Enleada às tramas da depressão chorava carregando, escondidos na bolsa, os resultados dos últimos exames. Só. Inteiramente só. Não havia ninguém nesse mundo de Deus (ou seria do diabo?) com quem pudesse dividir sua dor. Logo agora que descobrira um novo universo, uma resposta às suas expectativas. Renomada artista da vida, decidira vivenciar suas fantasias, exibi-las numa vitrine removendo as máscaras instituídas pela sociedade. Ave abatida mal começando a voar, isto sim. Irremediavelmente condenada. Por que o choro? Afinal, não ansiara desde a juventude pela autodestruição?
Claire não temia a morte. Apavorava-se, sim, em perder as faculdades mentais ou ficar paralítica, à mercê da boa vontade dos outros. Que outros, cara pálida? Porra, não tinha mesmo ninguém. Logo ela que tanto cuidava da beleza das pernas vê-las secas, atrofiadas. Sacanagem do destino.
Aposentara a navalha; o revólver de há muito não existia e barbitúricos, convenhamos, já não acabavam com a vida de ninguém.
Recomposta, vagava pelas ruas à toa. Conversava com as pessoas, era um bom papo e ainda não havia perdido o brilho. A mente aguçada, o sorriso sempre pronto, olhos irradiando felicidade (trazia cuidadosamente oculto seu olhar característico – triste, muito triste – como conseguira tal façanha?).
Antes de dormir olhava ao redor, examinava o quarto, a parede pintada de azul para levantar o astral (só rindo), como a se despedir da vida. Poderia viver um dia, meses ou, quem sabe, anos. Poderia, também, ser aquele seu último momento. Muito bem. Sempre fora corajosa. Até para morrer há que se ter fibra. Vamos adormecer embalada pelo vibrar cristalino das cordas vocais de Enya.
Boa noite. Magnífica seja a viagem ao desconhecido.
Rio, 19/12/03
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