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Contos-->O TELEFONEMA -- 16/01/2004 - 09:34 (adelay bonolo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O TELEFONEMA

Descia a ladeira do Bom Jesus, riacho que dá nome à região goiana onde possuo umas poucas partes de terra, quando um velho conhecido meu, mais velho que conhecido (já beirava os oitenta), abanou a mão como se quisesse carona ou comunicar-me algo urgente.
- Não me faça mais isso - disse ele em tom repreensivo.
- Mas o que foi que eu fiz? - perguntei entre admirado e confuso, julgando que talvez tivesse cometido alguma falha.
O povo goiano, sobretudo os mais velhos, é muito sensível, aprecia consideração e gentilezas e respeito, e aquele homem ali, agitando febrilmente as mãos, era legítimo possuidor daqueles sentimentos. Daria tudo para não magoá-lo, sobretudo aquele ancião, de quem gostava muito, daí a razão de minha angústia.
- Não se pode cortar palha na nova de maio!
Aí compreendi toda a causa daquela bronca que acabava de me dar. A palha a que ele se referia eram as folhas de um coqueiro do cerrado (conhecido pelos goianos como "cabeçuda"), que, depois de secas e trabalhadas, constituem matéria-prima para as vassouras de palha tão populares em toda a região. Um maço delas, amarrado à ponta de um cabo, transforma-se num excelente instrumental que varre tudo e custa quase nada.
Dentre tantas crendices populares da região, esta é mais uma: não se corta palha na lua nova de maio, sob pena de os coqueiros morrerem. Se é verdade não sei, o certo é que passei a observar religiosamente a lenda, como se nela acreditasse. Aliás, depois do fenômeno acontecido com "seu" Firmino, Firmino Bertoletti, paulista do interior (A ALENDA DO BAMBU, do livro A GRANDE SACANAGEM, do autor, no prelo), não podia ser diferente!
Esse episódio sem importância veio à baila outro dia num repeteco incrível. À hora do almoço, descansava uns ligeiros minutos num sofá, quando toca o telefone:
- Não me faça mais isso! - disse alguém do outro lado, chorando convulsivamente. - Não me faça mais isso!
- Mas o que foi que eu fiz? - perguntei muito mais preocupado agora do que naquela ocasião com o velho goiano.
- O que houve?
Era minha ex-secretária que, aos prantos, me perguntava se estava vivo.
- Claro que estou! Não estás falando comigo?
Alguém lhe havia telefonado perguntando sobre o meu enterro, pois soubera que tinha morrido. A notícia correra mundo (mundo dos meus conhecimentos e dos dela, não tão grandes assim!) e dentro de pouco tempo os telefones de sua repartição não paravam de tocar, sempre com o mesmo tema: como foi, quando e a que horas seria o enterro.
O desespero tomara conta dela e de outras, que nunca soube gostassem tanto de mim! Foi um deus-nos-acuda quando se lembraram de telefonar para o meu novo endereço e a coisa toda se explicou.
Explicou-se nada! O leitor já morreu de mentirinha alguma vez? Experimente e verá como é difícil provar que se está vivo.
Todos os cheques que emiti naqueles dias foram devolvidos sob alegação de que precisaria de autorização judicial para serem descontados. Coisa de inventário, acho. Bloquearam os benefícios de minha aposentadoria, condicionando o pagamento à prova de vida. Acho que é de lei essa exigência.
Até os vizinhos arregalavam os olhos ao me verem passar vivo e bonitão, como sempre! Em meu novo emprego, em que fazia bico para complementação do miserável e ridículo salário da aposentadoria de barnabé, tive que me apresentar para o chefe do pessoal, depois para o diretor do departamento de pessoal e, por fim, ao próprio presidente da empresa, que não queria contar com um defunto no quadro de seus funcionários vivos.
Não sei quem teria inventado a tal história de minha morte. Alguém, de uma cidade distante, de outro estado, que certamente me tinha conhecido antes, bem antes, uns dois ou três anos, inventou a pilhéria ou confundiu-se com a morte de um quase homônimo meu. Meu nome é esquisito, por isso que acho que deve ter sido mais pilhéria que confusão! Mas de qualquer forma nunca se soube de onde partiu a ligação fatídica.
A coisa foi num crescendo tão grande que, sinceramente, preferiria estar realmente morto a ter que suportar aquele assédio fúnebre. Os telefones, fixo e celular, não paravam de tocar, sempre na mesma tecla. E eu tinha que desfilar uma ladainha de explicações.
- O senhor morreu mesmo ou está vivo? Como foi? A que horas aconteceu? O senhor estava doente? Quando será o enterro? Qual capela e qual cemitério?
- Enterro é o "cazzo", seu f... - dizia eu num palavrão italiano complementado por outro em bom português..
- Onde? Onde fica esse tal de ...?
Não agüentava mais. Estava perdendo as estribeiras, chavão que se usava quando ainda andávamos todos a cavalo e de carroça.
Pedi férias no trabalho, uns trinta dias. Com o dinheiro do adiantamento comprei uma secretária eletrônica, dessas que atendem, respondem e gravam os telefonemas.
Armei o artefato com cuidado e fui esconder-me nas minhas poucas partes de terra goiana, com saudade do velho amigo das palhas.Nunca fiquei sabendo quantas ligações houve e de quem eram. Nem sei o espanto que a gravação da secretária causava nos curiosos:
- Aqui é do cemitério! Quem fala? É o defunto... É o defunto... É o defunto! - repetia uma voz como que vinda do além.
Voltei à vida quando minha morte, como acontece com todo defunto que se preze, caíra no completo esquecimento.

Brasília
abril/2003

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