De espanador na mão,
Lá está a exuberante mucama,
A sonhar com a possibilidade de um dia vir a tocar o grande piano colonial,
Que repousa sobre as grandes lapides de madeira que compõem o chão do salão.
Lapides de madeira que são carinhosamente enceradas pelas damas vítimas da escravidão.
Chão que se faz brilhar pela cera quente,
E pelo intenso reflexo do sol que entra pelo vidro bordado,
E pelo trabalho obstinado da zelosa mucama.
Zeloso é também,
O Pensamento da mucama de um dia poder dedilhar
Aquele piano que se encontra defronte a um grande espelho.
Espelho que insiste em capturar o talento de quem se senta a tocar.
Esforça-te mucama a continuar a sonhar o sonho impossível.
Quem sabe mucama, o piano que hoje dorme possa um dia acordar e satisfazer sua necessidade.
Necessidade
De tocar a música que tu mais gostavas.
Aquela música que tu ouvias quando criança,
Tocada por tua dona,
Quando tu eras ainda livre para respirar e viver a vida livre.
Faça desta impossibilidade de dedilhar o piano,
A possibilidade de resgatar a lembrança mais fugas
De quanto tu escutavas por detrás da porta, aquela música que flutuava sobre teu pensamento infantil.
Pensamento este que não se faz tão mais primaveril,
Mas que guarda a velha vontade de um dia vir a dedilhar o grande piano colonial.