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cronicas-->Eu te temo, tu me temes, nós não teimamos -- 22/08/2000 - 01:09 (Guilherme Gouvea) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Quando criança, numa dessas excursões que os colégios fazem à mata, me perdi do restante do grupo. Fiquei por lá, procurando durante horas, uma trilha que me levasse ao povo. Não tinha medo, apenas se o barulho na selva fosse próximo demais, lembrando lendas monstruosas de tigres e outros devoradores de crianças, muitas criadas por mim durante a viagem até lá.

Sentia que a natureza só me degustaria em caso de extrema fome. Como estava com a barriga cheia das frutas que encontrava caminho adentro, torcia pela refeição de todos no café da tarde, exceto eu no menu. Exotismos à parte, avisto um monte alto e é para lá que corro. Não vejo nada que não seja verde, mas ouço vozes. Estavam distantes, é verdade, e no pique embalei. "Provavelmente eu nunca mais correrei assim", é o que deveria ter pensado, mas nem lembro o que pensei.

Estava acontecendo uma "vaquinha", quando cheguei, em agrado ao motorista trabalhador de domingo. Nem perceberam a minha falta, como eu não havia sentido a perda de todo o meu dinheiro. E o todo já não era quase nada, mesmo assim senti pelo motorista, que certamente sobrevive com ele. Quando se é criança ou um pouquinho maduro costuma-se não ligar muito para dinheiro, e partimos, no ónibus, rumo ao colégio, finalizando aquela aventura.

Voltando das aulas, certo tempo depois, percebo que o dinheiro em mãos não me basta para pegar as duas conduções, das quatro rotineiras. Desço na metade do caminho e caminho, nessas noites frias em que todos andam encasacados, e os todos continuam sendo quase nada - meia-dúzia de corajosos a enfrentar o frio. Puxo uma toca, um cachecol e me sinto melhor preparado à longa andança.

O deserto me faz sentir saudades da meia-dúzia de gatos pingado do parágrafo acima, e um medo toma conta de mim. Não era um medo infantil, mas selvagem. Imaginava que, a cada buraco de porta, de rua, de muro, pudesse sair um monstro devorador. As penumbras da luz do poste mais assustavam, e um gato correndo quase me borrava. Acelero os passos e esse ritmo me impede de fumar, uma bengala para essas situações difíceis.

No infinito observo uma pessoa vindo em minha direção, e o infinito não é tão distante nessas horas. Lembrei que, se estivesse fumando, poderia ser um motivo a mais para ser abordado, e senti, neste momento, que não fumar poderia me manter vivo por mais tempo. E passou o sujeito, voando como eu, que só o olhei na conferencia de não ser golpeado nas costas. E continuo meu vóo baixo, em menor velocidade que os carros que passam.

Só ultrapasso as máquinas quando pinta o vermelho na sinaleira da Santos Saraiva, me dando tempo de observar o apavoro da senhora travando as portas por me perceber. E agora tem foto e dá multa furar o sinal. Ela foi obrigada, mesmo que por alguns segundos, a sentir o medo que movia minhas pernas àquela velocidade. E ao verde da casa cheguei, vivo, porém à beira de um ataque cardíaco. Antes de dormir eu pensei: a que pontos chegamos, ou a que ponto nos trouxeram? Somos nós quem puxamos a cordinha?

- Eu não fui, motorista!

- "Deixa de ser teimoso, rapaz" - diz ele.





Guilherme Gouvêa
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