Perdido na Metrópole
Silvio Alvarez
Ilustração: Bruno César
O Perdido na Metrópole mudou! A personagem e o autor mudaram! Descobri que não sou palha de aço, mas tenho 1001 utilidades! Utilidades até demais! Compromissos demais! Não posso reclamar. Tudo o que sempre sonhei!
Minha amiga atriz disse que sou osmótico. Meus dois neurónios, a princípio, consideraram uma grande ofensa, entretanto, mesmo em número reduzido, funcionam. É verdade! Conheço e convivo com muita gente desde a criação desta coluna, depois de um isolamento depressivo de dez anos. Capto das pessoas a minha volta, como que por encanto, suas características mais marcantes e compatíveis com meu jeito de ser e pensar. Independe do grau afetivo ou da duração destes contatos. Seres humanos anónimos que trombam comigo pelas ruas do centro da minha metrópole com seus gestos e palavras, em frações de segundo, podem estar contribuindo com algo subliminarmente vital. A amiga atriz estava correta!
Estive no encontro - palestra com o escritor português, Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago. Passados quinze dias sou pego de surpresa utilizando o linguajar castiço deste gênio contemporàneo, inserindo as citações e idéias que ouvi por hora e meia.
Sou assessor de imprensa de uma banda de rock. Convivendo diariamente com outra geração passei, sem perceber, a me expressar e pensar como eles. Outro dia cumprimentei o diretor de uma empresa como um skatista de quinze anos de idade. - E aê veio! Ele não gostou muito da idéia. Concluo: sou osmótico. Graças a Deus!
Como colunista, frequento todos os tipos de eventos e lugares, escrevendo sobre os mais variados temas, convivendo e aprendendo com tudo e todos, despojado da redoma invisível chamada preconceito, reciclando conceitos por osmose.
Estou entrevistando Maria Alcina para um artigo especial. Que mulher incrível! Segundo ela, ao irradiarmos alegria através de um simples sorriso, quebramos barreiras. A população das grandes cidades não está acostumada a ser tratada com carinho e bom humor. Um bom dia pronunciado com sinceridade, acompanhado de uma gostosa gargalhada pode modificar o estado de espírito de qualquer um. E a felicidade é contagiosa! Um sorriso puxa o outro e o efeito dominó é inevitável. Já coloquei em prática.
Bom dia!
Todas as minhas manhãs de domingo são reservadas para um concerto de música erudita em uma sala fantástica localizada no coração desta metrópole que escolhi para viver.
Geralmente são apresentações da Banda Sinfónica do Estado de São Paulo. O ingresso é caríssimo: R$ 2,00. Estudantes e idosos pagam metade. Chego cedo para comprar o bilhete e garantir lugar na platéia central. Tranquilo, faço hora tomando um café com leite em um carrinho de propriedade de uma jovem e simpática senhora, bem em frente à estação de trens ao lado da sala de concertos. Minha nova amiga, comerciante informal, oferece café, chocolate, bolo de fubá e sanduíches, tudo preparado e servido com muito carinho simpatia e atenção. De brinde ganho uma agradável conversa matinal. Já virou ritual dominical. Falamos de literatura, cinema, experiências de vida e amenidades em geral. Entre um papo e outro confessou ser viciada em macarrão instantàneo. - É meu companheiro de todas as horas! Declarou. - Meu também! Devolvi. Ainda não experimentei, mas, segundo ela, é delicioso cru como um salgadinho tradicional. Ela adora!
Colhendo mais alguns depoimentos igualmente favoráveis a esta gororoba que insistem em classificar como comida, somados a larga experiência nesta área gastronómica específica adquirida como apreciador contumaz desta preguiçosa iguaria, tomei uma importante decisão. Declaro para os devidos fins, a partir deste instante, a fundação da AMMI - Associação dos Maníacos por Macarrão Instantàneo. Instituição sem fins lucrativos com objetivo de minimizar a discriminação aos consumidores deste comestível essencial para a humanidade. Além de unir os companheiros promoverá debates, palestras e troca de receitas de como abrir a embalagem, espalhar o tempero, tirar a água e por aí vai... Serão milhões de adeptos! Tenho certeza.
A AMMI começou a trabalhar e está processando o supermercado próximo ao meu lar. Mudaram a prateleira de macarrão instantàneo para um lugar nada conveniente. Preconceito! As lasanhas para forno microondas estão em um local privilegiadíssimo. Por que?
Não conheço refeição mais barata e prática para alguém totalmente desprovido de habilidades culinárias, tempo e paciência como eu. Em recente pesquisa realizada encontrei simpatizantes entre cozinheiras famosas que preferem continuar anónimas.
Sou um cronista macarrónico!
Um grande e largo sorriso osmótico e instantàneo para todos.
Silvio Alvarez é assessor de imprensa da banda rock pop YSLAUSS, artista plástico de colagem e colunista. silvioalvarez@terra.com.br
Ilustração - Bruno César: brunoartes@uol.com.br
