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Cronicas-->Poética das águas -- 21/08/2000 - 21:30 (Isis Vidal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olhamos o mar.
Olhamos o lago.
Olhamos o rio.
Água, essência da vida que nos faz perder em abstrações e lembranças. Qual o valor real que temos dado à essa riqueza incalculável, cujo património é objetivo e subjetivo ao mesmo tempo?
Percebemos os muitos valores ao observarmos as palafitas na periferia de Santos e São Vicente, as favelas à beira do rio Pinheiros em São Paulo, os imensos bairros feitos em "mutirão" à beira do rio Tietê, em São Miguel Paulista. Tantas as famílias que são obrigadas a conviver com essa péssima condição de morar, onde não há infra estrutura básica de água e esgoto, o lixo é jogado nas águas, e o mal cheiro e a umidade invadem o ambiente interior desses pequenos barracos.
Ao nascer do sol, os primeiros reflexos nas águas turvas, mostram as cores fortes do lixo jogado às margens e o sombrio madeiramento úmido das palafitas. A circulação por entre as estreitas pontes inicia um ranger sem melodia, um triste e pesado caminhar de pessoas que não se sentem cidadãs. Olhares desesperançados que buscam um horizonte literalmente mais seco, onde a água é potável e o esgoto fica invisível no subsolo.
Um pouco mais adiante, um grupo de mulheres reúne-se na margem do rio com bacias e baldes coloridos, à lavar as roupas de suas muitas crianças; e as vozes femininas em coro harmonizam a manhã de sol. Cànticos saudosos de outros lugares, outros amores e outras vidas, fazem das senhoras e jovens, personagens de novelas das oito, que se defrontam com a realidade ao estenderem suas peças de roupas, já desbotadas pela vida dura.
A movimentação ensurdecedora de crianças barrigudinhas, traz à lembrança das mães uma alegria talvez nunca experimentada. Corridas, embaixadas desafiadoras e defesas espetaculares evidenciam os Ronaldinhos e Didas, que levantam a poeira a cada vitória, repartindo gritos e sorrisos com outras crianças descalças que empinam pipas azuis, brancas, verdes e amarelas à margem desse mesmo terreno baldio intimidado entre a rua e o lixo acumulado entre os galhos da vegetação (remanescente) do mangue.
Num despertar abrupto de olhar, percebe-se um ónibus imundo de poeira com muitos escritos, como se a lateral fosse uma imensa lousa, onde se coloca a lição de casa daqueles que não tem escola. Estacionado por alguns poucos segundos, o veículo não veio buscar pessoas; veio conduzir esperanças, sonhos de emprego, de melhoria de vida.
Após a partida, um ruído narrativo se mistura a uma música à estilo pagode. Eis um pequeno bar, armado à frente de uma residência, onde mora uma grande família. As mesas encostadas nas laterais de madeira do barracão, alegram o ambiente com aqueles plásticos em xadrez rosado e suas cadeiras de ferro vermelhas da Coca-Cola. Homens com semblante cansado seguram os pequenos copos com olhar fixo na televisão, que noticia as últimas mortes ocorridas na noite anterior, em um outro bar não muito distante dali; enquanto isso, em mesas à porta do estabelecimento, um outro grupo um pouco mais jovem, tenta distrair-se com uma música improvisada em suas caixas de fósforo.
Em mangues de São Vicente, ou na margens de rios paulistanos, as cenas desoladoras se repetem; o grupo à lavar roupa, as crianças jogando bola e empinando pipa, os homens no bar. Irónica é a vida desses bairros de periferia que se desenvolvem à beira das águas, a essência de vida do ser humano, e cuja rotina conduz à morte do cidadão.


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