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Contos-->O Zelador II - A Preparação -- 30/12/2003 - 14:10 (Mauricio Boghosian) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O rio está lindo na noite fria e límpida do inverno. Reflete a lua em sua face, distorcendo e alongando sua silhueta arredondada. Deve ser um sinal que mesmo as formas imutáveis com o tempo podem ser transformadas pelo olhar e ação do homem. Sento na beira do cais. Quantas maravilhas já fizeram com este lugar nos últimos 10 anos e ainda assim, continua abandonado, a mercê de seres desprezíveis como eu e os drogados, principalmente. Já foi pior. Abrigo de estupradores e ladrões da pior espécie, daqueles que não se contentam apenas com o produto do roubo. Torturam e, por vezes, matam suas vítimas.
Tem diminuído muito esse tipo de acontecimento. Talvez eu não seja tão desprezível assim. Pela Lua já passam das 4:30 da madrugada, falta pouco para ela se esconder em meio as ilhas e eu fico ali observando seu movimento ritmado, marcado pelo relógio da eternidade, repetindo sempre os mesmos movimentos cósmicos, marcando caminho e apontando a localização correta para todos no planeta inteiro. Basta esperar aparecer ou sumir esta amiga e companheira de noites límpidas.

As lembranças carregam minha imaginação. Já foi tortura, hoje puro saudosismo. Há quatro anos atrás, tudo era meio nefasto. Andar no centro de Porto Alegre era uma aventura, mas existia sempre, ao menos, uma dúvida sobre o assalto. Com a certeza, veio a morte de minha mulher e meu filho de 2 anos. Estava na minha rotina normal entre o trabalho e o time do Sindicato dos Zeladores de Porto Alegre. Tínhamos jogo naquela noite, no Bairro Glória contra o time da comunidade católica São Judas Tadeu. Minha esposa, que geralmente me acompanha, preferiu não ir e ficar junto com minha irmã, que estava de cama por causa de uma pneumonia mal curada. O jogo terminou e fomos tomar aquela cerveja gelada. O tempo passando... Com meu rotineiro atraso pós futebol ela resolveu voltar sozinha para casa. Devia ser por volta de meia-noite. Pelo menos, foi o que se deduziu nos laudos da polícia e IML.

Foi assaltada, espancada, estuprada e morta. Seu corpo encontrado no outro dia, pela manhã, dentro de um carro roubado que havia sido depenado. O roubo do carro aconteceu na rua e no horário que eles passavam no local. O bebê? Morreu, no hospital de concussão cerebral e frio porque foi jogado contra uma parede e deixado nu, desacordado e sob o relento por horas, sem socorro, sem ninguém ao menos ligar para a polícia. Características de crueldade que secaram meu coração, inibiram minha fé e deram um único sentido a minha vida. Desde então fui treinar, não mais futebol, mas tiro e luta. Deixei de ser caça, agora sou caçador.

Meus tiros certeiros, me mostraram a verdadeira qualidade que trago comigo. Minha forma austera de comandar e dar ordens moldaram uma nova forma de criminalidade. No início eram mortes e mais mortes, sem nexo, sem exame prévio do acontecimento. O medo de ser preso, me colocou freios e traçou melhor meus objetivos. O esconderijo atrás de armas e quadrilhas é a melhor maneira de esconder o medo. Por ele, os infratores pediram trégua.

A Lua foge rápido para trás das ilhas. Logo a escuridão irá impregnar o ambiente do porto, até que a luz brote por entre os prédios do centro. Entre gritos alucinados pela droga ou pelo sexo selvagem, saio sem ser notado, pelo menos acredito nisso. Das sombras, uma voz feminina implora pelo meu carinho ou violência para saciar seus desejos alavancados pela droga injetável que usara há algumas horas. Aproveito a chance e descarrego nela todo o estresse acumulado durante a semana. O ato é rápido e para que ninguém venha a encontrar um pedaço de mim em volta de uma maluca com overdose, carrego comigo a camisinha. A deixo gemendo, não sei se de prazer ou por falta de mais uma dose que, provavelmente, não tem dinheiro para comprar.

Meu sono de 2 horas foi tranqüilo e energizador. Me ergo da cama renovado. Saio do quarto, com minhas malas. Uma quinzena se completa e está na hora de procurar outro hotel de quinta categoria. Nem sempre foi assim. Ao perder minha família, enlouqueci. Perdi a noção de realidade, não podia acreditar que aquilo tivesse acontecido comigo. Ignorava a todos, queria morrer. Infelizmente, não deixaram. Fiquei internado no pinel por seis meses. Às vezes, Ele escreve certo por linhas tortas...

Após ser considerado incapaz pela justiça e aposentado pela Previdência pública, ganhei alta do hospital psiquiátrico. Era um caso perdido, diziam. Fui parar na rua. Era ali que queria ficar. Desligado do mundo. No primeiro dia, fui assaltado e espancado à noite por um bando de jovens que queriam levar meu dinheiro e minhas roupas que ainda eram limpas. Fui parar no pronto-socorro municipal. De lá saí com a cabeça erguida. Parecia que não podia morrer mesmo, por mais que tentasse. Estava na hora de passar à ativa, chega de passividade com os acontecimentos. Minha tia de 70 anos, do interior, conseguiu minha tutela e eu a procurei. Morei por um ano com ela. Aprendi a atirar e confeccionar munição, ganhei alguns torneios extra oficiais de tiro. Comprei um rifle de precisão, importado de forma escusa e de altíssima tecnologia. Meus treinamentos de boxe e tae-kwon-do me trouxeram de volta ao peso ideal. Estava pronto, apenas minha tia era empecilho para a continuidade dos meus planos. Pouco esforço e ela faleceu. Diarréia constante, enfraqueceu tanto a senil titia que não agüentou muito tempo. Havia cumprido sua missão neste mundo. Seus bens resumiam-se à casa onde morava com o sobrinho demente e uma poupança bem recheada no banco. Um vizinho reivindicou minha tutela. Mostrei certo controle na audiência e passei a contar com uma carta de alforria. Claro que para isso, tive que vender a casa para o vizinho, por uma ninharia diga-se de passagem. Fiz-me de enganado e feliz. Saí com a roupa do corpo, minha liberdade e uma bela poupança no banco.
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