Eu subia a Francisco Búrzio vindo da escola quando me deparei com ela, ou melhor, com seu vulto. Como estava contra o sol, discernia apenas uma figura que se aproximava, e pensei que se esse vulto tivesse para comigo alguma intenção hostil eu estaria, digamos, fodido.
A situação me lembrou Camus, que em "O estrangeiro" descreve o julgamento de um franco-argelino que mata um árabe que se aproximava contra o sol. Foi lendo Camus que pela primeira vez me dei conta do ridículo do direito, das normas e das leis que devemos todos seguir. Anos mais tarde, quando cursava direito, percebi que os outros alunos do curso não se davam conta de tudo isso. Pudera, não haviam lido Camus... Tentando explicar meu ponto de vista, por vezes escarneci das situações que lhes pareciam tão caras, deixando com um tom patético aulas que deveriam ser "muito importantes". Mas a maioria dos alunos não achava graça. Olhando para trás vejo que eles simplesmente não entendiam. Enfadado abandonei o curso.
O tempo acabou por passar e conheci pessoas que, como eu, andam sempre contra o sol, não importando o sentido em que se movam. Que entendem por isso toda a solidão do ser humano, e não procuram consertar o impossível com palavras vazias. Talvez o sol tenha queimado meus olhos numa das minhas caminhadas e hoje eu não pertença mais ao mundo das pessoas com visão.
Mas talvez seja apenas eu, que enquanto caminho pela calçada imagine coisas, e crie esse tipo de situação fictícia para me distrair.
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