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Cronicas-->O andarilho -- 14/05/2003 - 13:43 (Marcos Woyames de Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O andarilho

Faz muitos anos e eu era apenas um adolescentes na antiga Guarapari.

Antiga sim, pois a de hoje é outra. Explorada, usada, ocupada, sem nenhum romantismo. Antes, um lugar de terra, mata, mar, sol e muita, muita luz. Hoje, uma floresta de asfalto e concreto. Resultado da especulação imobiliária e da exploração desmedida de suas dádivas naturais.

Naquela plaga magnífica predominou o doce da minha juventude. Foi lá que conheci um homem muito, muito especial.

Apenas um andarilho sem camisa perambulando pelas ruas. Aquecido pelo sol, pelo incrível sol capixaba .

Dormia aqui e ali, no exato lugar em que o sono dava.

Comendo quando lhe davam. Cabe aqui um adendo... nunca soube que roubara.

Marginalizado, ignorado, algumas vezes abjeto. Desprezado... louco varrido. Varrido da sociedade, jogado pra escanteio, largado no mundo. Mendigo de todo, por completo. Sem abrigo, sem abraço, sem comida e sem laço. Menos que isso... sem nome, apenas um apelido "Jóia".

Duas coisas porém chamavam a atenção de todos: sua postura pessoal e seu físico avantajado. Alto, forte, espadaúdo, olhar absoluto, superior.

Um sorriso permanente fazia de si um ser intrigante. Em seu semblante o ar de tranquilidade tornava possível notar um algo além.

Por muitos anos, na pequena Guarapari dos anos 60, sua presença foi parte da paisagem. Quando menos se pudesse esperar, aquela figura mendiga se mostrava presente.

Homem de pouquíssimas palavras. Uma frase repetida justificava o apelido "jóia, tudo jóia!". Tantas quantas fossem as vezes que seu olhar sorridente cruzasse com outros olhares, tantas seriam as vezes em que afirmaria "jóia, tudo jóia!".

Para dar veemência, sua fala era acompanhada de um único gesto indicando o positivismo, o punho direito serrado e polegar voltado para cima.

Não me passou pela compreensão o otimismo daquele homem. Eu, um jovem social, consumista, capitalista, de educação particularmente formal, não poderia imaginar a razão do seu ar superior e claramente feliz.

Guarapari, como toda cidade de veraneio, no período de "invernada", se via pacata, sossegada, vazia, muitas vezes monótona.

A tarde de inércia propiciava um azedume da alma jovem, sedenta de movimento. Me vi tão perambulante quando o andarilho.

Inesperadamente nossos caminhos se cruzaram.

Pedra do Siribeira, de frente para o mar, brisa fresca no rosto e filosofia juvenil na cabeça... em outras palavras, praticava eu o salutar exercício de ser um observador da natureza.

Tão absorto em meus pensamentos que não me apercebi da aproximação. Confesso, levei um susto ao virar meu rosto e tê-lo ao meu lado. Olhava exatamente para o mesmo ponto onde instantes atrás eu me encontrava perdido em meus pensamentos.

Fração de segundo se passou até que virou, olhou-me de frente, abriu seu inacreditável sorriso e, polegar para cima, afirmou com a mais absoluta certeza "jóia, tudo jóia!"

Não resisti. Minha dúvida precisava ser dirimida. - Como pode estar tudo jóia se você vive da mendicància, se não tem abrigo, se por muitas vezes tem fome?

A resposta foi rápida, firme, consciente... - Nasci pelado e hoje estou vestido, o que mais devo pedir a Deus?

Falou, virou costas e se foi repetindo... "Jóia, tudo jóia!" ... "Jóia, tudo jóia!"

Só então notei que naquele exato dia o homem estava particularmente mais feliz.

Alguém provavelmente havia lhe dado uma camisa nova.

Antes de atingir a praia ele tirou a camisa, rodopiou-a no ar e, virando de frente para mim gritou... "Jóia, tudo jóia!" . Deu uma enorme gargalhada e seguiu deixando as marcas de seus pés na dourada areia da praia.

O sol se pós no horizonte, mas a imagem, o sorriso, a frase do andarilho ficaram para sempre em meus horizontes.


Quer falar com o autor? Escreva para mwoyames@ibge.gov.br
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