Usina de Letras
Usina de Letras
172 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62231 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50629)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4768)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140805)

Redação (3306)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O Escriba -- 21/01/2004 - 18:30 (Eduardo Schmitt Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A escrita é uma benção de Deus. Nós, irmão do Senhor Jesus Cristo a aperfeiçoamos, mas as letras foram criadas por Ele, pois como diz o Evangelho de São João “No começo era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Nos presenteou com esta belíssima arte, parte de seu poder. Com palavras não apenas escrevo textos, manuscritos, também escrevo minhas emoções, as quais não são apenas palavras. Segurando esta pena coberta de tinta na ponta não escrevo uma cópia ou alguém que me mande, pela primeira vez escrevo por mim mesmo. Meu instrutor não permite isto, pois afirma que meu dever com esta pena é copiar e transformar em tinta as citações dos monges. Odeio violar as exigências desta igreja, mas quando descanso do trabalho exaustivo, apenas rezo. Que Deus me perdoe por esta confissão audaciosa, mesmo sendo um ato divino, gosto de fazer outras coisas além de rezar. Escrevo neste pergaminho pelo amor a escrita, mas também por um sentimento. Não posso afirmar qual, pois os sentimentos variam de uma hora para outra e este já havia sentido, mas agora com uma força gigantesca. Ele brotou a alguns dias e eu regava-o com meus pensamentos. Esta flor é bela, com algumas pétalas negras que desencadeiam um novo sentimento, como disse, ele varia a cada momento. Contarei o florescimento desta rosa, a qual me deixa em êxtase com seu aroma e me espeta com seus espinhos.
Estava nesta mesma mesa, copiando um manuscrito de duzentas e cinqüenta folhas, entregue pelo bispo Henrique. Ela se localiza encostada numa parede lateral, perto de dois pilares de mármore. Há uma janela ao meu lado, a qual esta aberta agora, mas no dia estava fechada, por causa do frio. Fui obrigado a acender ma vela, pela má iluminação apesar de ter sol. Janelas situam-se no alto e quando o sol as ilumina, lança raios de luz entre um pilar e outro, os quais se estendem da imagem de Nosso Senhor segurando um livro até a entrada, em fila dupla. A minha frente situam-se os dois pilares mais próximos de Jesus e no meu lado direito todas as mesas dos outros aprendizes, vazias. Do outro lado era da mesma forma. Quando o sol atingia o topo da igreja, iluminava todas as mesas com raios vindo das janelas. Mas no dia, o sol se posicionava no portão do templo, apenas lançando fachos amarelos que se estendiam da entrada até a outra extremidade.
Cansado, com os dedos doloridos, resolvi largar a pena um pouco. Olhava os pontos brancos de poeira voarem em meio a lâmina de luz a minha frente, que cortava a igreja ao meio. Apenas eu estava aqui naquela manhã, como agora. Pensei em abrir minha janela, mas quando estendi o braço ouvi passos. A princípio acreditei ser meu instrutor e então continuei meu trabalho na presença de um estranho. Notei que não podia ser ele, pois o passo era diferente, mais suave e lento. Olhei para a direita e vi um azul se esconder atrás de um pilar. Logo percebi que era um vestido: uma mulher. Nosso Senhor sabe a raridade de presenças femininas neste templo, nem comparado com a Igreja Suprema, a vários metros daqui. Neste lugar apenas se guarda as sagradas escrituras, a pura beleza divina esta na Igreja Suprema. Mas naquele momento descobri que a beleza pura encontrava-se nesse salão, no começo daquele dia. Apaguei a vela num sopro curto, para não deixá-la constrangida com minha presença e ir embora, e foi então que percebi a burrada cometida. Ela poderia me ver, mesmo sem a luz da vela e se perguntaria “o que este aprendiz faz no escuro, com a vela soltando fumaça, recém apagada?”. Prensei forte os dentes, domado pelo arrependimento; por um momento pensei que quebraria a mandíbula. E então, minha espinha congelou, em seguida ardeu num calor violento formigando meu corpo dos pés a cabeça. Ali, naquele facho de luz a minha frente estava ela, como uma fada trazida do sol, pintada pelo céu e penetrado no santuário dos escritores. Vi poucas mulheres em minha vida e jamais verei outra como esta. Caso encontre um ser feminino de maior beleza sei que será uma deusa ou minha imaginação. Mas aquela não era uma ilusão e agradeço a Deus por isso, permitir aos meus olhos contemplarem tal criação feita por suas mãos. Seu vestido de cor azul celeste era a beleza do céu a poucos metros de mim. Caía longo no chão como cachoeira, escondendo seus pés. Ergui as costas para a escuridão, ofuscando-me um pouco mais. Minha respiração estava apressada, quando alguém se afoga e tenta recuperar o fôlego. Fervia no frio, com o coração martelando desesperado o peito, querendo sair. Ficou parada como um espírito, atravessada por raios de luz, olhando a imagem de Cristo. Escondia as mãos no vestido com os braços cruzados. Seu rosto me fez lutar para não deixar o queixo cair e entrar em torpor. Um leve sorriso lhe decorava a boca. Puxados suavemente, os olhos mostravam o brilho da lua. Os cabelos amarrados pendiam nas costas e saltavam graciosas mechas castanhas-claras que a cobriam acima das sobrancelhas. Aqueles poucos segundos, quase um minuto, foram os mais batalhadores para o meu coração. Acredito: nunca bateu tão rápido em tão pouco tempo. Ela se virou para olhar as mesas do outro lado e caminhou lentamente até a saída. Os passos ecoantes me fizeram respirar mais profundamente, meu coração se acalmar no peito e desejar tudo aquilo de novo, mas sabia que não poderia ter. Sua presença se foi ao ouvir o ultimo barulho de seus pés encostarem o chão de mármore.
Durante dias fiquei petrificado, lembrando do curto tempo da semente se transformando. A inveja invadiu meus pensamentos, pois tinha certeza de que ela estava casada e teria poucas possibilidades de ao menos conversar com ela. O mais impressionante, além da sua aparência foi sua juventude, tinha minha idade talvez menos, mas sua presença era de uma mulher madura. Dois dias depois descobri seu nome: Pricíla, a princesa Pricíla. Tão bonito quanto seu rosto. Para descrever sua imagem, poderia escrever páginas, mas descobri ao longo da minha vida literária que quanto menor a descrição, melhor para o leitor criar a imagem em sua mente, pois assim acrescenta seus próprios detalhes do instinto criativo. Quando uma descrição é muito longa o pensamento não consegue organizar os inúmeros traços, tornando a leitura cansativa. Agora não poderei ver a princesa durante alguns meses – viajou para o leste – com o objetivo de visitar as cidades vizinhas. Rezo a Deus todos os dias para trazer novamente a fada do sol a este templo literário. Talvez arrisque enfrentar o medo da rejeição e conhecer a mulher que brotou esta flor dentro de mim que me delicia e me machuca. Ouvi coisas sobre ela de meu amigo aprendiz e elas foram música para meus ouvidos.
Devo interromper este escrito, posso ouvir a voz de meu instrutor ao meu lado, perto da janela. Um dia continuarei, mesmo que seja para eu ler, lembrando-me todos os dias aqueles abençoados segundos, presentes de Deus. Agora largo esta pena e continuo a estudar os manuscritos cristãos, antes que meu mestre entre por aquela porta e me dê uma surra.


Eduardo Schmitt Amaro


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui