Na cama, confundido com os lençóis,
não fosse o rio de cabelos escorrendo sobre o rosto.
Olho você e sorrio, quase gargalho com gosto.
Filho, quem é que te deu este ar tão bom moço,
se vens de árvore tão torta, tão criada pra santa
e virada em rebelde, pra ser da casa o desgosto?
Olho de novo e me perco na delícia e no orgulho
quase arrogante de ter te botado na vida.
Olho de novo e pergunto a mim mesma
como pode quem abriu caminho em meu corpo
à força e dor ter virado remédio pra minha mais terrível ferida?
Segue entrando por todas as minhas portas
sem bater nem pedir licença, e assim, meio às tortas,
vai entrando, revirando casa na mais sutil displicência...
Espalha em cada sorriso seus brinquedos por toda parte da minha casa,
porquinho da índia, não gosto de banho, vou voar, borboleta sem asa.
Vai gerando a cada minuto uma nova eu desconhecida,
onde eu me sabia fraca, guerreira.;
onde eu me sabia indefesa, verdadeira fera.;
onde eu me pensava escuro, luz.;
onde sem rumo.; flecha certeira.;
onde pacífica, pronta pra guerra.
Filho, fica aí dormido como um anjo
que todo filho quando dorme é anjo
mas na hora que acorda, Deus nos proteja.
Filho, dorme que esta doida que te pariu
segue insone à tua beira e te beija.
Filho: quem criador, criatura?
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