Tudo começou com um picolé industrializado.
O dono da mercearia sempre vendia coisas de pequeno valor para o Zé, para descontar no final do mês, no velho sistema de caderninho. Há muitos anos.
Naquele dia Zé passou pelo estabelecimento e comprou à vista um picolé sabor de limão. À vista.
O portuga desconfiou imediatamente do funcionário público. Como poderia se dar ao luxo de comprar um picolé no dinheiro, com salários tão ínfimos?
Manoel do Tejo nada falou. Reservou sua opinião, mas o fato foi percebido também por Galindo, um colega da repartição municipal.
Mais uma semana e Zé apareceu com seus filhos, comprando três pares de chinelo. Novos e pagos em dinheiro novamente. Levou de quebra três picolés.
Galindo, que era mais fantasma do que funcionário, pegou a batata voando. Dali cismou de verificar a origem de tanta mordomia.
Zé, no auge da alegria, acabou comprando também um Gordini, passando também a morar numa casa de três cômodos.
Foi visto pintando as janelas de azul, para contrastar o branco da casa, no alto do morro.
Nada mais se comentava na vizinhança, a não ser a mudança de padrão de vida do Zé, agora um comprador de picolés industrializados para os filhos, que descia o morro todos os domingos para a missa dentro de um possante automóvel.
A tiracolo as crianças com sandálias novas e a esposa com o cabelo cheio de laquê, do bom.
Galindo e mais uns três colegas que não simpatizavam com o funcionário esbanjador chamaram um delegado para verificar as coisas.
Seguido por quatro colegas e mais um agente de polícia, Zé logo foi descoberto em seu projeto de desviar dinheiro público.
Mal começara e já estava respondendo por apropriação indébita. Acabou exonerado da prefeitura.
Um golpe pequeno, se medidas as proporções da época, 1964.
O que marcou o episódio foi que a evidência de roubo começou com um picolé pago no dinheiro e três pares de chinelos de borracha na vendinha do portuga. Sinais de riqueza na miserável vida dos barnabés.