorocabana.

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