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Contos-->O centenário de Ernesto -- 04/02/2004 - 11:09 (Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O centenário de Ernesto

Ernesto Joaquim morava na fazenda Palmital em Piraí - RJ. Sêo Ernesto para todos nós. Prêto velho e centenário que trabalhou para meu avô Reynato. Fez seu casebre logo abaixo do eucalipto da entrada da fazenda próximo a mata. Dizia que lá tinha água boa e terra para plantar. Quando meu avô morreu ficou sob nossa responsabilidade.
Bebia cachaça de cair e costumava chegar em Piraí bêbado e bulir com as pessoas. Alguns o respeitavam e outros não.
Acabava o velho indo dormir na garagem de ônibus de minha avó. Chegava esmurrando a porta e Joel, cria da casa, não tinha a menor paciência. Abria para ele entrar, e ele subia na carroceria da camionete e lá ficava.
De manhã quando Joel ia para o Palmital buscar o leite, levava-o à reboque. Quando o porre era grande ele ia e voltava sem perceber a viagem, quando bebia menos, saltava no Palmital.
Fazia a roça plantando aipim, milho, inhame e hortaliças. Isso com 100 anos de idade. Às vezes parava a lida e acendia o pito feito de coquinho, cortava pedaços de fumo de rolo e acendia.
Conversava bastante. Dizia que tinha trabalhado na construção da Rio-Petrópolis quando menino e que tinha visto o Imperador Pedro II várias vezes subindo a serra. Dizia que todos tiravam o chapéu e baixavam os olhos em sinal de respeito. Ríamos muito de suas histórias.
Mesmo sendo analfabeto, sabia tudo de agricultura, dos animais e do tempo. Sempre perguntávamos:

“ Sêo Ernesto hoje vai chover?”

Ele olhava para o céu e dizia:

“Hoje não... vai chover por roda” ou seja, choveria em volta, em Piraí ou Barra do Piraí, mas não no Palmital. Acertava sempre o danado.
Uma vez plantou uma roça de aipim. Uns quinhentos pés. Estávamos todos por lá e ele foi demonstrar que já podia colher. Escolheu um pé e puxou com força. Decepção!

Ah! disse êle. O danado do tatu tinha comido por baixo o aipim todo.

Rimos muito do acontecido.

Acreditava nos maiores disparates: lobisomens, mulas-sem-cabeça, mães-d água e outros entes da Natureza.

Contava êle no seu linguajar característico:

"Tava na roça, di tardinha, quandu ôsso o rinchá da mula. Mi iscondi pur ditrás dos matos e a coisa vinha descendo o caminho que vem lá do Bananeirá. Já tava meio escuro mas ela me viu e sortando fogo pelas ventas me oiô cum aqueles zóios grandes..."

Mas como ela te olhou Sêo Ernesto? Ela não tem cabeça. A molecada toda riu. O velho ficava sem graça com aquelas perguntas.

Tinha um mêdo terrível de um morador da estrada. Tinha certeza que o Sr. Chico virava lobisomem. Quando passávamos na camionete e Sêo Chico estava na porta, era um terror. Gritávamos: "Olha o lobisomem Sêo Ernesto". Êle ficava apavorado. Coitado de Sêo Chico!

Havia sempre a dúvida quanto à idade do velho. Tinha 100, 130, 90 ou 80 anos. A carapinha e barbas brancas não enganavam.
Com a chegada do FunRural fomos providenciar sua documentação. Perguntei:

“Onde o Sr. nasceu?”
- Em Porto Novo do Cunha, na fazenda tal...

Pegamos o carro e fomos até Porto Novo. É um lugarejo próximo de Paraibuna, com poucas casas e pouca atividade.
Procuramos pelo cartório local, mas se encontrava fechado. Lugar pequeno com um carro de fora circulando gera inquietação. Uma pessoa veio até nosso encontro perguntar o que queríamos com a clássica pergunta mineira do interior:

- Cês são de ondi?

Minha mãe disse que estava procurando o cartório para apurar informações de registro de nascimento de um empregado. Fomos levados até o local e nos acompanhou uma professora moradora de Porto Novo. Bom! pela idade aproximada de Sêo Ernesto e estávamos em 1975, começamos a busca pelo ano de 1875.

Horas depois encontramos o seguinte registro: Ernesto Joaquim, nascido na Fazenda Estrela em 25 de maio de 1867, filho de...

Estava resolvido o problema, e a data e local de nascimento foram confirmados pelo velho.

No fim da vida e bebendo muito, Sêo Ernesto tinha delírios e perdia totalmente a noção das coisas. Sumia com frequência por que não sabia retornar para casa. Faleceu aos 108 anos.

Quase trinta anos depois, quando passo pela estrada do Palmital e olho para o vazio, logo abaixo do grande eucalipto, lembro do velho Ernesto, de suas histórias e porres, do pito de côco com fumo-de-rolo, das crendices, da vida em criança.
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