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Contos-->Retirante -- 28/12/2003 - 14:27 (Juraci de Oliveira Chaves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Àquela hora, o sol já ia a pino, intenso e amarelado de verão. Seus raios pareciam mais ardentes e a pele humana estranhava isso.
A poeira extraída da terra seca, cobria não o verde das plantas, mas o que sobrou delas. Alguém arriscasse tragar uma nicotina, talvez alastrasse fogo sobre os troncos ressequidos de uma antiga mata rala, antes que o cigarro, aceso fosse. Estava muito quente e a chuva não vinha. A fome e a seca, assolavam a região nordestina. Muitos migraram para a cidade e os que ainda resistiam, pouco se davam conta que viviam.
A meteorologia avisou, - pegou no radinho velho, agora mudo por falta de pilha - que chuva por ali, não tão cedo.
Naquelas bandas, a água que poderia vir, não penetraria na terra pela falta de mata viva. Apenas lavaria o terreno, lixiviando-o, ou seja, batendo no solo, virando enxurrada e não infiltrando na terra árida. Era nessa mesma terra que dona Didi trabalhava para o plantio, caso o Senhor derramasse um olhar chuvoso. Morava sozinha, a esperar o marido que nunca chegava. Fora para Pirapora à procura de trabalho, junto a Julião que, agora servente de pedreiro, poderia ajudar o irmão.
Damião ao partir, deixara o herdeiro gerado na barriga da esposa, cheio de esperanças. Não chegaria a conhecê-lo. A morte o levou, durante o parto. A mãe não fora capaz de salvar o rebento. Não tinha forças. Escapara por pouco. Tudo que nascia morria, tal era a sequidão da região. Antes de Damião viajar, ainda restavam algumas esqueléticas novilhas que ele desejava multiplicar o rebanho e fornecer o leite para o guri. Morreram todas. Até o cachorro Tupã, companheiro inseparável, amanheceu morto, um dia.
Dona Didi, sempre a olhar para a estrada, buscava uma pequena notícia, qualquer que fosse, do retirante. Estava cansada de ser única sobrevivente num raio de cinco quilômetros. A outra conhecida vizinha, também sofria do mesmo mal.
Numa dessas olhadas longínquas, avistou um motoqueiro a se aproximar. A alegria brilhou nos olhos. Olhos marcados pela solidão-saudade.
" Damião tá chegano. Coisa boa! Num vô deixá ele i mais. Só cum eu junto."
O contentamento durou pouco. Sob a poeira não estava o esposo e sim, o carteiro. Sua alegria deu lugar à tristeza:
"Coisa ruim tá acontecendo. Correio pur aqui? Nunca vi."
Dona Didi estava certa. Dificilmente mensageiros transitavam por aquelas bandas.
- Boa tarde, senhora.
- Fala logo, sinhô. Coisa boa sei qui num é. Sinto aqui dento ó... –batia ela com a mão direta fechada, sobre o peito.
- Trouxe um telegrama pra senhora, – disse o carteiro enquanto retirava o envelope da bolsa, guardada dentro do bagageiro da moto empoeirada.
- De qui fala, moço? É do meu Dami? Bem qui eu num quiria qui ele fosse. Nóis murria mas era junto; - resmungava a sertaneja, já aos soluços.
- Calma, minha senhora. Não precisa ficar nervosa. Primeiro leia a mensagem. Pode ser coisa boa. Só vai descobrir depois que ler. Posso beber água enquanto isso?
- Pode sim. Num é água limpa mais mata sede. É ali, - apontava ela para um jirau lá no fundo do quintal e, sobre ele um pote de barro, tampado com uma cuia grande com várias outras pequeninas que serviam de copo.
A água turva confirmava as palavras da senhora ainda jovem mas, envelhecida pelas marcas do sofrimento.
Dona Didi mal conseguia rasgar o lacre do telegrama. Leu ali mesmo, gaguejando:
"Marido Damião morto
saudade de você. Vou te buscar."
Cunhado Julião.

"Jesuis! Meu Dami morreu... Meu cunhado vem mi buscar. Eu sabia qui era trem ruim... A curuja piou num gaio seco essa noite!... Eu sabia...
Sonhei a noite todinha... Meu Deus... O quieu faço?
Dona Didi chorou pouco. Não era hora de chorar. Ia para o enterro do seu Damião. Impensadamente, pulou sobre a moto, rodou a chave e o motor roncou. O carteiro em desvairada correria para evitar a loucura, quase fora atingido pela amadora.
E ela foi, leitor. Mas... andou poucos metros. À sua frente, um toco de árvore seca, fez questão de impedir a sua passagem. Ela não sabia que estava acelerando quando devia frear. Bateu com violência. O pó fino da terra quase cobriu seu corpo, inerte. Não carecia socorro. Inútil.
Dona Didi não interpretou direito o que o telegrama dizia:
" Marido Damião morto de saudade de você. Vou te buscar. Cunhado Julião.
O telegrama foi guardado depois da breve leitura.

"Como o analfabetismo pode ocasionar a morte" – dizia o carteiro após a última pá de terra seca, sobre a sepultura rasa.

Juraci de Oliveira
www.jurainverso.kit.net
juraci@interpira.com.br
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