"Os clarins de março
Émerson Rogério de Oliveira (*)
Porto Alegre, sábado, 17 de maio de 2003
Na Revolução de 64, eu era sargento, recém-promovido. Fiquei entrincheirado na margem gaúcha do rio Pelotas com meus soldados, para guarnecer a ponte. Mesmo antes de cumprir as ordens, de ouvir o clamor do povo nas ruas e de ver as fantásticas marchas da família com Deus pela liberdade no Centro do país, pedindo a ação do Exército, já estava convicto de que a lei e a ordem, subvertidas por pessoas com o objetivo de implantar aqui o comunismo, seriam restabelecidas. Publicações marxistas, ameaças dos Grupos dos Onze e das Ligas Camponesas e os comícios, como o da Cinelàndia, intranquilizavam a sociedade e comprometiam a segurança. Com o entrevero iminente, as Forças Armadas se anteciparam ao exército popular de modelo cubano, em formação, e sufocaram o movimento sem um único tiro.
A história é feita de fatos. É inútil, como alguns desejam, esconder ou distorcer esses fatos, na tentativa de reescrevê-la, pois o tempo sempre resgatará a verdade. A história do Exército brasileiro se confunde com a história do Brasil. Orgulhoso brasileiro, fardado, oriundo do povo, faço parte da história e nada tenho a esconder e muito menos quero esquecer que participei da revolução, porque sempre acreditei que, naquele momento, ela era necessária, embora, ao depois, não tenha estado a concordar com muitas coisas, entre elas, a perpetuação militar no poder. Por sua vez, os que foram combatidos e depois anistiados, e alguns até indenizados, também acreditaram na sua causa e hoje até revivem, na mídia, seus feitos na clandestinidade, como assalto a bancos, sequestro de embaixadores, roubo de armas e outras façanhas, em busca de apoio e de dinheiro. Não importa o lado, também eles fazem parte da história.
No dia 31 de março, quando não ouvi os toques de clarins, mais do que a tristeza, abateu-me a preocupação de que as gerações de hoje e as que vêm por aí pensem que nós erramos. Principalmente ao verem na imprensa reportagens e fotos de certos movimentos sociais em torno de um monumento para homenagear os mortos e desaparecidos, vítimas do regime militar . Como se uma revolução não tivesse os dois lados. Restou-me orar pelos mortos e desaparecidos de ambos e homenageá-los junto à memória, monumento permanente que, assim como a história, não pode ser abafada.
(*) militar da reserva e escritor"
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