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Contos-->Ésti paroimia ton Thánaton kai ton Hýpnon adelphoùs eînai* -- 11/01/2004 - 00:01 (André Luiz Rodrigues Marinho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“...Ésti paroimia ton Thánaton kai ton Hýpnon adelphoùs eînai.” *


Ela tinha uma família feliz e tudo o que todo ser humano gostaria de ter. Tinha uma casa confortável, filhos preciosos, uma relação sólida com seu esposo. Ia a muitas festas, era muito querida e requisitada. O seu dia era sempre claro – mesmo que estivesse chuvoso. Sua noite era sempre estrelada, ainda que algumas nuvens teimassem em encobrir a luz das estrelas. Parecia que o Sol e a Lua se rendiam ao encanto dela, iluminando-a por onde passasse. A Terra a tinha como seu centro. E ela não sabia de nada disso, mas sabia que era feliz, muito feliz.
Possuía, também, inúmeras qualidades. Seu jeito de falar era tão sereno e sublime que não se podia distinguir a tênue fronteira entre a voz e a música. As mãos delicadas com que ela afagava seus filhos toda vez que os via, os cabelos que refletiam e irradiavam toda a luz que recebia. Nossa, como era iluminada! Também gostava muito de trabalhar, ajudava a todos de bom grado, estava sempre de bom humor. As pessoas a invejavam muito, ela não podia ser humana. Era perfeita demais para tanto.
Mas, contrariamente ao que todos pensavam, ela, sim, era humana. E como todo ser humano é falho, ela tinha um defeito. Um micro defeito, um defeitito, um defeitozinho: era impaciente, se irritava com coisas pequenas. Coisas pequenas mesmo, não com pessoas. Ah, mas isso não atrapalharia sua vida, pois era perfeita demais para que isso fizesse diferença frente sua altura.
Certa vez, ela foi levar os seus filhos na escola. Puxa, que viagem divertida! Sim, porque o clima dos passeios e tarefas rotineiras era tão leve que fazia lembrar aquelas viagens alegres que todos gostam. Iam cantando, fazendo brincadeiras... como era moleca! As crianças a adoravam. Todos a adoravam, até os que a invejavam. Nesse passeio, – ou tarefa, ou viagem – depois de deixar os filhos no colégio, decidiu continuar dirigindo pela cidade. Era quase tardinha e o sol, o céu e as pessoas estavam tão bonitos! Abriu todas as janelas de seu carro (sim, nada de ar-condicionado) e deixou o vento bater no seu rosto... Ah, que sensação de liberdade! O carro seguindo, veloz, arejado... o sol amornando sua face, o vento refrescando o calor. O cheiro de alegria no ar, no seu carro, na sua vida.
O movimento rápido, leve e constante do carro lhe fazia sentir-se uma pluma, sob os trilhos do asfalto, a flutuar, flutuar...quase voar... voar até a coisa vermelha redonda, que já não importa... o que importa é voar... ultrapassar a coisa vermelha redonda, que já não importa... o que importa é...Ora, onde está o cheiro de alegria? Parece que a coisa vermelha redonda tinha um sentido. E realmente importava.
Depois do acidente de trânsito, ela foi internada em um hospital. Não, não foi nada muito grave, mas todos estavam, claro, preocupados, já que todos a amavam. Mas estava tudo bem com ela. Felizmente, os filhos já estavam na escola, no momento do ocorrido. Sua família exigia total presteza por parte dos doutores. Afinal, não era qualquer pessoa, era ela, a admirada, a incomum, a humana!
Os médicos a colocaram em um leito muito bem aparelhado. Equipamentos muito modernos, tão simplificados que até os filhos dela saberiam manipular. Com toda a precaução, apesar dos ferimentos não tão sérios, estava ligada a um medidor de batimentos cardíacos e auxílio respiratório. Aparelho bem pequeno, apenas com uma chave de funcionamento, vermelha, redonda. Depois de tantas visitas e preocupações, ela foi dormir, cansada e feliz, em saber que logo sairia dali. Mergulhou, então, em um sono profundo, daqueles que não se tem vontade de despertar. Ela dormindo, e os aparelhos funcionando. O medidor-auxiliador promovia um leve apito, marcando os batimentos, dosando a quantidade de oxigênio.
E o apito continuou, continuou, continuou... Era um som bem leve, mas um tanto incômodo, como se não bastasse toda aquela aparelhagem que a circundava. E o apito não terminava nunca! Mesmo dormindo aquele barulho incessante a chateava, progressivamente.
O sono foi ficando mais pesado, mas o suficientemente leve para fazer-lhe ouvir o apito do aparelho. Aquilo a estava deixando irritada, pois ela não gostava dessas coisas pequenas. E o som era chato, pequeno, constante. Irritante. E não parava. Não parava.
Ela já não suportava mais! Abriu os olhos, meio inconsciente, raivosa, nervosa, colérica e apertou a outra coisa vermelha redonda. Ah, que alívio! Que silêncio... Agora sim poderia dormir sossegada. Virou-se, deu leve sorriso de satisfação e adormeceu novamente. Ela só não imaginava como essa outra coisa vermelha redonda importava. E realmente importava.


(*) “...Existe uma símile de que a Morte e o Sono são irmãos”
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